quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Acadêmicos versus reitoria

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ

Há poucos dias, estudantes da UFMT fizeram ato reivindicatório junto à Reitoria. Uma das demandas é a garantia de docentes para todas as disciplinas. Como se sabe, as federais estão perdendo autonomia às imposições - até pedagógicas - dos últimos governos. Por isso, "como nunca antes...", todas passam por processo irresponsável de expansão. Resultado: queda da qualidade; má formação acadêmica.

E ao que tudo indica a má formação escancarou-se já no ato estudantil. Uma estudante - de Letras - parece ter assassinado a modalidade padrão da língua portuguesa na "cara" da Reitora; até concordâncias básicas foram ignoradas.

Diante disso, a Reitora, ex-docente de Língua Portuguesa, não perdeu a chance de chamar a atenção da jovem. Intencionalmente ou não, isso serviu para fragilizar o conteúdo do discurso político-reivindicatório do movimento estudantil, o que é lamentável, pois as solicitações são justas e necessárias; além do mais é obrigação da Instituição envidar esforços para garantir a qualidade acadêmica.

De qualquer forma, o curso de Letras vem perdendo a lógica de sua existência. Motivo: o ensino da modalidade padrão de nossa língua vem sendo substituído pelo ensino de Linguística, com destaque ao da Sociolinguística, ou seja, disciplina que afrouxa - ridicularizando - o aprendizado da norma padrão, embora seus epígonos não admitam isso.

Assim, quando não é a tal da Sociolinguística são as disciplinas que privilegiam o discurso: é um blábláblá sem fim e sem rumo; rigor que é bom, nada. Resumindo a ópera bufa: quase não há mais espaço para o aprendizado consistente da gramática normativa, nem aqui e nem no Japão... (!!!). Logo, muitos dos acadêmicos de Letras - vítimas disso - não diferenciam um adjetivo de um substantivo, um verbo de advérbio.

Concordâncias? Regências? Ahnhn? A norma padrão foi para o espaço. É raro alguém escrever (e falar) cuidando dessa modalidade; é a diplomação da ignorância na era flex.

Nesse panorama, poucos são os docentes de Letras que ainda insistem num rigor (mínimo) acadêmico. A frouxidão corre solta nesses cursos. Há dois anos, tive um dissabor pontual com muitos alunos da turma dessa mesma acadêmica do episódio com a Reitora.

Em uma avaliação escrita daquela turma fui obrigado a atribuir nota zero à maioria dos acadêmicos: um vazio de conteúdo numa forma primária. Resultado: a turba fez um abaixo-assinado contra meu rigor acadêmico, mas tudo disfarçado numa falsa acusação de intolerância religiosa de minha parte.

Aquela acadêmica, que não lera um livro sequer dos solicitados, na "cara dura", foi uma das signatárias. Não é preciso dizer que a maioria, inclusive a própria, reprovou a disciplina. No ano seguinte, todos os acadêmicos, até a protagonista em pauta, foram aprovados por alguém (!).

Conclusão: se todos nós - professores e acadêmicos - fôssemos mais rigorosos, talvez esse vexame não tivesse ocorrido. Mas pior do que o constrangimento foi ter "dado de bandeja" à Reitora motivos de características formais que enfraquecem o conteúdo de luta tão importante.

Diante disso, mesmo não devendo nada, mas sendo um dos professores de Letras, peço desculpas à Reitora pelo português ruim daquela aluna. Tomando a liberdade, convido a Magnífica para se fazer presente na reunião do Departamento, dia 26. Assim, poderá dialogar academicamente com seus colegas sobre a perplexidade exposta no ato dos estudantes.

Lembrete: este é mais um convite acadêmico que faço à Magnífica. Os anteriores foram desconsiderados.

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Ciência da Comunicação/USP e professor da UFMT.
rbventur26@yahoo.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário