sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A escola sem seu lugar


Unidade da rede municipal do Rio deverá ser demolida para a construção de quadras de aquecimento que serão usadas na Copa e na Olimpíada. Pais ainda não têm informação oficial sobre onde devem matricular seus filhos



Deborah Ouchana



Em meio a tantas críticas quanto à realização dos dois maiores eventos esportivos do mundo no Brasil - a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016 - a resposta de representantes do governo visa sempre ressaltar os benefícios que os acontecimentos podem trazer ao país-sede. Para alunos, professores e pais da Escola Municipal Friedenreich, no Rio de Janeiro, essas vantagens, no entanto, estão longe de se tornar uma realidade.

Localizada ao lado do estádio do Maracanã, a escola, considerada a sétima melhor do estado, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), será demolida para dar lugar a quadras de aquecimento para atletas. A construção está prevista no projeto de reformas do complexo.

Os rumores sobre a demolição da escola começaram em 2009. Na época, um grupo de pais se mobilizou e acionou o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que abriu um inquérito, no qual representantes do município e do estado informaram que os serviços prestados no contrato de Elaboração de Projeto Executivo e Execução de Obras de Reforma e Adequação do Complexo do Maracanã não incluiriam nenhuma intervenção na escola.

Segundo nota publicada no site do MPRJ, a informação foi confirmada pela Secretaria de Obras do Estado no dia 28 de agosto deste ano, resultando no arquivamento da ação. Já a Secretaria Estadual de Obras disse que nunca se manifestou a respeito da demolição da escola e que é responsável apenas pelas obras do estádio do Maracanã. Segundo a assessoria de imprensa da secretaria, o órgão responsável pelo assunto é a Casa Civil.

Entretanto, em outubro de 2012, a comunidade escolar foi pega de surpresa ao ler a minuta do edital de concessão do Maracanã, pela qual foi informada de que a demolição da escola era certa. Em 21 de novembro, o Ministério Público propôs uma Ação Civil Pública com o objetivo de evitar a demolição da Escola Municipal Friedenreich e garantir que suas atividades sejam mantidas durante o próximo ano.

Segundo a Promotora de Justiça Bianca Mota de Moraes, a confirmação ocorreu às vésperas do encerramento das matrículas para 2013. "No site da Secretaria Municipal de Educação não há uma nova localidade onde os pais possam matricular seus filhos. Não é apresentada qualquer destinação concreta, com prazo e endereço definidos para as novas instalações", afirmou em nota.

Em resposta à Educação, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro informou que a proposta da prefeitura e do governo do estado é que a escola passe a funcionar no prédio da antiga escola de veterinária do Exército, em São Cristóvão, ou em alternativas propostas pela equipe da unidade escolar. A Secretaria diz que não vai transferir os alunos antes que o prédio esteja totalmente adaptado para recebê-los. Afirma ainda que a estrutura pedagógica, a direção e todo o corpo docente da escola serão mantidos.

Em nota, a assessoria da Casa Civil informou à nossa reportagem que "a demolição da escola faz parte do projeto que visa transformar o Complexo do Maracanã em um grande centro de entretenimento e é necessária para que o estádio atenda às necessidades de escoamento e circulação de público nos padrões internacionais seguidos por esses eventos esportivos".

Ao contrário do que informou a Secretaria Municipal de Educação, a Casa Civil afirma que já está definido, de comum acordo com a prefeitura, que a escola será transferida para a antiga escola de veterinária do Exército. As adaptações do prédio ficarão a cargo da empresa que vencer a licitação de reforma do Maracanã.

Uma das reclamações dos pais é a falta de diálogo entre a Secretaria e a comunidade escolar. Segundo Carlos Ehlers, membro da comissão de pais, ainda não foi dada nenhuma resposta oficial e as informações chegam apenas pela mídia. "Eu particularmente quero um diálogo direto com a Secretaria de Educação", afirma.

"As aulas terminaram dia 30 e nós saímos de lá sem nada concreto. Não sabemos para onde a escola vai, nem quando. Temos de considerar que é final de ano letivo e precisamos de um tempo hábil para nos organizar", acrescenta Carolina Martins Araújo, mãe da aluna Juliana Araújo Ribeiro, do 4° ano do ensino fundamental. A maior preocupação dos pais no momento é que a escola seja demolida durante o período de férias e as crianças e professores sejam remanejados para outras escolas do bairro, o que, para Carlos e Carolina, levaria a um esvaziamento da proposta pedagógica da escola e à total perda de sua identidade. A proposta dos pais é que a escola permaneça no mesmo local em 2013 e que essa transição seja feita com maior responsabilidade, garantindo que, mesmo em outro prédio, a escola continue existindo.

VIGÍLIA

Para evitar a demolição, o movimento social Meu Rio lançou uma carta de apoio aos pais e alunos da Friedenreich que já conta com mais de 17 mil assinaturas. Segundo Daniela Orofino, coordenadora da campanha, mesmo com o grande número de adesões o governo ignorou o pedido da comunidade de retirar a escola do edital de concessão do Maracanã.

Por conta da chegada das férias, surgiu a ideia de criar a campanha Guardiões da Friedenreich, uma plataforma de monitoramento online com transmissão de vídeo, em tempo real, da entrada da escola para que ela seja monitorada 24 horas por dia. Ao todo são 1.360 pessoas inscritas. "Se os tratores chegarem, nós acionamos por mensagem de texto no celular todos os guardiões para formarem uma barreira humana em torno da escola", explica Daniela.

A coordenadora da campanha acrescenta ainda que as soluções apresentadas pelo governo não atendem às necessidades da comunidade escolar, além de não passarem de promessas sem nenhuma garantia legal. "Estão divulgando uma imagem aérea onde a distância entre a Friedenreich e o novo prédio em São Cristóvão parece ser pequena. Mas, na verdade, entre as duas localizações existe todo o Maracanã e uma linha de trem. Além disso, São Cristóvão tem muito menos acesso por transporte público", garante.

ESCOLA MODELO

O professor de história e filosofia da rede particular Carlos Ehlers é um dos pais que estão na linha de frente pela defesa da Escola Municipal Friedenreich. Carlos conta que mantém um vínculo social forte com a escola, mesmo com suas filhas já não estudando mais lá. A mais velha terminou o ensino fundamental 1 no ano passado e a mais nova deixa a escola neste ano, já que ela funciona apenas da educação infantil até o ensino fundamental 1.

"A principal diferença da Friedenreich é um projeto pedagógico em que os pais têm uma participação muito direta. A escola sempre abriu as portas para ouvir as demandas da comunidade, o que levou à nossa integração em identificar problemas e tomar medidas para melhorar. Isso foi um processo de 10 anos que levou a resultados excelentes", afirma enfático.

Carolina Martins Araújo, mãe da aluna Juliana Araújo Ribeiro, do 4° ano, e do ex-aluno David Araújo Ribeiro, também ressalta sua satisfação com a escola. "Minha filha tem, além do currículo regular, oficinas de vídeo, teatro, música, aula de inglês, sala de leitura. Atualmente, 8% dos alunos são portadores de necessidades especiais e contam com uma sala de recursos. É uma comunidade escolar muito coesa que faz um trabalho bonito, com muito esforço e empenho dos professores", ressalta.

A escola, que recebe todos os dias quase 400 alunos, tem meio século de existência. Seu nome é uma homenagem ao jogador de futebol Arthur Friedenreich (1892-1969). "A escola simboliza toda a história cultural e futebolística em torno do Maracanã. Tirá-la de lá seria a mesma coisa que pegar o Pão de Açúcar e colocar em outro ponto da cidade. A escola não é um problema; é uma solução. O Maracanã tem que se adaptar a ela", aponta Carlos.

"Eu estou na Friedenreich há sete anos. Nós percebemos uma série de trabalhos que vão sendo construídos. O governo fala que preza pela educação, mas não se predispõe a cuidar e manter o que está sendo feito", lamenta Carolina.