Quem nunca ouviu essa expressão popular? Quando
você está p. da vida com alguém ou com alguma coisa deseja que ele, ou ela, vá
para “o quinto dos infernos”, ou seja, que vá para o pior dos lugares possíveis.
O dito, de mais de dois séculos, tem uma origem muito prosaica. E, o curioso, é
que se tornou em uma realidade muito presente em nossos dias.
Desde meados do século XVII e ao longo do século
subsequente o ouro do Brasil alimentou o sonho imperialista de Portugal. Daqui
foram carreadas toneladas do precioso metal. A descoberta dos aluviões no
extremo oeste serviu para aguçar ainda mais a avidez lusitana. Quando, na manhã
de 1º de novembro de 1755, um terremoto, seguido de tsunami, praticamente
destruiu Lisboa, nos anos seguintes foi o ouro da Vila Real do Senhor Bom Jesus
do Cuiabá que em grande parte contribuiu para a reconstrução da capital da
Metrópole.
Esse episódio, que até hoje é considerado uma das
maiores catástrofes naturais da Europa, gerou uma série de consequências no
campo da política, da ciência e até, vejam, da filosofia. Se na política serviu
para demonstrar o gênio de Dom Sebastião José de Carvalho e Melo, posteriormente
Marquês de Pombal, na ciência foi decisivo para o surgimento de uma nova
disciplina, a sismologia, e já na Filosofia fomentou reflexões e demoradas
polêmicas entre os sábios da Europa, nas quais se destacou Voltaire. Este, no
longo e depois célebre Poema sobre o desastre de Lisboa [Poème Sur Le Désastre
de Lisbonne], acidamente questiona: “Ou Deus quis impedir o mal e não pode, ou
pode e não quis. Ou mesmo nem quis e nem pode. Se quis e não pode, não é Deus;
se pode e não quis, não é bom. Se quer e pode, qual a origem de todos os
males?”
Mas voltemos ao inferno. Vinte por cento, ou seja
1/5, de tudo o que fosse produzido pelos súditos da Colônia era destinado para a
Coroa. O tributo, regular e impiedosamente cobrado, era denominado de “o
Quinto”. A incidência se dava principalmente sobre o ouro que, com o tempo,
começou a escassear. A Metrópole, no entanto, não estava nem aí para isso. O
povo chiava e praguejava contra o odioso imposto a que passou chamar de “o
Quinto dos infernos”. Nos fins dos anos 1780, a Metrópole criou o sistema da
Derrama, pela qual cada região de exploração de ouro deveria pagar anualmente
100 arrobas de ouro (1500 quilos). E, se não tivesse essa quantia? Azar!
Soldados invadiam as casas e retiravam os pertences de seus donos, até que fosse
completado o valor devido. Ainda que os mui nobres ideais de Liberdade e de
Igualdade tenham ilustrado a chamada Inconfidência Mineira, na realidade o motor
principal da frustrada tentativa de rebeldia foi precisamente a cobrança do
escorchante tributo que, no ano de 1789, se avizinhava pela execução da
Derrama.
Vamos dar um salto no tempo. Que nome hoje se
pode dar ao sistema tributário brasileiro que se mostra mais cruel que aquele
que motivou a Conjura Mineira? Se no século XVIII, pagando-se um quinto, era o
“Quinto dos infernos”, como denominar a carga tributária atual? E o curioso é
que esse sistema iníquo é o grande elo existente entre os governantes
brasileiros, governo após governo, não importa a que partido pertençam. Divergem
de mentirinha em muitas coisas, pensam e agem diferentemente em tantas outras,
uns dizem que tem a ideologia y ou z, mas todos estão concordes em duas coisas:
a) em dizer que “o Brasil precisa de uma reforma tributária”, e, b) em aumentar
e criar mais impostos quando estão no poder. E os que estão embaixo? Estes tão
habituados e domesticados apenas ousam resmungar. Sempre timidamente. Até
quando? Pois é, hoje pagamos mais tributos que no tempo da Colônia. Duvidam?
De 1º de janeiro a 30 de maio deste ano de 2015,
portanto durante cento e cinquenta dias, trabalhamos de graça para os Governos -
federal, estadual e municipal. Num artigo do ano passado, o professor Jacir J.
Venturi, da Universidade Federal e da PUC do Paraná, mostra que a carga de
impostos, taxas e contribuições no Brasil saltou de 21% para 36,4% do PIB desde
1985, início do mandato de Sarney. Isto representa quase o dobro do que
trabalhávamos na década de 1970 para pagar as mesmas obrigações tributárias.
Segundo cálculos do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (2014), é
algo em torno de R$ 35 bilhões a mais, já que, em razão da defasagem, as
alíquotas do Imposto de Renda deveriam ser reajustadas em 61%. Agora, como nos
faz lembrar o professor, se a isso ainda acrescentarmos os serviços a que somos
forçados a contratar nas áreas de saúde, educação, previdência, segurança,
pedágios em rodovias, devemos acrescentar pelo menos mais dois meses de trabalho
para o governo. Tudo de dispêndio para sermos governados. É ridículo. Assim,
meus caros leitor e leitora, hoje você trabalha 7 meses por ano só para arcar
com o peso da burocracia dos governos. Ah! e da corrupção.
Até aí nada muito significativo, se poderia
dizer, se se tivessem serviços públicos de qualidade. Serviços que pudessem
justificar essa verdadeira “derrama” contemporânea. Mas não. Mantemos uma
burocracia ineficiente, incompetente e medíocre. Mantemos a corrupção. Esta sim,
uma das melhores do mundo. E, de tudo isso, quem paga mais? Bem, isto fica para
um próximo artigo.
A verdade é que a turma dos Inconfidentes, hoje
heróis da Pátria, de onde estiver, deve estar estupefata, primeiro com a carga
tributária que hoje recai sobre os ombros do povo, e depois com a enorme
passividade do povo. Ambas, de longe maior que em seu vetusto tempo. Enfim, o
“quinto dos Infernos” - devem estar dizendo os Inconfidentes de 1789 - é os
tempos de hoje.
*SEBASTIÃO CARLOS GOMES
DE CARVALHO é Professor, Advogado e Historiador.