Na segunda-feira acordei mais cedo para
ver o programa da Fátima Bernardes. Fiquei sabendo que uma das pautas do
programa era sobre educação e fiquei curioso.
Bom, minha curiosidade foi
logo substituída por uma tremenda frustração. Vi mais uma vez que a luta dos
professores por valorização profissional é na realidade muito mais difícil do
que se espera, pois depende acima de tudo de uma conscientização política da
classe, o que me parece uma tremenda contradição, pois os professores, que tem
por oficio a formação de cidadãos, deveriam ser a classe mais bem provida dessa
consciência e não carecer tanto dela.
O que vi mais uma vez foi uma
leitura confusa da realidade atual da educação no Brasil, e falo da educação
pública, uma leitura que mistura tudo numa salada complexa que, por sua vez,
exige uma solução complexa que, por si só, é muito difícil de colocar em
pratica.
Balela! Tudo balela! Discurso rebuscado, cheio de
justificativas fajutas e soluções inalcançáveis.
Uma coisa é a realidade
da escola publica no Brasil, outra coisa é a situação profissional do educador.
Uma coisa são as políticas educacionais para melhorar e valorizar a educação e a
instituição escola, outra coisa é a luta do professor por valorização
profissional.
A educação pública precisa de investimentos! Simples
assim. Precisa ser levada a sério e não ser tratada como algo de segunda ordem.
As escolas precisam de materias de expediente, carteiras, mesas, bibliotecas,
computadores, aparelhos de ar condicionado.
Em alguns lugares, como aqui
em Cuiabá que chega a fazer 38°, 40° graus em determinadas épocas do ano, um ar
condicionado é item de necessidade básica dentro de uma sala de aula com trinta
e cinco alunos.
"Professor como um ser
abnegado que abriu mão de sua vida para ajudar o próximo, um personagem quase
santo"
As escolas precisam de funcionários de pátio, de psicólogos,
assistentes sociais, de professores com dedicação exclusiva na unidade escolar.
Mas enfim, quero falar aqui do professor e sua consciência política, de
sua luta por valorização profissional, a realidade da escola pública não é
segredo pra ninguém, basta visitá-las para constatar com os próprios olhos.
Ouvindo a fala de alguns especialistas, estudantes e até alguns colegas
de profissão, e pelo que vi, excelentes profissionais, noto um discurso
aparentemente inocente, mascarado por uma aura intelectual que repercute na
opinião pública e que descreve o professor como um ser quase monástico, o que na
minha opinião só reforça uma imagem estigmatizada do professor como um ser
abnegado que abriu mão de sua vida para ajudar o próximo, um personagem quase
santo, que só pode se dedicar a tal função se, e somente se, “nascer com o dom”.
“Ensinar é um dom, uma vocação”. “A maior recompensa para um professor é
o reconhecimento”. “O papel do professor vai alem de uma profissão, é algo
social.” Maus profissionais existem em qualquer área, toda e qualquer profissão,
para ser bem sucedida, exige dedicação e amor, isso não é uma exigência
exclusiva da profissão de educador. Toda profissão tem o seu papel social, e se,
o do professor é o mais importante, ou um dos mais importantes, esse é um dos
maiores motivos pelo qual ele deve ser mais valorizado como profissional. Não é
com discurso de autocomiseração que nós vamos conquistar a tal valorização.
Somos profissionais, precisamos nos valorizar como tais para exigir que nos
valorizem.
Ao ver os colegas falando sobre sua profissão em um programa
de televisão em rede nacional nessa manhã de segunda, me veio a memória a fala
do governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), em 29/08/2011, na ocasião da greve dos
colegas Cearenses por melhores salários: “Quem entra em atividade pública deve
entrar por amor, não por dinheiro”.
"Queremos ter o direito de
viajar no final do ano, conhecer um país diferente, outra cultura. Queremos
andar bem vestidos, também poder oferecer aos nossos filhos tudo do
melhor"
Então, me veio a questão: quem se apropriou do discurso
de quem? Não podemos nos esquecer que a principal frente de batalha é política,
e que essa batalha acontece no âmbito do discurso. Temos que ter consciência de
classe, exercer nossa capacidade intelectual para nos valorizarmos como
profissionais que somos e não como estereótipos antiquados de monges que um dia
desembarcaram por aqui e resolveram educar índios pelo bel prazer ou por razoes
ideológicas, ou, como senhorinhas com certo espírito critico que resolveram doar
seu tempo ocioso para ensinar crianças de suas comunidades a ler e escrever.
Somos pais de família, trabalhadores de duas e, as vezes, de três
jornadas, e nos colocamos nessa condição não só por que amamos o que fazemos,
mas por que dependemos disso para sobreviver, precisamos, como todo trabalhador,
pagar nossas contas, por comida na mesa.
Queremos ter o direito de
viajar no final do ano, conhecer um país diferente, outra cultura. Queremos
andar bem vestidos, também poder oferecer aos nossos filhos tudo do melhor, por
que não? Queremos ter carro do ano sim, temos esse direito e não estamos pedindo
nada de mais. Queremos salários justos.
Enfim, a valorização do
professor como personagem social é de suma importância e ele já tem esse
reconhecimento, agora queremos ser tratados, valorizados e respeitados como
profissionais. Como posso exigir salário por um “dom”, algo que não tem preço?
Só me resta esperar que alguém se compadeça da minha condição?
Não, sou
um professor por que estudei para tal, investi e continuo investindo na minha
formação profissional e não por que nasci com estrela na testa, tenho
consciência do meu valor e, acima de tudo, tenho consciência de que essa é uma
luta da classe, e que se não nos valorizarmos como profissionais, nos unirmos e
lutarmos pelos nossos direitos ninguém nos valorizará e nunca receberemos um
salário digno.
JUARID CANDIDO é formado em Filosofia
pela UFMT e professor da rede pública estadual.