Iza Aparecida Saliés, Professora Especialista Aposentada
iza.salies.ap@gmail.com
Espera-se que a “educação prepare os indivíduos para o exercício da
cidadania plena, ajudando-os a exercer seus direitos associados ás
responsabilidades e deveres de todo cidadão consciente e critico, portanto,
socializando na realização da ação comum, e ao mesmo tempo oferecendo a todos a
oportunidade de realizar seu potencial” (Ubiratan D’Ambrósio -1994)
[1]
I – Introdução
Este artigo tem a finalidade de descrever um pouco do processo histórico que
constituiu o Ensino Médio de Mato Grosso na década de 90, momento em que a
mudança da organização escolar brasileira passava por sérias e profundas
modificações.
O estudo dos documentos possibilitou transitar por um universo de temas com
ricas informações, mas tive necessidade de fazer recortes por deparar com dados,
informações que dispunham de densa e significativa importância para contar como
se procedeu à reconstrução do Ensino Médio.
Houve necessidade também de adentrar ao ano 2000, de modo a preservar e não
deixar ocorrer ruptura ao que interessava delatar, sob pena de perder
informações importantes.
Percorri os caminhos traçados pelo acervo documental encontrados durante a
pesquisa, que são tipicamente oficiais, e que representam, sem dúvida, a visão
estatal de uma política educacional de uma das etapas de ensino da educação
básica, por estar na condição de responsável pela elaboração das políticas
educacionais de Mato Grosso.
Procurei ser fiel aos documentos pesquisados como forma de garantir uma
descrição clara e precisa dos raros e preciosos escritos históricos que
encontrei sobre o Ensino Médio do Estado, com a preocupação de não deixar perder
o que era relevante para um texto descritivo, não denso e nem muito sintético,
mas, sim, uma descrição que pudesse abrigar assuntos de fundamental importância.
Os destaques foram para os temas que contribuíram significativamente para
reforçar o que contribuiu para a reforma do ensino médio, o que ocorreu nesse
período histórico, que são: Contextualização sobre educação; A Educação de Mato
Grosso na década de 90: Política Educacional; Currículo; Educação para todos;
Legislação Educacional, Gestão Educacional.
Os temas foram distribuídos em capítulos sucintos o suficiente para não
deixar perder sua objetividade. Valorizei as descrições dos documentos,
procurando sempre pinçar fatos importantíssimos que foram pensados enquanto
política educacional, para aquele momento histórico, com a preocupação de
aproveitar o máximo os subsídios ali exposto, furto de ideologias, utopias
perspectivas de pensadores que acreditaram numa educação melhor para todos deste
estado.
Não preocupei com a questão política partidária, considerando que a intenção
deste artigo é contar um pouco sobre Política Pública para o Ensino Médio de
Mato Grosso na visão governamental de um período rico de perspectivas de mudança
na educação brasileira, para isso, necessariamente teria que fazer a leitura,
estudo e análise dos documentos produzidos pelo governo, sejam eles de partido a
ou b.
Escrever a história da educação de Mato Grosso é um imenso prazer, ao fazer
essa viagem penetrei nas entranhas das questões educacionais desse período que
disponibilizou referenciais teóricos, conceituais e intenções da época, sendo
proposituras que devem constar nos anis do ensino médio e que precisam ser
disponibilizados.
Assim, surgiu este artigo, com assuntos de interesse de leitores que são
afinados com os temas sobre educação, que não podia ser denso e nem muito
resumido, sendo que a intenção primeira foi de preservar a história do ensino
médio de Mato Grosso no período em que precisávamos implantar a reforma de uma
política educacional prescrita pelo os governamentais, intenções estas descritas
nos documentos.
I - A educação dos anos 90 no contexto
nacional
Diante dos problemas que a educação vivenciou nessa década, momento em que
solicitava renovação, houve necessidade de rever, e com urgência, a prática da
escola enquanto instituição publica, tinha que ser preparada para ser para
todos, porém sua história deixava registro de uma educação, cuja estrutura e
trajetória, estavam sedimentadas em teorias, práticas, concepções superadas pelo
novo modelo de sociedade que estava surgindo. As mudanças no mundo estavam tão
céleres e a educação estagnada. A sociedade ansiava por mudanças, ou seja, a
educação tinha que redimensionar sua trajetória enquanto escola pública, antes
para as elites, para alguns, agora para todos.
Enquanto isso na década de 90 a UNESCO discutia a educação mundial como um
problema de governo, ou seja, nacional, dessa discussão surgiu o documento que
serviu de referencia para que as nações pudessem traçar suas políticas
educacionais como forma de garantir recursos para desenvolver ações necessárias
para resolver os problemas da educação básica.
Estávamos saturados, não suportávamos mais escolas públicas que não
respondiam às necessidades da sociedade e do mercado de trabalho, com sede de
informação e conhecimento, a escolarização apresentava elevados índices de
abandono, reprovação e repetência.
Demorou o reconhecimento de que a escola publica deve ser para todos. Por
isso, as portas das escolas precisam ficar escancaradas, ou melhor, para todos
independente de idade escolar.
O que fazer com tamanha responsabilidade?
O governo precisava adequar à educação existente às novas perspectivas de
mudança que ferviam em diversas nações. No Brasil não foi diferente, eram
assustadores nossos índices da educação, retratavam a cruel realidade
educacional, a escolarização da educação básica era baixíssima.
Precisava revirar tudo o que estava posto em termos de
educação, ensino e aprendizagem, o governo tinha pressa em implantar as mudanças
demandadas nas discussões internacionais da UNESCO, dentre elas estava a de
traçar políticas publicas que pudessem garantir a realização das ações
importantes para a educação para todos.
As ações emergiam ao mesmo tempo, parecia não haver
tempo hábil para implantar todas as ações necessárias, além de ter que lidar com
as mudanças na estrutura organizacional da educação, tinha também, que
reformular as antigas e defasadas legislações, melhorar as estruturas físicas
das redes de ensino, reorganização o currículo da educação básica e o sistema
nacional de ensino.
Os países precisavam constituir suas políticas
educacionais respaldadas em projetos com planejamento, objetivos, estratégias,
metas, destinar recursos e também reformular o seu aparato legal, tudo isso
tinha sido levantado nas discussões sobre a educação para todos que a UESCO
estava liderando.
Como forma de programar as mudanças sugeridas
pela UNESCO, o Brasil teve que rever seus antigos referenciais legais sobre
educação, colocaram em discussão os pressupostos educacionais por intelectuais,
teóricos e cientistas para elaborar uma proposta que pudesse ajustar a educação
brasileira na perspectiva do que se discutia internacionalmente, uma educação
para todos, ou seja, pública. Daí surge a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional/LDB/96.
A LDB é hoje o documento de referência legal da educação brasileira, nela
estão os direitos, deveres e diretrizes do sistema de ensino, consigo abriga
consideráveis avanços tais como: universalização da educação básica, melhoria a
qualidade da educação, valorização dos profissionais da educação como foco na
formação continuada do professor, remuneração, relação de respeito e confiança;
garantias de aproveitamento dos cursos de formação continuada, gestão
democrática, garantia de recursos financeiros para a educação, e outros.
II – A Educação de Mato Grosso: uma proposta de
política pública.
Mato Grosso começa a discutir a
educação existente nessa década em aproximadamente no ano de 1995, com as
discussões nacionais sobre as mudanças da educação, o estado estava questionando
a educação que vinham oferecendo à sociedade, percebíamos visivelmente que havia
um descompasso com o mercado de trabalho e com a vida dos adolescentes e jovens
que estavam estudando o antigo segundo grau, que hoje chamamos de ensino médio.
Foi ai que o Governo do Estado apresentou à sociedade de Mato Grosso a
“Proposta de Política Educacional” com o objetivo de ampliar o debate e obtenção
de sugestões, visando à construção de uma Escola Publica democrática e de
qualidade[2]. Esse documento surgiu a partir dos princípios e diretrizes
políticas do “Plano de Metas de Governo”.
A Proposta de Política Educacional do estado assumiu compromisso de buscar
alianças para que juntos pudessem desenvolver as proposituras, por muitos
considerados utópicas, mas que o governo, naquele momento assumia a
responsabilidade de conduzi-las à realização.
Assim, o governo delineou ações estruturadoras das transformações desejadas e
descritas no documento, tais como:
1. Reorganizar o Sistema de Educação do Estado, colocando como foco
referencial de suas ações a unidade escolar, promovendo para tanto:
a) a diminuição da estrutura material e humana do escritório de gerenciamento
central do sistema;
b) a desativação das instâncias de intermediação educacional nas regiões
(Superintendências Regionais de Educação);
c) a ativação de uma linha direta de ação cooperativa com os municípios
visando à racionalização das atividades administrativas e a otimização do
esforço pedagógico que deverá caracterizar-se como marco de intervenções das
diretrizes políticas no sistema;
d) a implantação de um modelo de gestão que deve contemplar a administração
democrática, com diretores eleitos, a existência de conselhos para o
assessoramento e sustentação comunitária da prática, a garantia de repasse
sistemático de recursos financeiros para o custeio e manutenção de pesquisas e
possibilite a integração das singularidades, abrindo o veio da criatividade e da
identidade regional;
e) a construção gradativa da plena autonomia das unidades escolares;
f) a atualização do conceito de currículo, ativando-o no cotidiano do
processo de ensino - aprendizagem;
g) a modernização da prática pedagógica, garantindo a diversidade de multi -
meios e a estruturação de pólos regionais de apoio educacional numa prática
integrada com a Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT;
h) o monitoramento estatístico da relação entre a demanda real, verificada e
o universo de cobertura da rede, identificando as eventuais causas do déficit ou
ociosidade no atendimento e orientando a política de expansão do sistema;
i) a instituição, em parceria com os municípios e a sociedade civil
organizada, um programa de garantia de permanência do aluno na escola;
j) o estabelecimento de um padrão mínimo de funcionamento das escolas que
tenha por paradigma as condições humanas, materiais e físicas;
2 - Promover política de profissionalização docente que estabeleça uma
relação madura de responsabilidade e de direito, assegurando:
a) a instalação de um programa de qualificação global que convoque as
universidades à elaboração de um programa permanente e de longo prazo visando à
eliminação do déficit formativo até o ano de 2014;
b) a revisão e proposição de um novo Estatuto do Magistério e do Plano de
Carreiras e Salário;
c) a elaboração de uma política salarial que aponte o resgate da profissão
docente.
3 - Instituir um programa de avaliação institucional, interno e externo, que
subsidie as necessidades de intervenções e eventuais redimensionamentos de
gestão, o acompanhamento permanente da execução da política educacional e
instrumentalize a prestação de contas sistemáticas à sociedade[3].
A educação daquele período precisava possibilitar a
integração e a cooperação geral de modo a possibilitar a criação de melhores
condições para que as mudanças na escola, previstas na política educacional
pudessem acontecer exigia uma nova qualidade de ensino que foi assumida pelo
governo, que deveria:
a) rever o papel da escola, de modo a
entendê-la como espaço privilegiado de trabalho com as características culturais
da comunidade escolar, como local de reflexão, estudo e construção conjunta do
conhecimento e valorizá-la como espaço de participação;
b) rever a relação
educador/educando;
c) rever a concepção de conhecimento de
forma: compreendê-lo enquanto um processo dinâmico, que pode ser
recriado, reinventado; percebê-lo enquanto resultado das relações que o homem
estabelece com o mundo e consigo mesmo, com vistas à instrumentalização para a
ação e transformação da realidade; lidar com a pluralidade do conhecimento,
superando as noções de “verdades absolutas” ou de “certo ou errado” e com sua
relatividade que se constrói com outros homens, marcadas pelo contexto histórico
e social.
d) rever a dimensão dos conteúdos na
aprendizagem escolar de modo a: repensar a relação entre os conteúdos e
a realidade, formando claro que a seleção dos mesmos deve ser sempre objeto de
reflexão dos educados; estabelecer relações entre o saber dos alunos e os
conteúdos que se pretende que sejam apropriados, sendo para isso fundamental a
participação da comunidade no processo da gestão escolar, bem como a
investigação da comunidade pela escola; entender a natureza interdisciplinar do
conhecimento;
e) Superar o autoritarismo, o desrespeito e o
preconceito que ainda marcam as relações da escola;
f) Rever o conceito de currículo, de modo a: entendê-lo
como algo dinâmico que requer permanente reelaborará ou reorientação; percebê-lo
na perspectiva de gestão democrática como uma construção em processo, portanto,
diretamente relacionada ao coletivo da escola através do planejamento
participativo; entendê-lo de forma ampla, englobando todas as ações e relações
envolvidas no processo ensino-aprendizagem.
g) Formação de Educadores: habilitar
professores leigos do ensino fundamental; criar em parceria com o Governo
Federal, um Centro de Formação do Magistério que além de habilitação, desenvolva
pesquisa na área da educação; formando permanentemente em serviço os educadores
de todo o Estado, tendo como referencial o princípio ação-reflexão, o respeito
às experiências e a identidade dos profissionais e a consideração das
especificidades regionais a partir do incentivo ás mais variadas
experiências;
h) Estatuto do Magistério e Jornada de Trabalho
i) Valorização profissional dos educadores.
Na política educacional do estado já havia uma
preocupação em garantir a formação dos educadores, numa relação entre a escola
que trabalham e o conhecimento, transformando a formação numa perspectiva
permanente. E ainda, devendo ser pensada como instrumento de reflexão e de
transformação da prática. Devendo ser assegurada em serviço tendo como base as
experiências dos educadores.
Quanto ao currículo escolar o foco estava direcionado ao
tratamento dos conteúdos considerando os objetivos, as estratégias do ensino
fundamental, etapa esta, que precisava rever sua finalidade enquanto formação
básica, com necessidade de adquiri conhecimentos e habilidades cognitivas e
sociais básicas; o desenvolvimento de habilidades e valores que permitam ao
conjunto da sociedade incorporar-se forma produtiva aos instrumentos da
racionalidade tecnológica; a compreensão ampla de ideias e valores,
indispensáveis ao exercício da cidadania moderna.
Cabe destacar que essas preocupações com os conteúdos
foram direcionados á valorização das diversificados e específicos, como educação
ambiental, prevenção no uso das drogas, conteúdos voltados para a realidade
sócio-cultural permeando os conteúdos básicos na perspectiva de uma prática
transdisciplinar.
Além das questões curriculares e de conteúdos que
precisavam programar havia outra preocupação de fundamental importância para a
vida da escola, a gestão democrática, a autonomia e sistematização de
planejamento.
O planejamento nas escolas precisava também passar por
sérias transformações, na sua articulação com os órgãos estaduais e municipais,
deveria partir das escolas e ser construído por todos os segmentos representados
no Conselho Escolar e por ele aprovado.
O Plano Escolar, também chamado de planejamento da
escola, tinha que percorrer outro caminho, devendo partir da escola via órgãos
competentes e não o inverso, como ocorreu por muito tempo, prática que precisava
ser revista por negarmos as imposições advindas do órgão central.
A partir daí, estava aberta a participação para todos e
de todos os atores da escola, nascia naquele momento à possibilidade de uma
organização escolar democrática, descentralizada, autônoma em suas decisões
pedagógicas, com perspectivas para a construção de sua identidade institucional
e com capacidade de interagir com o meio social em seu entorno.
Como a Constituição Federal de 1988 garante a Gestão
democrática do Ensino Público à política assegurava a criação de canais para a
participação dos diversos segmentos da escola que fazem a educação publica do
Mato Grosso, sem deixar de preocupar com a qualidade da educação.
Surge ai a necessidade de criar um sistema de ensino com
gestão democrática e para isso havia necessidade de instituir uma organização de
forma colegiada de administração escolar, os chamados “Conselho de Escola”. Aos
Conselhos de Escola cabe o papel de gerir as escolas e definir as ações
necessárias para que a escola atenda a demanda por educação.
Outro mecanismo de participação democrática sugeridos
para serem criados nos Estado e Município são os Fóruns, cuja finalidade é de
articular com o governo federal, formas de organização que contribuíssem com a
qualidade da educação. Os fóruns deveriam reunir representantes de diferentes
entidades educacionais, publica privada e também as organizações sociais.
Enquanto Política Educacional para o Estado de Mato
Grosso podemos dizer o estado estava assumindo o compromisso de renovar a
educação na perspectiva de colocar no documento os pressupostos emanados pela
UNESCO nos aspectos das garantias e de firmar com a sociedade a responsabilidade
de tirar do papel o que foi discutido com a comunidade escolar, uma educação
para todos.
Referência
Secretaria de Estado de Educação,
Política Educacional para o Ensino Médio de Mato Grosso: Uma Proposta,
Cuiabá, Fevereiro de 1995.
________________________________________________,
Educação Básica de Mato Grosso, Linhas Políticas do Ensino Médio, A
construção de uma identidade, 2002, Seduc/MT.
________________________________________________,
Política Pedagógica do Ensino Médio Público Estadual - uma síntese -
2002, Seduc/MT.
Estamos construindo a Escola Democrática e de
Qualidade que a sociedade precisa e deseja. Dante de Oliveira.
Educação, revista (falta rever esta referência)
[1]Citação do documento “Política Educacional para o Ensino Médio: Uma
Proposta, p. 10
[2] Política Educacional para o Estado de Mato Grosso/1995
[3] Política Educacional de Mato Grosso – 1995, p.
15-17