quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A “Colaboração Premiada” E Algumas De Suas Implicações No Processo Penal Pátrio


Autor: Valber Melo e Filipe Maia Broeto Nunes

Embora atualmente tenha tomado dimensões mais amplas, o instituto da deleção/colaboração premiada não é tão novo como muitos pensam. Em matéria legislativa, ele já era existente desde a antiguidade, cite-se, por exemplo, seu ápice quando do surgimento das Ordenações Filipinas, em 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830.

Contudo, não tão distante, é possível destacar que tal instituto passou a ter previsão expressa em leiainda em 1990, com o advento da “conhecida” Lei dos Crimes Hediondos – 8.072/90.

Acontece, entretanto, que o legislador não dera à delação, noutras épocas, o mesmo tratamento de hoje – leia-se: “prêmios”. Isso, indubitavelmente, foi fator preponderante para anonimato do instituto, que veio a público, por assim dizer, com a edição da Lei 12.850/13 – Lei das Organizações Criminosas.

Nesse sentido, com ressalvas, é claro, a atual lei de Organizações Criminosas é, sem dúvida, a que melhor disciplinou esse tão “famoso” meio de obtenção de prova, que é a colaboração premiada – sim, a delação não é prova. Porém, não obstante seu maior regramento, inúmeros problemas advieram com sua implementação. Destarte, tendo em vista as inovações premiais implementadas graças às modificações legislativas, muitas discussões têm sido feitas, tanto no âmbito doutrinário quanto nos tribunais.

Pois bem, feitas essas breves considerações, em apertada síntese, dentre muitas celeumas geradas na doutrina, far-se-ão, de modo bastante breve, algumas ponderações referentes a certos pontos específicos previstos no novel diploma.

Rapidamente, no que tange especificamente ao “acordo” – tema polêmico, visto as proporções que pode tomar –,pode-se afirmar ser ele um verdadeiro negócio jurídico processual. Isto porque a própria Lei nº 12.850/13 expressamente se refere a um “acordo de colaboração” e às “negociações” para a sua formalização, a serem realizadas “entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor” (art. 4º, § 6º), a confirmar que se trata de um negócio jurídico processual.

Percebe-se, pois, que o juiz não pode, sob pena de quebra do sistema acusatório e consequente nulidade do pacto, participar das negociações (art. 4°, §6°).

Esse acordo, é bom destacar, tem gerado inúmeras discussões de grande densidade na seara jurídica, visto que nele se decidirão os prêmios ofertados ao colaborador. Entrementes, em virtude da amplitude do tema, não serão todas as controvérsias, por óbvio, objeto de análise desse pequeno texto.

Nesse sentido, consoante o art. 4°, caput, da Lei 12.850/13, o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder: (a) o perdão judicial, (b) reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade, (c) ou substituí-la por restritiva de direitos (ainda que não tenha preenchido os requisitos do art. 44, do CP) daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha alguns resultados previstos dos incisos I a V do referido diploma normativo.

Com efeito, não são somente esses os benefícios. É possível, outrossim, caso o colaborador seja o primeiro a “falar” e não desempenhe o papel de liderança na organização, até mesmo o não oferecimento da denúncia. Pode-se, ainda, flexibilizar a escolha do regime inicial de cumprimento de pena, bem como possibilitar a progressão para o regime menos severo, ainda que os requisitos objetivos não tenham sido preenchidos – isso já em fase de execução.

Portanto, com base no esposado, algumas assertivas podem ser formuladas, a saber:
a) Como negócio jurídico processual, que é, o magistrado não intervirá, salvo para aferir questões de legalidade e voluntariedade do agente colaborador;
b) Cabe às partes, MP e Colaborador, negociar o acordo. Afinal, não há um “acordo” de uma só manifestação de vontade. Se isso acontecer, ter-se-á verdadeira imposição de vontade, que deve(ria) gera(r), por consequência, a nulidade do pacto.
c) Na negociação, em síntese, poderá haver:
c.1) diminuição de pena de um a dois terços;
c.2) substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;
c.3) perdão judicial como causa extintiva da punibilidade;
c.4) sobrestamento do prazo para o oferecimento da denúncia ou suspensão do processo, com a consequente suspensão da prescrição; e, por fim,
c.5) não oferecimento da denúncia.


Em poucas palavras, esse é o quadro atual das possibilidades e inovações introduzidas com o advento da Lei 12.850/13. Todavia, há de se destacar que a lei, quando entra em vigor, deve observar o ordenamento jurídico posto (Constituição Federal, princípios norteadores do direito penal, do direito processual penal, enfim). Vale dizer, se assim não for, ter-se-á, ao invés de ordenamento jurídico, uma desordem jurídica, porquanto uma lei permite o que a outra proíbe. Em síntese, vira “bagunça”.

Pois bem, evidente que, pela proposta do texto e pela riqueza do tema, não se trará, aqui, a solução para todas as celeumas, o que, ao que se nota, demorará bastante a acontecer, haja vista os antagônicos sentimentos de “ódio e amor” que o instituto desperta.

Contudo, importantes, conquanto sucintas, ponderações serão traçadas doravante, a fim de esposar – embora evidentes – algumas incongruências que, de arrasto, vieram com a lei.

Confiram-se:

a) Ora, o Ministério Público não detém o jus puniendi estatal, vale dizer, não é ele detentor de uma pretensão punitiva, mas, sim, de uma pretensão acusatória (Aury Lopes Jr.). Logo, como podem MP e colaborador escolher qual benefício será aplicado, e tal trato vincular o juiz?
b) Pode-se, entretanto, refutando o argumento supra, argumentar no sentido de que o acordo não vincula o magistrado. Neste caso, porém, pergunta-se: e como fica o colaborador? É um acordo ou uma aposta? Se não se sabe o que virá ao final, pode ser qualquer coisa, menos acordo!
c) Ora, se o processo é regido pelo princípio da necessidade – nulla poena sine judicio –, como compreender que alguém, criminoso confesso, sequer responda a um processo penal, porquanto sua denúncia não foi ofertada? E o princípio da obrigatoriedade da ação penal, nestes casos, como fica?
d) Ainda, como pode, por exemplo, um réu “colaborador”, condenado a 15 anos, cumprir sua pena em regime de prisão domiciliar (vide Operação Lava jato), enquanto aquele que furtou um celular ou uma bicicleta, sentenciado a uma pena bem inferior, pagará por seu ato em regime semiaberto ou fechado, a depender da situação?


Perceba, portanto, que, ao invés de respostas, trazem-se perguntas, haja vista a complexidade do tema, bem como o impacto que gera em todo sistema jurídico pátrio.
Ademais, esclareça-se que, conquanto festejada, a colaboração premiada é uma TEI – Técnica Especial de Investigação– ou, como preferiu o legislador, um Meio De Obtenção De Prova. Não pode, destarte, ser ela vista como a panacéia de todos os males.

Nesse contexto, os órgãos estatais incumbidos da persecução penal devem, munidos de várias outras ferramentas disponíveis no ordenamento –embora tenha se tornado comum, não existe só a “Colaboração Premiada” –,cumprir com seus misteres, seja de investigar – Policias Federal e Civil –, seja acusar – Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal. Quem deve ter destaque na persecução, evidencia-se, é o Estado, e não o criminoso “colaborador”, que, quer queira quer não, é uma fonte impura, um agente delituoso que é premiado para (e por) acusar.

Em arremate, conclui-se que, em hipótese alguma, se pode admitir a privatização do Direito Penal, relegando-se ao “criminoso colaborador” o poder de “escolher”, a seu alvedrio, quem será investigado e, por consequência, responderá a um processo penal. Isto porque o titular da ação penal, rememore-se, ao invés do “Colaborador”, é o Ministério Público.

Valber Melo, Advogado; Doutorando em Direito pela Universidade Museo Social Argentino; Professor licenciado de Direito Processual Penal e Direito Penal; Especialista em Direito Penal e Processual Penal, Ciencias Criminais e Direito Público, Membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT; Conselheiro Estadual da OAB/MT.

Filipe Maia Broeto Nunes, Acadêmico de Direito da Universidade de Cuiabá - UNIC; Estagiário no Escritório Valber Melo Advogados Associados.

MT - AL monta programa para debater com municípios de Mato Grosso nova forma de ensino



Da Reportagem Local - Ronaldo Pacheco

Professor Sérgio Cintra, coordenador do projeto, afirma que professor do futuro será mero indutor do conhecimento

Os avanços tecnológicos das últimas décadas chegaram com maior rapidez às diferentes camadas da sociedade do que à sala de aula, em especial no ensino público de Mato Grosso e do Brasil. Os professores, em sua esmagadora maioria, mantêm o velho estilo de repassador do conhecimento, enquanto os estudantes de hoje estão cada vez mais ávidos por novidades e, não raras vezes, aplicam “saias justas” nos mestres.

É a partir dessa constatação que o Núcleo Social da Assembléia Legislativa de Mato Grosso lançou o Programa “A Modernidade Líquida e a Educação”, coordenado pelo professor Sérgio Cintra – profissional com mais de três décadas de sala de aula, ministrando diferentes disciplinas. A ideia é envolver os municípios, no debate.

“A parceria da Assembléia Legislativa com as prefeituras é para provocar reflexão e fomentar o debate, não existe pretensão de trazer qualquer verdade absoluta. A educação prussiana, onde a escola é um aparelho ideológico do Estado, praticamente ruiu”, argumentou ele, em entrevista à reportagem do Olhar Direto.

“Porque o professor de hoje vive estressado? A tecnologia mudou a posição do professor, que foi formado pela sociedade sólida e relações duradouras, detentor do conhecimento. No mundo líquido, tudo é amorfo, é instantâneo”, pontuou Cintra, que ajudou fundar vários cursinhos pré-vestibular (hoje pré-Enem), em Mato Grosso, inclusive o Cuiabá Vest, extinto em 2014.


Para elaborar o programa, Sérgio Cintra estudou vários pensadores contemporâneos, como Nick Couldry, Edgar Morin e Zygmunt Bauman, entre outros. “No chamado mundo liquido tudo é instantâneo, porque o que importa é o agora e o conhecimento não para sempre”, citou o educador.

Partindo dessa premissa, Cintra considera o essencial que o professor do século 21 aprenda logo: ser, conhecer, fazer e viver juntos. “O aluno consegue fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo, como ouvir som, estudar e responder ao whatsapp. É por isso que Nick Couldry diz que a impossibilidade [do cidadão comum] em ser ouvido trouxe a ditadura do capital. E dita costumes, hábitos, alterando o jeito de vestir. Só existe democracia quando todas as vozes podem se manifestar”, ensina o coordenador do Núcleo Social da Assembléia.

Desta forma, o pensamento dominante para o trabalho a ser desenvolvido com os municípios tem como alicerce ensinamentos do nonagenário Zygmunt Bauman. “É quem melhor faz a transição do estágio sólido para a  modernidade líquida: tudo que é sagrado deve ser profanado; nada permanece estático”, dispara Sérgio Cintra.

“Na nova educação, o professor não é detentor do conhecimento e, sim, viabilizador do conhecimento. Indutor do estímulo à reflexão da inteligência. A sociedade descartável exige isso. O professor vai mostrar ao aluno que, entre as milhares de informações existentes [ao alcance de um clic], qual a melhor referência científica e a mais confiável”, sintetizou o educador.

“A tecnologia acabou com a relação de pólo ativo e pólo passivo, em sala de aula. O professor terá de ser eficaz para demonstrar noções de cidadania e capaz de resolver problemas de relacionamento e em conviver com o diferente. Assim a modernidade estará sempre presente em todo o processo educacional. Com proveito substancial para todos”, completou o coordenador do Núcleo Social do Poder Legislativo.  

As prefeituras que tiverem interesse em receber o Programa “A Modernidade Líquida e a Educação” devem entrar em contato com Núcleo Social da Assembleia (065) 3313-6915. E vão aprender que todos os dias são jogados fora toneladas de conhecimento para dar lugar a novas informações, por causa do conhecimento volátil.