Depois de estudar Psicologia e Arqueologia, Beatriz Kuhn fez formação psicanalítica na Sociedade Brasileira
de Psicanálise do Rio
e pertence à IPA (International Psychoanalytical Association). Quando sobra tempo, pode ser também
militante política, como aconteceu em 2004: no auge da violência carioca,
fundou o Movimento “BASTA!” de repercussão nacional. Bia Kuhn, instalada na Lagoa, está entre aquelas que vivem de consultório
lotado. Foi convidada aqui para dar dicas que podem contribuir para que você
tenha uma boa cabeça. (beatrizkuhn@terra.com.br).
1
A ética se constrói
Aquele que foi capaz
de transformar a moral em ética… O moralista não tem uma cabeça boa; menos
ainda um sujeito amoral ou imoral. A ética se constrói de dentro pra fora, a
partir da percepção do outro, da empatia que nos coloca no lugar dele e nos
impede de lhe fazer mal. É solida. A moral é imposta de fora pra dentro, goela
abaixo, e é sustentada pelo temor à penalidade.
2
Rir de si próprio
Muitos pontos para
aquele que se tornou capaz de rir de si próprio e das vicissitudes da vida.
Temos aqui os dois pontos mais indicativos da evolução de uma pessoa ou de um
grupo cultural: ética e senso de humor.
3
O outro não é um objeto
Ser capaz de perceber
que o outro é um sujeito (pessoa), e não um objeto de uso pessoal. Parece
simples e banal, mas não é: trata-se de uma aquisição psíquica.
4
Imaginar o que sente
Empatia. Uma vez
percebida a existência de uma pessoa no outro, ser capaz de colocar-se em seu
lugar e imaginar o que sente.
5
Aceitar as diferenças
Tolerância à
alteridade. Não é possível ter-se uma cabeça boa, sem saber lidar e aceitar as
inevitáveis diferenças entre o eu e o outro.
6
Duas doses de ceticismo
Quanto mais primitivo
for o sujeito ou o grupo cultural, mais estará mergulhado em crendices e magia.
Pessoas e sociedades evoluídas encaram mais de frente e com menos ilusão o
desamparo e a impotência humana. Vide o Haiti…
7
Idealizações moderadas
Na paralela das
crendices do mundo mágico, encontramos as idealizações. Poucas coisas
contribuem tanto para a infelicidade da alma como o excesso de idealizações.
Nem nada e nem ninguém são satisfatórios quando comparados a essas
idealizações, a começar pela própria pessoa.
8
Inveja e gratidão
Ter feito o percurso
que leva da inveja à gratidão. O que subsidia a inveja é a idealização da vida
do próximo. É aquele cara que acredita no que vê na revista “Caras” e acha que
só a vida dele é que é “Bundas”. Quanto mais a pessoa é capaz de perceber que
estamos todos no mesmo barco, que Deus não deu asas a cobras, mais e mais se
torna capaz de reconhecer e valorizar seus ganhos e, por fim, agradecer por
eles.
9
Solidão é para felino
Autonomia e
independência, para conjugar no singular, toda vez que se faz necessário ao
longo do percurso. A autossuficiência não é para nossa espécie, que é gregária.
Solidão é coisa para felino – leopardo é que curte viver sempre sozinho.
10
Bom é aqui e agora
Resumindo: cabeça boa
tem aquele sujeito que deixou de ser patológico e tornou-se um “pato lógico”. O
que é isso? É aquele cara que abandonou as falsas esperanças, as grandes
pretensões e desistiu de choramingar suas mazelas, porque a lógica se sobrepôs
ao medo e lhe fez ver que bom é aqui e agora, mesmo que imperfeito e
insatisfatório; depois, só piora… Como é “lógico”, sabe que seu destino
inexorável é tornar-se um “magret de canard” (peito do pato).