segunda-feira, 24 de junho de 2013

Semeando a educação do futuro

Um ranking da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), coloca a Educação brasileira na 88ª posição entre 127 países

Fonte: Revista Gestão Educacional


O crescimento econômico do Brasil nos últimos anos permitiu que o país chegasse a ser a sexta maior economia do planeta em 2011. Mesmo perdendo o posto para o Reino Unido no ano passado, os brasileiros deverão reassumir a colocação nos próximos anos. Na área de Educação, o cenário não é tão motivador.

Um ranking da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), coloca a educação brasileira na 88ª posição, entre 127 países. A vontade de mudar esse panorama esbarra em má gestão pública, escolas com infraestruturas inadequadas, desmotivação dos professores e alunos e falta de participação das famílias. No entanto, há uma série de iniciativas que provam que o esforço conjunto pode resultar numa educação de primeira. A fim de debater a questão com mais profundidade, a Gestão Educacional dá início à série “Por uma Educação de futuro”, que visa investigar e apresentar quais são os maiores entraves da educação brasileira e, principalmente, mostrar um caminho viável para a (tão necessária) transformação.

De fato, o caminho é longo e nem sempre os resultados podem ser observados de imediato. O relatório De Olho nas Metas 2012, organizado pelo movimento Todos pela Educação, mostra que 3,7 milhões de brasileiros com idades entre 4 e 17 anos estão fora da escola. Para se ter ideia da dimensão desse dado, é como se a população inteira do Uruguai não tivesse frequentado a escola. Essas informações foram coletadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Para alcançar essas crianças e esses adolescentes, o projeto do novo Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação no Congresso Nacional, tem como um das dez diretrizes a universalização do atendimento escolar a essa faixa etária. A proposta aprovada pela Câmara e enviada ao Senado coloca como meta para 2020 o investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação. Até 2010, segundo dados do Ministério da Educação, 4,3% do PIB era destinado para a educação básica e outros 0,8% para o ensino superior.

Mesmo sem esse PNE estar em vigor, governos municipais, estaduais e federal têm lançado ações a fim de garantir que as crianças sejam alfabetizadas até os oito anos de idade e que todos os alunos tenham o aprendizado adequado ao seu ano. Programas que permitem o envio de recursos diretamente para o gestor escolar, a aquisição de materiais didáticos de qualidade e a disponibilização de recursos tecnológicos para professores e alunos estão espalhados por todo Brasil e mostram o esforço do poder público em oferecer uma educação de qualidade.
Gestão
Para a pedagoga e conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul, Marisa Serrano, não basta apenas fazer repasses vultosos para a rede pública de ensino, mas a forma como esse dinheiro está sendo aplicado também precisa ser considerada. "É crucial que as dimensões da eficiência, eficácia e efetividade sejam verificadas. Assim, é importante avaliar se as políticas públicas estão produzindo os resultados esperados, a um preço compatível, e se a comunidade está satisfeita com os serviços que lhe são prestados", frisou ela no relatório De Olho nas Metas 2012.

Para isso ocorrer, é preciso haver integração da comunidade escolar. É o que acontece no Centro de Ensino Médio Setor Leste, de Brasília (DF). Quem vê o desempenho dos estudantes nos vestibulares, a excelente estrutura e a realização de mais de 20 projetos pedagógicos anualmente não consegue imaginar a crise que a instituição passou antes de 2008. Com escândalos de desvio de dinheiro por parte de diretores, patrimônio depredado e desânimo do corpo docente, a escola figurou entre uma das mais inseguras do Distrito Federal, chegando a precisar da atuação policial para evitar brigas entre membros de gangues.

“Há cinco anos, quando assumimos a direção da escola, assumimos também o compromisso de estabelecer um clima de confiança e respeito humano. Somos uma equipe e tudo o que conquistamos é fruto de muito trabalho”, explica a diretora Ana Lucia Marques. Regras para os estudantes, metas para os professores e apoio financeiro mudaram a cara da escola e recuperaram a imagem da instituição que hoje é vista como referência na região. “Começamos a focar nas questões pedagógicas, a contar com o apoio das famílias e a pensar em atividades interdisciplinares. Para resolver a questão da violência, contamos com o apoio do Conselho Tutelar e do Batalhão Escolar”, lembra a diretora.

Aos poucos, as regras mudaram até o perfil da escola. “Os alunos que queriam estudar foram ficando e vendo que tinham espaço para crescer. Os estudantes de excelência foram chegando e pedindo vaga para estudar aqui. Hoje temos até problemas para receber novos alunos, porque não há vagas”, conta Ana Lucia.
A administração financeira centrada nos estudantes também permite a manutenção de uma grande estrutura.

Com 1.400 alunos em 37 turmas, a escola conta com salas amplas, espaços de convivência adequados, biblioteca, sala de informática e auditório equipados, piscinas aquecidas, duas quadras poliesportivas, ginásio com equipamentos de ginástica e sala de musculação. Além dos recursos da Secretaria de Educação do Distrito Federal, o centro recebe verba do Ministério da Educação, por meio do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), que permitiu a compra de equipamentos tecnológicos para as aulas, inclusive de uma lousa interativa, e a realização de projetos de pesquisa. “Cada centavo que entra na escola é revertido em benefício do aluno, mantendo todos motivados: alunos, professores, funcionários, gestores e familiares”, destaca Ana Lúcia.

Ensino

Nos últimos anos, uma série de projetos de lei tem sugerido a reformulação do currículo escolar, com a inclusão de novas disciplinas e temas a serem abordados em sala de aula. Num tempo em que o acesso à internet passou a ser indispensável, a escola também precisa se adaptar à nova realidade e repensar a forma de ensinar. “Essa é uma tendência irreversível e é mesmo importante a escola estar pronta para se aproximar dessa realidade”, salienta a diretora executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.

No entanto, ela alerta que distribuir tablets e permitir o acesso a livros digitais não significa necessariamente ter uma escola digital. “É preciso ter boa implementação com professores capacitados para preparar uma aula diferente, bem como dispor de espaços adequados para essas atividades. Uma política isolada não vai dar resultado”, ressalta. Nesse ponto, a professora do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), Andréa Rosana Fetzner, concorda. Para ela, um sistema de ensino totalmente reformulado que muda a didática de ensino-aprendizagem é viável e necessário.

Mas ela destaca que a figura do professor continua tendo papel fundamental na escola, mesmo quando eles atuam como facilitadores. “Os professores são responsáveis por provocar os estudantes a desejarem aprender e pela organização das atividades escolares, mesmo quando essa organização seja compartilhada com os estudantes (o que é um tanto melhor)”, diz. “Uma forma equivocada de entender os professores como ‘facilitadores’ é diminuir o seu papel de professor, pensar que apenas as tecnologias dão conta da formação do estudante, ou que a educação básica é para estudantes que já chegam às escolas ‘disponíveis’ para aprender. Os estudantes precisam ser provocados a aprender”, complementa Andréa.

Segundo ela, o estudante sempre será o protagonista do processo educacional. “Não há como oferecer um ensino de qualidade sem que o estudante seja o protagonista, mas ele precisa ser mobilizado para o desejo de aprender, o que também requer um conjunto de medidas de organização estrutural da educação (não apenas formação de professores)”, ressalta.

De toda forma, o processo educacional terá mais sucesso se contar com o apoio dos pais e responsáveis pelos alunos. “Os estudantes e as famílias precisam saber quais são as propostas educacionais oferecidas hoje e construir com a escola a proposta mais significativa para a comunidade”, considera. Uma forma de colocar isso em prática é repensar os encontros família-escola. “Reuniões em horários possíveis de serem frequentadas pelos pais, agradáveis e com discussões relevantes (na visão da comunidade) é importante também. O cuidado para bem receber as famílias, ouvi-las, aproveitar o que é dito, demonstrar o que de bom os estudantes fazem na escola também é fundamental. Nada mais chato e ‘espantador’ do que reuniões onde só o diretor fala, os professores criticam negativamente os estudantes e os pais são chamados ‘a atenção”, destaca Andréa, que também é organizadora do livro Como romper as maneiras tradicionais de ensinar? Reflexões didático-metodológicas, da Wak Editora.

Na Escola Estadual Tomé Francisco da Silva, em Quixabá, no Sertão de Pernambuco, as reuniões tornaram-se mais produtivas e atraem quase a totalidade dos pais de alunos. “Desenvolvemos um sentimento de trabalho coletivo. Os pais são corresponsáveis pela educação dos alunos e fazemos questão de tê-los por perto”, conta o diretor Ivan José Nunes, que atua há 14 anos à frente da instituição. A integração família-escola é tão forte que a instituição hoje é vista como patrimônio da comunidade. “Percebemos que o aluno tem orgulho de estudar aqui e que se sentem motivados a terem um objetivo de vida”, frisa.

Docentes

Figura fundamental do processo ensino-aprendizagem, o professor no geral precisa ser valorizado e motivado. E isso vai muito além de reajuste salarial; tem a ver com a satisfação profissional de um formador de opinião capaz de contribuir para a melhoria da vida dos estudantes. De acordo com o psicopedagogo Júlio Furtado, a maioria dos professores, de fato, gosta do que faz, mas encontra-se num estado geral de cansaço e falta de horizontes.

Nas palestras que profere pelo País, ele tem ouvido depoimentos muito semelhantes. Ele relata existir “deserção silenciosa da profissão docente, identificada pelos índices de falta, atraso e pela adoção de posturas ‘suicidas’, como dar aula para quem quer, dar nota para ter poucos alunos em recuperação, e torcer por greves para ‘descansar um pouco”.

A valorização do professor é um dos caminhos para a mudança. Além de um salário melhor, ele aponta o apoio ao trabalho, à formação continuada, ao compromisso com o projeto da escola e até mesmo à estrutura de supervisão como elementos fundamentais na construção dessa motivação. “Os resultados são fruto da crença no fato de que podem fazer a diferença no futuro das crianças e dos jovens. Essa crença constrói comprometimento com a causa e, quando esse comprometimento encontra ressonância na estrutura em que ele atua, está montado o ciclo da motivação. O professor que vivencia esse ciclo motiva-se continuamente por intermédio da autossatisfação que alimenta o sentido de sua vida”, comenta o psicopedagogo.

O escritor e palestrante Wolmer Ricardo Tavares, que também é mestre em Educação e Sociedade, explica que para haver professores motivados é preciso mudar a cara da rede pública de ensino. “Nas escolas públicas, é grande a falta de disciplina, falta de recursos (diversos), falta de reconhecimento, descaso com o educador, educação permissiva, em que o aluno pode tudo e nada pode deixá-lo constrangido, há excesso de infantilização do aluno, há uma ‘pedagogia do empurrão’ e uma inversão de valores entre aluno e professor”, relata. E isso também afasta estudantes de cursos de licenciatura e Pedagogia.

Segundo ele, cabe aos gestores trabalharem essa motivação na escola. “Lembrando-se de que motivação é de ordem interna. Cabe ao diretor ser o incentivador, ser o gatilho que acionará a motivação tão esperada para que alcancemos uma educação de qualidade. Falta termos bons gestores, principalmente na rede pública”, ressalta.

No livro Escola não é depósito de crianças, ele conta a experiência da Escola Municipal Jair Noronha, localizada em Conselheiro Lafaiete (MG). “É um bom exemplo de gestão, de profissionais dedicados, de famílias comprometidas com a educação. Era uma escola estigmatizada. Era vista como escola ‘castigo’, tanto para os educadores quanto para os educandos e hoje ela é uma referência na região”, conta. O esforço conjunto recuperou a motivação de professores e alunos e tornou a escola um ambiente adequado para a educação de qualidade

Nenhum comentário:

Postar um comentário