"Nunca teremos Educação de qualidade sem tempo integral"
Fonte: Zero Hora (RS)
É no nono andar do prédio do Ministério da Educação (MEC) que o ministro Aloizio Mercadante despacha, mas ultimamente tem sido visto com frequência no Palácio do Planalto, em reuniões com a presidente Dilma Rousseff. É figura constante também nas viagens presidenciais. Sua projeção junto ao staff de Dilma é recente. No começo do governo, Mercadante ocupava o ministério da Ciência e Tecnologia, mas à frente da pasta colocou em pé o programa Ciência sem Fronteiras, hoje uma das joias do governo. É Mercadante quem vem costurando os apoios à reeleição de Dilma, sendo responsável direto pelo retorno do PR e do PTB ao governo.
Embora seja a articulação política que o seduza, Mercante mantém um estilo Professoral quando o assunto é Educação. Municiado de dados – brinca que a presidente gosta de números com nove casas depois da vírgula –, mantém ao lado de seu gabinete um totem com um programa com todas as informações do ministério. A situação de uma Creche no Interior do país está ao alcance de um clique no mouse.
Apesar da desenvoltura, é a discrição que tem feito o ministro galgar degraus no coração da presidente. Hoje, comenta-se, que é o único com coragem de discordar de Dilma, mas jamais em público. É essa lealdade que o projeta como o futuro ministro da Casa Civil na próxima reforma. Mas, até lá, toca o ministério com a ajuda do gaúcho José Henrique Paim, o secretário-executivo, a quem não cansa de elogiar.
Antes de embarcar com Dilma para um périplo por Portugal e Uruguai, recebeu Zero Hora para uma conversa que durou uma hora. Era um dia tenso de mais uma das coletivas sobre dados do Enem. A fórmula para acalmar o ministro, contudo, a secretária do MEC já descobriu – todos os dias, no final da tarde, ela serve chá de maracujá com gergelim. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Zero Hora – O governo pretendia concluir um plano para o Ensino médio ainda no início de junho. Qual é a perspectiva de lançá-lo?
Aloizio Mercadante – Estamos trabalhando fortemente com secretários estaduais e municipais para concluir no máximo em julho. O Ensino médio é a maior dificuldade que temos na Educação brasileira. É onde o Índice de Desenvolvimento da Educação básica (Ideb) mostra certa estagnação. Temos cerca de 8,5 milhões no Ensino médio. E nos últimos 15 anos trouxemos cerca de 5 milhões de estudantes a mais. A inclusão é fantástica, mas há ainda 3,5 milhões de jovens de 15 a 17 anos que estão com a idade/série defasada, não estão no Ensino médio como deveriam estar. Então o pacto que estamos fazendo com os secretários é: não deixar nenhum jovem para trás. Temos que buscar quem está fora da Escola.
ZH – Qual é o gatilho para que o jovem não deixe a Escola?
Mercadante – Em 2000, 54,9% dos jovens estavam atrasados. Hoje, 31,1%. Evoluímos bastante, e continuamos com uma curva descendente. O abandono também está ligado à relação idade/série. Ele está estudando, aí começa a constituir família, a competir no mercado de trabalho, acaba abandonando a Escola. Então, uma das opções que estamos oferecendo aos Estados é o telecurso. É um modelo consagrado que ajuda a atingir esse público.
ZH – Como está o programa de inclusão digital nas Escolas?
Mercadante – Precisamos oferecer ferramentas para fortalecer as redes estaduais, onde estão 88% dos Alunos do Ensino médio. Por exemplo, 600 mil Professores de Ensino médio estão recebendo tablets com material didático em PDF, aulas em vídeo, mais de 2 mil objetos pedagógicos, como mapas, tabela periódica, corpo humano... Incluem as aulas traduzidas do Professor Khan (O Professor Salman Khan, que se tornou popular entre estudantes e Educadores após divulgar na internet seu método). Teremos também projetores digitais em todas as salas de aula. É um ambiente de internet em sala de aula com conteúdo digital embarcado.
ZH – Certa vez, o senhor disse que tínhamos quadros negros do século 18, Professores do século 20 e estudantes do século 21. Segue assim?
Mercadante – Os Alunos são digitais e a geração de Docentes, em geral, é analógica. A gente está começando pelo Professor porque nada acontece em sala de aula sem o Professor. À medida que o Professor liderar o processo de inclusão digital, os resultados vão ser melhores. No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, já entregamos 2.608 projetores digitais e 22.591 tablets.
ZH – O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa trabalha com uma meta de ensinar a ler e escrever até os oito anos. Não é muito tempo?
Mercadante – É de até oito anos. Porque nós vivemos em um país muito heterogêneo. Se você pegar os dados de Paraná e Santa Catarina, em que 5% das crianças não sabem ler até os oito anos de idade, e dizer que esses Estados vão reduzir para sete, seis anos de idade, é bastante razoável. Só que você tem de comparar isso com Estados como Alagoas, em que 35% das crianças não conseguem aprender a ler e escrever até os oito anos na Escola. Maranhão, 34%, Pará, 32%. A média é 15%, mas a diferença é muito grande entre o Sul e o Norte. Se nós conseguirmos que todas as crianças aprendam a ler e a escrever no Brasil até os oito anos, teremos feito uma revolução. O Pacto envolve uma bolsa de estudos para os 360 mil Professores alfabetizadores, tem 15 mil monitores. Temos 38 universidades trabalhando neste programa e todo material pedagógico Docente e para as crianças integrado para as três primeiras séries. É o programa em que nos baseamos para o Ensino médio.
ZH – O que está sendo feito para valorizar os Professores?
Mercadante – Nosso primeiro foco será dentro do próprio Ensino médio. Há uma grande defasagem de Professores de matemática, química e física. Vamos fazer o programa Quero Ser Cientista, Quero Ser Professor. Neste ano, serão 75 mil bolsas para iniciação Docente. Dessas, 10 mil são para física, química, biologia e matemática. Nessas áreas de exatas, estamos com menos de 3% das matrículas no Ensino Superior. Esse público é o foco no Ensino médio. Temos 2 mil Alunos medalha de ouro em matemática. Só que eles receberiam uma bolsa apenas ao ingressar na universidade. Agora vamos dar bolsa já no Ensino médio. O segundo foco é o redesenho curricular.
ZH – Diminui o número de disciplinas?
Mercadante – Temos que sair desse currículo enciclopédico no Ensino médio. São de 13 a 19 disciplinas em quatro horas e meia de aula. A nossa proposta é articular as disciplinas em torno das quatro áreas do Enem: matemática, linguagem, ciências exatas e ciências humanas. Se o Aluno está interessado no Enem, vamos usá-lo para dialogar com o currículo. Isso e aumentar a jornada Escolar em, no mínimo, cinco horas. Nunca teremos Educação de qualidade se não tivermos tempo integral.
ZH – Os Estados conseguirão pagar os Professores com essa carga horária?
Mercadante – A ideia é complementarmos o recurso para o Ensino em tempo integral. No RS, já temos em 1.021 Escolas estaduais e 857 do município. Sobre o piso, é uma exigência indispensável para que se possa melhorar a Educação. O MEC reconhece que é um esforço pesado para os Estados e municípios, porque os reajustes vêm crescendo além das receitas. O caminho é enviar ao Congresso uma proposta de mudança no cálculo do piso, e votarmos neste ano. Ainda não temos estrutura para o Ensino integral no Brasil. Para dar qualidade, carreira e salários dignos para Professores, precisamos de mais recursos. E eu só vejo um caminho: os royalties do petróleo.
ZH – É possível mensurar o impacto dos royalties na Educação?
Mercadante – A exploração por 30, 35 anos apenas do Campo de Libra, que o governo colocou em licitação, terá um impacto de mais ou menos US$ 1 trilhão na economia brasileira. Qualquer que seja a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a partilha desse recurso, para frente tem muita coisa para ver. Pelo menos para os próximos 10 anos, vamos desenhar um objetivo estratégico de mudar a natureza do desenvolvimento brasileiro. Já somos a sexta economia do mundo, mas nunca seremos desenvolvidos se não resolvermos a Educação. Segundo: o petróleo vai acabar. Precisamos criar um Brasil pós-petróleo. Nada mais lógico do que usar esse recurso para preparar o Brasil para a sociedade do conhecimento.
ZH – Por que o senhor acha que algumas universidades ainda não usam o Enem? A UFRGS,por exemplo.
Mercadante – É uma universidade excelente. As grandes já aderiram. Nós estamos aguardando. Cada faculdade gasta R$ 5 milhões para fazer um vestibular próprio. Qual é a diferença entre vestibular e Enem?
Isonomia. Quem tem dinheiro pode pagar cinco, 10 taxas, pegar avião e sair fazendo vestibular pelo Brasil. Outra diferença: hoje o Aluno pega a nota dele (no Enem), senta no computador e vai ter 4 mil cursos no Brasil para escolher, pelo Sisu. Se ele não entrou numa federal, vai ter 1,2 milhão de bolsas do ProUni, 905 mil contratos do Fies. Fora o Ciência sem Fronteiras, que ele só vai ingressar se fizer o Enem. E tomamos uma decisão: nenhum estudante mais será enviado a Portugal. A segunda língua será parte do aprendizado.
ZH – Existe algum país em cujo modelo de Educação o Brasil se espelha?
Mercadante – Há diversos países com Educação de excelência. A Finlândia, por exemplo, é uma referência, mas é um país pequeno. A Coreia do Sul também é um país pequeno. As boas práticas a gente sabe onde estão e dialogamos com elas. Há vantagens de nós sermos um país de capitalismo tardio. Tudo aqui acontece mais tarde, mas acontece mais rápido, porque a gente aprende com os erros dos outros. Exemplo: aumentamos em 150% o número de vagas de Ensino Superior. Chegamos a 7 milhões. Mas sabe quantos querem entrar? Outros 7,18 milhões só de inscritos no Enem. Quantos ingressam? Apenas 1,1 milhão. São 6 milhões que não vão entrar.
ZH – E como promover a pesquisa?
Mercadante – O Ciência sem Fronteiras vai dar um salto com a parceria com grandes universidades. E como a crise na Zona do Euro é grande, há muitos talentos dispostos a vir para o Brasil. Nós temos de criar estruturas para receber esses pesquisadores, que hoje estão engessadas. Foram 20 anos de uma diáspora de cérebros. Seremos um ímã de atração.
ZH – Como fica o MEC se o senhor for candidato ao governo de São Paulo ou for para a Casa Civil, como se comenta?
Mercadante – Não existe nenhuma chance de eu ser candidato nessa eleição. O partido foi avisado. O presidente Lula foi avisado. Eu falei que faria o que fosse melhor para a presidenta Dilma e o melhor é eu continuar no governo. É o que ela acha e é o que eu farei. Acho que não tem nada mais honroso do que ser ministro da Educação de um país. É o maior desafio que nós temos, é o que eu estou fazendo. Agora, se eu vou ocupar alguma outra função no governo, não adianta perguntar para mim. Vocês perguntem para a presidenta Dilma que eu tenho certeza que ela vai contar (risos).
DEFASAGEM NO Ensino médio
Em 2011, foram reprovados 13,1% dos Alunos de Ensino médio no Brasil, e outros 9,5% abandonaram a Escola. O 1º ano do EM registrou a maior proporção de reprovações, com 18%.
FALTA DE Professores
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) constatou que 48% dos acadêmicos de Matemática e 52% dos estudantes de Física da instituição não desejavam ou tinham dúvidas sobre seguir a carreira de Professor.
PISO
Alguns Estados, incluindo o RS, discordam do indexador usado para calcular o reajuste anual do piso, que hoje está em R$ 1.567
VERBAS PARA A Educação
Projeto de lei enviado ao Congresso pela presidente Dilma Rousseff que destina 100% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social extraído da camada pré-sal para o financiamento da Educação foi incorporado ao texto do Plano Nacional da Educação (PNE) – que prevê aplicação, até 2020, de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na Educação.
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