Entrevista com TERESA COLOMER
“Cada sociedade cria o tipo de comunicação de que
necessita”, afirma a professora Teresa Colomer, da Universidade Autônoma de
Barcelona, na Espanha. Nada mais natural, portanto, que hoje existam novas
formas de escrever, como o chamado “internetês”, com seus símbolos, ícones e
abreviações. Nesse cenário, qual é o papel da escola no momento de ensinar as
crianças a escrever? “A sociedade atual exige saber escrever. As crianças
percebem isso o tempo todo. Portanto, a motivação é mais clara, o que se torna
uma vantagem. Porém, é preciso formá-las para que consigam movimentar-se em todo
tipo de situações comunicativas”, explica a educadora. Teresa Colomer é formada
em Filologia Hispânica e Filologia Catalã e doutora em Ciências da Educação. É
professora de Didática da Língua e da Literatura na Universidade Autônoma de
Barcelona, onde dirige a equipe de pesquisa GRETEL (www.literatura.gretel.cat).
“No momento, estamos desenvolvendo um projeto de pesquisa, financiado pelo
Ministério da Educação, sobre a literatura infantil e juvenil digital”, conta
ela. “Interessa-nos analisar as características dessas novas obras ficcionais,
observar o que ocorre quando se incluem essas obras (e seus dispositivos) no
contexto de uma biblioteca de classe, como as crianças a leem, se o formato
afeta a leitura e a compreensão das obras, como os docentes usam as novas
tecnologias para o ensino da literatura e que aspectos deveriam ser introduzidos
na formação inicial e continuada dos professores”.
Na entrevista a seguir, Teresa Colomer fala sobre a escrita dos nativos digitais e como ensinar a escrever nessa nova cultura.
Na entrevista a seguir, Teresa Colomer fala sobre a escrita dos nativos digitais e como ensinar a escrever nessa nova cultura.
Como a produção textual dos alunos tem mudado nas
últimas décadas?
Se falarmos da escola, a produção escrita dos alunos sempre foi muito influenciada pela tradição educacional de cada país. Há lugares, como a França, em que se deu bastante atenção a essa atividade, enquanto em outros, como a Espanha, por exemplo, não houve uma programação clara de progresso na escrita ao longo das etapas educativas. Na década de 1980, difundiram-se na escola novas práticas mais livres de produção textual. As propostas de Gianni Rodari, por exemplo, foram amplamente acolhidas na escola primária, as oficinas literárias estenderam-se ao ensino secundário e as ideias de Paulo Freire marcaram o acesso à alfabetização de adultos. Em pouco tempo, a pesquisa sobre a escrita mostrou a complexidade dessa aprendizagem e introduziu algumas novas práticas, centradas em planejamento do texto, uso de rascunhos, diferentes tipos de finalidades ou características dos textos produzidos, revisão, etc. Contudo, não parece que esses avanços tenham resultado em programações e rotinas escolares suficientemente difundidas, de modo que, depois de uma década muito centrada na preocupação com a leitura, talvez a escrita esteja voltando a chamar a atenção dos docentes.
O que mudou na relação entre leitura e escrita hoje?
As práticas sociais de leitura e escrita cada vez mais fundem os dois tipos de competências. A informação e a criação fundem códigos (escritos, de imagem, audiovisuais, etc.); a recepção e a produção mesclam seus tempos, antes claramente delimitados. Lemos e escrevemos alternadamente em uma mesma situação, diante do computador, nas redes sociais e nos fóruns sobre leituras. Já se disse que, com as novas tecnologias, lemos mais do que nunca, mas poderíamos dizer, com mais razão ainda, que escrevemos mais do que nunca. As pessoas converteram-se em emissários de todo tipo de mensagens e reivindicam participação na elaboração de textos informativos em enciclopédias, como a Wikipédia, em recriações literárias de suas leituras na rede. Em geral, trata-se de práticas rápidas e fragmentadas. Tanto a leitura quanto a escrita extensa, concentrada, de construção do conhecimento, parecem menos favorecidas pelas novas mídias. Por ora, não parece que suas vantagens para o pensamento humano sejam superadas pelas novas formas de atuar, de modo que, até que se demonstre o contrário, a escola deverá atender a esse tipo de produção textual mais reflexivo.
Existe um intenso uso da escrita na comunicação via internet e dispositivos móveis, a ponto de se estarem criando novas escritas, características dessa linguagem, chamada por alguns de “internetês”. Além disso, por se estar escrevendo e publicando mais nos meios virtuais, fica mais fácil de perceber os erros de escrita. Como a senhora analisa esse fenômeno?
Cada sociedade cria o tipo de comunicação de que necessita. Esse tipo de mensagens cumpre sua função nesse momento. São novas funções ou absorção de outras anteriores. Não há nada a objetar sobre escrever de forma contraída em dispositivos móveis, por exemplo, pois esse é o tipo de escrita mais funcional ali. Outra coisa seria transpor esse tipo de escrita a outras situações em que não são funcionais. Ninguém poderia escrever eficazmente uma coluna de opinião, um artigo ou um romance desse modo. Como destaca a pergunta, a escola também tem aqui algumas vantagens para o seu ensino. Se os textos serão publicados, é preciso respeitar as convenções pertinentes em cada tipo de texto. Não é preciso ensinar a apocopar, mas a clareza, a ortografia, a correção e adequação dos textos são essenciais para sua eficácia comunicativa quando serão lidos por outras pessoas através dos meios virtuais. As crianças podem estar dispostas a se empenhar nisso. E também já surgiram novas demandas: a ética, a educação, o respeito à autoria dos textos na internet carecem da tradição de normas, e é preciso construí-las gradualmente. Nisso a escola tem uma nova tarefa educativa.
O “internetês” é positivo por estar fazendo as pessoas, especialmente crianças e jovens, escreverem mais, ou atrapalha a aprendizagem da escrita?
A sociedade atual exige saber escrever. As crianças percebem isso o tempo todo. Assim, a motivação é mais clara, o que se torna uma vantagem. Porém, é preciso formá-las para que consigam movimentar-se em todo tipo de situações comunicativas. Dominar a linguagem continua sendo o aspecto mais valioso na educação, pois é o que nos permite dominar mentalmente nosso entorno, nossa vida. Sem isso, ficamos à mercê do discurso do poder (político, das mídias, da administração, do consumo, etc.), que vai configurar nossas opiniões, nossos sentimentos e nossa conduta.
Uma forma de escrita é utilizada para se comunicar nas redes sociais e outra é utilizada nos jornais, nos livros e na escola. Como os alunos convivem com essas diferentes escritas e compreendem em que contextos usá-las?
Nossa sociedade é muito mais complexa do que antes. As situações de leitura e escrita são múltiplas e diversas. As crianças percebem isso, e a escola deve adequar seu ensino a essa realidade. Não extensamente, porque não vamos aumentar as horas escolares ou os anos de infância, mas sim pensando naquelas aprendizagens que serão utilizadas depois no maior número de situações de produção. Se as crianças aprendem que é importante colocar-se no lugar do receptor para avaliar se seu texto está bom, se dá para entender (ou se há inferências impossíveis, argumentos fracos ou equivocados que não convencerão, falta de recursos estéticos que produzam o impacto desejado, etc.), então essa competência servirá para todas as suas produções.
Considerando as transformações que a escola e a sociedade vêm sofrendo, como podemos preparar os alunos para serem bons produtores de texto?
Isso não é algo separado das demais aprendizagens escolares, embora, como todas as outras, tenha uma programação própria de conteúdos. Em princípio, valem os critérios gerais de qualquer aprendizagem ou especificamente do acesso ao texto: ter aulas em que se leia e se escreva regularmente, compartilhar a produção com os outros, estabelecer momentos de escrita mais livre e outros de escrita mais guiada, diversificar as funções dos textos, oferecer modelos claros, apoiar as crianças para que tenham êxito no que foi proposto e reforcem sua autoestima, propiciar que o sentido do texto prevaleça sobre os aspectos formais e mostrar como se pode melhorar um texto.
A família também exerce um papel importante no desenvolvimento da produção textual dos alunos?
A família exerce um papel importante em todas as aprendizagens. Há maneiras de associar as famílias a elas, mas sempre cuidando para que não se converta em uma agressão às suas próprias carências. Muitas famílias não sabem escrever bem e podem sentir-se incomodadas frente a determinados requisitos escolares. Assim, é preciso pensar sempre em atividades que sejam apropriadas e que levem em conta as possibilidades de cada contexto.
Na escola contemporânea, é possível ensinar crianças e jovens a serem bons produtores de texto sem utilizar as tecnologias digitais?
Sem dúvida, porque há muitas escolas que não têm recursos, e é preciso pensar uma formação que prepare as competências necessárias para que as crianças possam aplicá-las mais tarde em contextos em que se deparem com o texto digital. Se a escola puder ter acesso a isso, com certeza será muito melhor, já que poderá aproveitar os recursos que a tecnologia digital oferece e atuar de modo mais condizente com as práticas sociais. Porém, isso não pode se converter no centro das aspirações escolares. Há muitas escolas repletas de computadores que os subutilizam ou que ficam ligadas a eles sem saber colocá-los a serviço das aprendizagens fundamentais. A formação dos docentes é prioritária no que tange à dotação de aparelhos.
Se falarmos da escola, a produção escrita dos alunos sempre foi muito influenciada pela tradição educacional de cada país. Há lugares, como a França, em que se deu bastante atenção a essa atividade, enquanto em outros, como a Espanha, por exemplo, não houve uma programação clara de progresso na escrita ao longo das etapas educativas. Na década de 1980, difundiram-se na escola novas práticas mais livres de produção textual. As propostas de Gianni Rodari, por exemplo, foram amplamente acolhidas na escola primária, as oficinas literárias estenderam-se ao ensino secundário e as ideias de Paulo Freire marcaram o acesso à alfabetização de adultos. Em pouco tempo, a pesquisa sobre a escrita mostrou a complexidade dessa aprendizagem e introduziu algumas novas práticas, centradas em planejamento do texto, uso de rascunhos, diferentes tipos de finalidades ou características dos textos produzidos, revisão, etc. Contudo, não parece que esses avanços tenham resultado em programações e rotinas escolares suficientemente difundidas, de modo que, depois de uma década muito centrada na preocupação com a leitura, talvez a escrita esteja voltando a chamar a atenção dos docentes.
O que mudou na relação entre leitura e escrita hoje?
As práticas sociais de leitura e escrita cada vez mais fundem os dois tipos de competências. A informação e a criação fundem códigos (escritos, de imagem, audiovisuais, etc.); a recepção e a produção mesclam seus tempos, antes claramente delimitados. Lemos e escrevemos alternadamente em uma mesma situação, diante do computador, nas redes sociais e nos fóruns sobre leituras. Já se disse que, com as novas tecnologias, lemos mais do que nunca, mas poderíamos dizer, com mais razão ainda, que escrevemos mais do que nunca. As pessoas converteram-se em emissários de todo tipo de mensagens e reivindicam participação na elaboração de textos informativos em enciclopédias, como a Wikipédia, em recriações literárias de suas leituras na rede. Em geral, trata-se de práticas rápidas e fragmentadas. Tanto a leitura quanto a escrita extensa, concentrada, de construção do conhecimento, parecem menos favorecidas pelas novas mídias. Por ora, não parece que suas vantagens para o pensamento humano sejam superadas pelas novas formas de atuar, de modo que, até que se demonstre o contrário, a escola deverá atender a esse tipo de produção textual mais reflexivo.
Existe um intenso uso da escrita na comunicação via internet e dispositivos móveis, a ponto de se estarem criando novas escritas, características dessa linguagem, chamada por alguns de “internetês”. Além disso, por se estar escrevendo e publicando mais nos meios virtuais, fica mais fácil de perceber os erros de escrita. Como a senhora analisa esse fenômeno?
Cada sociedade cria o tipo de comunicação de que necessita. Esse tipo de mensagens cumpre sua função nesse momento. São novas funções ou absorção de outras anteriores. Não há nada a objetar sobre escrever de forma contraída em dispositivos móveis, por exemplo, pois esse é o tipo de escrita mais funcional ali. Outra coisa seria transpor esse tipo de escrita a outras situações em que não são funcionais. Ninguém poderia escrever eficazmente uma coluna de opinião, um artigo ou um romance desse modo. Como destaca a pergunta, a escola também tem aqui algumas vantagens para o seu ensino. Se os textos serão publicados, é preciso respeitar as convenções pertinentes em cada tipo de texto. Não é preciso ensinar a apocopar, mas a clareza, a ortografia, a correção e adequação dos textos são essenciais para sua eficácia comunicativa quando serão lidos por outras pessoas através dos meios virtuais. As crianças podem estar dispostas a se empenhar nisso. E também já surgiram novas demandas: a ética, a educação, o respeito à autoria dos textos na internet carecem da tradição de normas, e é preciso construí-las gradualmente. Nisso a escola tem uma nova tarefa educativa.
O “internetês” é positivo por estar fazendo as pessoas, especialmente crianças e jovens, escreverem mais, ou atrapalha a aprendizagem da escrita?
A sociedade atual exige saber escrever. As crianças percebem isso o tempo todo. Assim, a motivação é mais clara, o que se torna uma vantagem. Porém, é preciso formá-las para que consigam movimentar-se em todo tipo de situações comunicativas. Dominar a linguagem continua sendo o aspecto mais valioso na educação, pois é o que nos permite dominar mentalmente nosso entorno, nossa vida. Sem isso, ficamos à mercê do discurso do poder (político, das mídias, da administração, do consumo, etc.), que vai configurar nossas opiniões, nossos sentimentos e nossa conduta.
Uma forma de escrita é utilizada para se comunicar nas redes sociais e outra é utilizada nos jornais, nos livros e na escola. Como os alunos convivem com essas diferentes escritas e compreendem em que contextos usá-las?
Nossa sociedade é muito mais complexa do que antes. As situações de leitura e escrita são múltiplas e diversas. As crianças percebem isso, e a escola deve adequar seu ensino a essa realidade. Não extensamente, porque não vamos aumentar as horas escolares ou os anos de infância, mas sim pensando naquelas aprendizagens que serão utilizadas depois no maior número de situações de produção. Se as crianças aprendem que é importante colocar-se no lugar do receptor para avaliar se seu texto está bom, se dá para entender (ou se há inferências impossíveis, argumentos fracos ou equivocados que não convencerão, falta de recursos estéticos que produzam o impacto desejado, etc.), então essa competência servirá para todas as suas produções.
Considerando as transformações que a escola e a sociedade vêm sofrendo, como podemos preparar os alunos para serem bons produtores de texto?
Isso não é algo separado das demais aprendizagens escolares, embora, como todas as outras, tenha uma programação própria de conteúdos. Em princípio, valem os critérios gerais de qualquer aprendizagem ou especificamente do acesso ao texto: ter aulas em que se leia e se escreva regularmente, compartilhar a produção com os outros, estabelecer momentos de escrita mais livre e outros de escrita mais guiada, diversificar as funções dos textos, oferecer modelos claros, apoiar as crianças para que tenham êxito no que foi proposto e reforcem sua autoestima, propiciar que o sentido do texto prevaleça sobre os aspectos formais e mostrar como se pode melhorar um texto.
A família também exerce um papel importante no desenvolvimento da produção textual dos alunos?
A família exerce um papel importante em todas as aprendizagens. Há maneiras de associar as famílias a elas, mas sempre cuidando para que não se converta em uma agressão às suas próprias carências. Muitas famílias não sabem escrever bem e podem sentir-se incomodadas frente a determinados requisitos escolares. Assim, é preciso pensar sempre em atividades que sejam apropriadas e que levem em conta as possibilidades de cada contexto.
Na escola contemporânea, é possível ensinar crianças e jovens a serem bons produtores de texto sem utilizar as tecnologias digitais?
Sem dúvida, porque há muitas escolas que não têm recursos, e é preciso pensar uma formação que prepare as competências necessárias para que as crianças possam aplicá-las mais tarde em contextos em que se deparem com o texto digital. Se a escola puder ter acesso a isso, com certeza será muito melhor, já que poderá aproveitar os recursos que a tecnologia digital oferece e atuar de modo mais condizente com as práticas sociais. Porém, isso não pode se converter no centro das aspirações escolares. Há muitas escolas repletas de computadores que os subutilizam ou que ficam ligadas a eles sem saber colocá-los a serviço das aprendizagens fundamentais. A formação dos docentes é prioritária no que tange à dotação de aparelhos.
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