Tornar-se motivo de
chacota dos colegas, ouvir apelidos maldosos e ter de lidar com a rejeição são
alguns dos fatores enfrentados por quem sofre 'bullying' - atos de violência
física ou psicológica praticados de forma intencional e repetitivos.
Seja
na infância, adolescência ou mesmo na vida adulta, as palavras vexatórias fazem
parte da rotina de muitas pessoas e, segundo especialistas, podem acarretar em
problemas sérios, como a depressão.
Entre os alvos principais de quem
pratica bullying estão aquelas pessoas que não se encaixam em determinados
padrões estéticos. É o caso da estudante Ana*, de 17 anos, aluna de uma escola
pública tradicional de Cuiabá.
Ela disse sofrer sempre que relembra os
momentos de humilhação que passa na escola, onde cursa o terceiro ano do ensino
médio.
"Desde criança, eu sou
assim e sempre fui chamada de gorda, baleia, entre outros apelidos. Neste ano,
me colocaram o apelido de Peppa Pig [personagem infantil]"
O motivo das
ofensas, de acordo com a adolescente, é por ser considerada gorda pelos colegas.
Segundo ela, o sobrepeso a acompanhou durante toda a vida, assim como as
palavras maldosas dos companheiros de classe.
“Desde criança, eu sou
assim e sempre fui chamada de gorda, baleia, entre outros apelidos. Neste ano,
me colocaram o apelido de Peppa Pig [personagem infantil]”, lembrou.
Em
entrevista ao
MidiaNews, a adolescente
chorou ao comentar sobre o bullying que sofre diariamente por parte dos colegas
de classe e confessou ter baixa autoestima e o emocional fragilizado desde que
passou a ser alvo das palavras de desprezo na escola.
Segundo a jovem,
ela procurou a ajuda dos pais e relatou o tratamento que recebia. Como resposta,
eles a aconselharam a ignorar as ofensas, o que, segundo Ana, não resolveu o
problema.
“A situação só melhorou quando fui procurei a coordenação da
escola, mas ainda assim sofro bullying, pelo mesmo garoto. Ele sempre fala que
vai parar, mas continua fazendo piadinhas”, lamentou.
SexualidadeAlém da aparência, questões referentes
a sexualidade também são motivos para bullying. Desde que assumiu sua
homossexualidade, Lucas*, 17 anos, sofre com os comentários e piadas dos colegas
na escola.
“Desde que entrei na escola, sofro preconceito. Me xingam de
'bichinha' e várias outras coisas que acham que possa me ofender”,
relatou.
Lucas afirmou que, em meio às ofensas, acabou perdendo a
paciência e chegou a agredir um colega de classe.
Ele afirmou, ainda, que
já chegou a ser internado num hospital, após tentar o suicídio em razão dos
apelidos jocosos. Hoje mais forte, ele diz que os xingamentos continuam, porém,
não o incomodam mais.
“Teve uma época em que eu cheguei a cortar os
pulsos porque não aguentava mais os apelidos, mas isso não me incomoda mais. A
minha mãe é homossexual também e sempre me ensinou que isso não é pecado. Ela só
tem medo, diz que é perigoso brigar por causa disso”, afirmou.
A
coordenação da escola, conforme Lucas, é omissa aos casos de bullying e não
costuma resolvê-los.
Também em razão da sua orientação sexual, a
adolescente Juliana*, 17, contou que já foi alvo de bullying na escola por
diversas vezes.
Ela e a namorada costumam andar de mãos dadas pela escola
onde estudam e, conforme relato, sempre são alvos de olhares
preconceituosos.
Nem a coordenação da escola, de acordo com a
adolescente, escapa de ações preconceituosas.
“A
minha namorada me pediu em namoro no pátio da escola e, por causa disso, a
inspetora nos levou para a diretoria. Ela nos disse que a gente estava
desrespeitando a escola”, afirmou.
Juliana contou sofrer com a rejeição
também dentro de casa, onde os pais não aceitam a sua orientação sexual. Segundo
a jovem, eles chegaram a querer tirá-la da instituição, para que ela não pudesse
mais ver a namorada.
“Os meus pais nunca apoiaram o meu namoro, mas
também sofro bullying dos coordenadores da escola. As pessoas são
preconceituosas em todo o lugar. Uma coordenadora me disse uma vez que o mundo
era heterossexual e eu estava errada”, falou.
Apoio é fundamentalConforme a
psicóloga Estelita Rodrigues, o culto à aparência na atualidade fez com que o
bullying se tornasse mais recorrente.
Rodrigues explica que o bullying é
uma atitude social e a busca por um padrão estético ideal acaba fazendo com que
aqueles que não correspondem à expectativa tornem-se motivos para chacotas e
exclusão.
"A estrutura familiar é
muito importante para quem sofre bullying, pois isso evita que a vítima sofra
grandes abalos emocionais. Atualmente, há isolamento social dentro da própria
casa"
“A vida inteira, desde que as pessoas passaram a viver em grupo,
os apelidos existem. Porém, não havia essa supervalorização da aparência.
Atualmente, qualquer coisa que tire do padrão social, tende a ser considerada
ofensa”, disse.
A profissional afirmou que o bullying ultrapassa os muros
da escola, quando os jovens vítimas de tais atos não contam com o apoio dos pais
ou familiares, apontado por ela como fundamental para evitar possíveis
traumas.
“A estrutura familiar é muito importante para quem sofre
bullying, pois isso evita que a vítima sofra grandes abalos emocionais.
Atualmente, há isolamento social dentro da própria casa”,
explicou.
Segundo a psicóloga, o bullying pode ocorrer em outras
situações, como na faculdade ou em ambientes de trabalho, não sendo um problema
exclusivo das escolas.
Durante a vida acadêmica, conforme a especialista,
campanhas devem ser feitas para garantir a boa formação das vítimas, a fim de
que elas não sofram consequências de tais atos de agressão no futuro.
“É
importante que haja a promoção de relacionamentos sadios, a escola deve promover
campanhas de aceitação. Em casa, é importantes os pais reforçarem os laços e
incentivarem a vítima de bullying a se aceitar do modo que é”.
O ambiente
escolar, conforme a psicóloga, deve incentivar os alunos a promover a inclusão
de gêneros, raças e culturas, principalmente na adolescência, que é uma das
fases mais complicadas para a formação pessoal.
“A adolescência é uma
criação social que ocorre no período da puberdade. É uma fase crítica, onde
qualquer arranhão na autoimagem mexe com a pessoa, por isso é fundamental
acompanhamento familiar”, explicou.
Lei anti-bullyingEm 2012, o Governo de
Mato Grosso sancionou a Lei Nº 9.724, sobre prevenção e combate ao bullying. O
documento incentiva as escolas públicas e particulares a desenvolverem projetos
pedagógicos de medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate ao
bullying escolar.
A lei define o bullying como prática de atos de
violência física ou psicológica, de modo intencional e repetitivo, exercida por
indivíduo ou grupos de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de
constranger, intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à
vítima.
O decreto propõe a instituição da “Semana de Combate e Prevenção
ao Assédio Escolar bullying no Estado de Mato Grosso”. O evento deve ser
realizado anualmente, sempre na primeira semana de abril.
Paz na EscolaSegundo a Secretaria
de Estado de Educação (Seduc-MT), além da lei estadual, o Governo conta com o
projeto “Paz na Escola”, desenvolvido pela pasta, que possui o objetivo de
coibir atos de violência no ambiente escolar. De acordo com a coordenadora da
ação, Ana Carolina Costa, o bullying é um dos itens do projeto.
Costa
afirmou que muitas das agressões ocorridas dentro de instituições de ensino são
motivadas pelo bullying.
“Quanto maior a vulnerabilidade, maior a
violência. A maioria dos casos de violência em escola estão ligados a questões
comportamentais ou a problemas familiares”, disse.
*Os nomes dos
adolescentes entrevistados na reportagem foram alterados para que suas
identidades sejam preservadas.