segunda-feira, 1 de março de 2010

Exclusão Não Explicada pelo MEC/ENEM

Iza Aparecida Saliés


Fiquei preocupara ao ver os jovens tensos, nervosos em conseguir uma vaga no bingo da educação brasileira. Aconteceu de tudo nesse evento, problemas na gestão do sistema, previsão de vagas com falhas, falta de definição de critérios claros e concisos, dúvidas na forma de seleção, empate, e por ai vai.

Para não ser muito pessimista, digo que as falhas que surgiram não foram humanas e sim da máquina.

Percebi muita ansiedade por parte do governo em querer imprimir uma nova imagem sobre um velho sistema de avaliação, que por ora, vinha sendo desenvolvido de forma satisfatória, mesmo assim, poderia sofrer inovações gradativas, levando em conta os aspectos do tempo, as condições geográficas do país, a diversidade regional, o acúmulo de inscrições num mesmo sistema (internet) e o elevadíssimo número de estudantes que utilizariam desse mecanismo para ter acesso ao ensino superior.

Não sou contra o ENEM, mas, precisamos ser coerente ao pensar que alterar um sistema de avaliação, já consolidado, para mexer na sua função finalistica, transformar o Enem em vestibular unificado, tudo isso, para acontecer em apenas alguns meses, como foi desejado e realizado, vai causar demandas de busca por direitos, pois para implantar uma reforma na educação precisamos de décadas para que possamos romper arraigas culturas e romper velhos paradigmas parta não causar profundas rachaduras sociais.

Não somos ingênuos em pensar que não haveria sérios problemas estruturais que prejudicaram e futuramente prejudicarão seriamente os alunos. Os alunos da rede particular terão menos dificuldade para ajeitar ao sistema, pois o universo de possibilidades para ele é bem maior enquanto que para os da rede pública, estes, são eternos sofredores das deficiências da gestão educacional brasileira.

No artigo que escrevi “Quem ganha e quem perde com as mudanças no ENEM”? Eu havia previsto que os problemas agravariam à medida que a complexidade do programa fosse exposta, então, no bojo disso tudo, quem sai perdendo nessa é o aluno que preparou o ano inteiro, estudou, sonhou com o curso desejado, além de envolver os familiares na expectativa de cursar o ensino superior.

Parece que agora só paira nuvens negras para os que não conseguiram passar pela nota de corte. Então, nota de corte, novo conceito para o termo “reprovação” conforme denomina o MEC, em nada altera a nossa realidade, apenas expõe uma das vísceras da educação, dentre elas, as excessivas reprovações em todos os níveis e modalidades de ensino.

Na educação brasileira os que estão em melhores condições abocanham as melhores vagas das federais e para os menos favorecidos, os que ficam à mercê das ofertas das políticas social, afirmativas de inclusão, como Sistema de Cota, Prouni, e Fies, para ver se consegue fazer uma graduação, estes precisam lutar, se não for assim, são excluídos da escolarização.

Conforme informações do Ministério sobraram 233 vagas referentes às ações afirmativas, ou seja, o sistema de cotas adotado por cada instituição de ensino independentemente, então, eu faço a seguinte indagação, quer dizer que essas vagas não estavam previstas por esse órgão, ou seja, as vagas referentes às cotas? A reserva de vagas para o sistema de cotas das instituições de ensino superior, públicas e privadas, não foram consideradas pelo programa?

Segundo Maria Dallari/MEC o grande mérito deste sistema é que os alunos podem se inscrever em outros lugares e não precisam esperar mais um ano para entrar na universidade. Tenho cá minhas dúvidas, será que realmente é vantagem inscrever para cursos que não quero fazer e em universidade onde não vou estudar? Por que posso inscrever para qualquer lugar?

Para o Ministério, na fala da representante “Os alunos com a nota mais alta foram ficando, e os demais perceberam que poderiam ter outras escolhas”. Lógico, pois isso caracteriza garantia da vaga para os que estavam fora da nota de corte, enquanto que os outros tinham que rastrear diuturnamente sua posição no bojo do vale dos desesperados, ou seja, dos reprovados para o curso desejado, fazendo opção para qualquer curso de uma universidade federal, mesmo não sendo o desejado de modo a não ficar retido.

Só para descrever uma situação que fiquei sabendo e ocorreu aqui em Cuiabá, a jovem inscreveu para o curso de direito na UFMT, com sua nota estava abaixo da nota de corte, logo a mãe orientou para que ela inscrevesse em outro curso que fosse da área ou que estivesse próximo da área do seu curso desejado, direito, sendo que, o procedimento de inscrição deveria ser feito para UFMT. E assim procedendo, a jovem faria dois cursos, sendo, o curso de filosofia na federal e na particular o curso de direito.

Falando de Cuiabá, a UFMT foi à única instituição federal que aderiu totalmente ao programa utilizando as notas do Enem com vestibular, por isso as inscrições chegaram num total de 56.703 conforme informação do próprio Ministério, por isso está justificada a tamanha corrida pela federal do nosso Estado.

Ainda falando de inscrição, a UFMT teve 23.499 inscrições (dados do Mec) de alunos do Estado e um total de 33.204 de alunos de fora, o que caracteriza que mais de 50% são de fora. O Curso de Medicina teve n. 4.055 inscrições, Direito n.3123 e Psicologia n. 1.566, todos da UFMT, esses números são expressivos.

Então está explicado porque a Federal de Mato Grosso teve o maior número de inscrição do país. Se antanho a concorrência era acirrada, agora então, seria muito pior, como foi. Será que tem algum pobre de outro estado que vem para Cuiabá estudar?

O que vai acontecer? Fazendo uma análise percebo que agora é que os pobres não vão mesmo fazer curso superior nas federais e a burguesia continua linda, poderosa, e deixando o pobre ver a banda passar.

Quer saber? Quem perde com tudo isso é o filho do Senhor José, aquele trabalhador que da um duro danado para formar sua prole, trabalhador que encontra sérias dificuldades para orientar seu filho na internet, nas tarefas, nas leituras. Homem simples, que não tem tempo para ficar vasculhando uma vaga para uma universidade decente para seu filho, mesmo com o acesso á informática pelas instituições que ofereceram à comunidade, ainda assim, seu filho depende totalmente do ENEM, sonha ter um filho formado, esse desejo faz parte do seu projeto de vida, viu sua vontade interrompida por que não dizer, frustrada, por um programa chamado “Exclusão Não Explicada pelo Mec/ENEM”.

Recomendo que vocês aguardem, muitas águas vão rolar por debaixo da ponte, vai acontecer muito baco-baco por ai.

Publicado no Circuito Mato Grosso
09/02/2010 10:17



Um comentário:

  1. Concordo em parte com o conteúdo. Resistência à mudança é algo inerente ao ser humano e, sempre que se resolver mudar alguma coisa, mil formas de resistência naturalmente vão surgir.
    Acho que alguma coisa deveria ser feita com relação ao vestibular que já estava se tornando um exercício de advinhação e não de conhecimento.
    Não sei se seria possível esperar anos por essa mudança. Eu particularmente acho que o necessário foi feito. É hora dos ajustes.
    Corumbá

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