Empreitada de cineastas quer aproximar o mundo escolar das obras cinematográficas
Em mais de dez anos, o casal de cineastas Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi já levou o cinema para mais de 300 cidades - algumas em lugares isolados, muitas sem nenhuma sala de projeção. O projeto, batizado em 2004 de Cine Tela Brasil, cresceu e, há um ano, a faceta educativa virou uma marca.
A primeira ação de 2012, que une sessões de filmes brasileiros, oficinas, bate-papos e workshops para alunos e professores, começou no sábado na cidade paulista de São Roque. Vai até o dia 24.
O formato é inspirador e já está consagrado. Tudo chega em uma carreta. Desse caminhão sai a sala de cinema, para 225 pessoas. As placas luminosas apresentam a programação. Depois as luzes se apagam na sala e os filmes começam. Com o Tela Brasil Educativo, além das três sessões diárias e gratuitas, o local ganha a dimensão de centro cultural.
A missão não é das mais fáceis: aproximar o cinema dos professores e estudantes na era do mundo digital, dos vídeos, da internet e da interdisciplinaridade. Para os organizadores, o cinema - como arte, linguagem e objeto de debate - nunca conseguiu entrar, de fato, nas escolas.
Eles apostam no potencial motivacional do audiovisual, que faz todo sentido quando se procura uma nova forma para deixar a escola mais atraente.
"O mais comum é usar filme nas aulas vagas e isso é péssimo", diz a professora da USP Claudia Mogadouro, coordenadora educativa. "Cinema é arte, é absolutamente transformador. É absurdo que nem esteja nos currículos de artes da educação básica".
Um dos temas dos workshops apresentados ao longo das três semanas que o Tela Brasil Educativo fica em cada cidade é "o uso do cinema na escola". Exatamente para que, dentro da salas de aulas, professores e alunos tenham capacidade de ultrapassar o uso instrumental - e limitador - dos filmes exibidos.
"Posso até aprender geografia ou história com filmes, mas isso vem em decorrência. Não pode só ser ilustração. A ideia do cinema como alteridade é muito boa, como uma forma de se colocar no lugar do outro."
Sua tese de doutorado na USP, finalizada em 2011, tratou da utilização do cinema na educação e de experiências em escolas do interior do Estado. Em um debate, Claudia e Laís Bodanzky se conheceram. E desse contato surgiu o convite.
Ensinar quem ensina. A série de workshops ainda ensina como montar oficinas de cinema e de vídeo na escola. O foco aqui são os professores.
A produção do Tela Brasil chega na cidade em que haverá o evento um mês antes para iniciar o contato nas escolas, convidar professores e divulgar para os alunos - que podem assistir aos filmes e participar das oficinas de cinema (mais informações nesta página).
"Os certificados de participação saem com as assinaturas das secretarias de educação dos municípios, de acordo com a carga horária de participação de cada um", explica Lia Garcia, uma das coordenadoras da produtora Buriti, que está por trás do Cine Tela Brasil.
No sábado, em São Roque, a parte da manhã foi dedicada a um dos workshops e, à tarde, ocorreu o Cine-papo. professores assistiram ao Os Incompreendidos, de François Truffaut, e depois participaram de um debate.
Uma das mais participativas no bate-papo, a professora de artes Amanda Sobral, de 25 anos, gostou da escolha do filme, que ela ainda não tinha visto. "Achei maravilhoso, com aquele final que te deixa em suspensão."
professora em duas escolas de São Roque, uma municipal e outra particular, ela contou que já se arriscou a exibir um filme para seus alunos. "Levei para uma sala de 7.ª série O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (filme de Jean-Pierre Jeunet, lançado em 2002). Tentei falar muito da câmera, das cores, da música. Eles estranharam a linguagem, mas acho que gostaram. A dificuldade foi aproximar o filme dos alunos", diz.
O professor tem o papel mais importante nesse desafio de aproximação, explica Claudia Mogadouro. "Os professores estão muito presos no cotidiano, na grade curricular. Está faltando eles discutirem mais filmes entre eles."
Rodar. Ainda neste ano, o projeto educativo dos cineastas vai ter parada em mais duas cidades do País: Rio de Janeiro e na capital paulista, na região de Campo Limpo (zona sul). As datas ainda não estão definidas.
É possível saber mais detalhes no site www.telabr.com.br, onde também estão disponíveis para download materiais de apoio para trabalhar com filmes nas escolas.
No dia 18 de maio, a tenda do Cine Tela Brasil em São Roque vai exibir três curta-metragens inéditos. Todos estão em fase de produção, realizados por grupos em sua primeira experiência com cinema.
A produção faz parte das oficinas itinerantes, que integram o Cine Tela Brasil, em paralelo com o projeto educativo. A partir de uma seleção que envolve escolas da cidade visitada, 25 são escolhidos.
"O resultado nem chega a ser o mais importante, todo o processo é o que vale mais", explica o cineasta e educador Edu Abad, de 42 anos, um dos coordenadores das oficinas.
As idades dos participantes variam: entre 14 e 30 anos - os mais velhos são chamados como ouvintes. "A missão do projeto é fazer eles entenderem a lógica da narrativa audiovisual para contar uma história."
Com a exibição, a oficina dura 12 dias. No sábado, quando a oficina começou em São Roque, o grupo já colocou a mão na massa. Com câmeras e microfones, produziu um pequeno filme.
O trabalho tem várias etapas, que culminam na escolha de três roteiros que serão desenvolvidos pelo grupo. Tudo é coletivo, desde a definição do texto às funções na execução.
"Hoje o tema do nosso vídeo era a cor azul. Duas meninas estavam com a sapatilha azul, então inventamos uma história em que as sapatilhas tinham poderes", conta a estudante Mariana Cajado, de 16 anos, uma das participantes. "Sempre quis aprender como é fazer essas coisas. Quero trabalhar depois com cinema ou jornalismo."
Fonte: O Estado de S. Paulo 07/05/2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário