terça-feira, 3 de setembro de 2013

“Qualquer um está predisposto a desenvolver a depressão”

Para psiquiatra Zanizor Rodrigues, essência do ser humano é bélica, agressiva e erótica

Isa Sousa/MidiaNews

Zanizor diz que ainda há muito preconceito em relação a doenças consideradas subjetivas






A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que, em 2030, a depressão será o “mal do século” ou o mal mais prevalente do planeta, à frente do câncer e de algumas doenças infeccionas. De acordo com a entidade, atualmente, cerca de 121 milhões de pessoas têm a doença.

Para o médico psiquiatra Zanizor Rodrigues da Silva, 64 anos, não é que a doença se propagará, mas sim que as doenças consideradas “orgânicas” serão melhor tratadas.

“O que nos diferencia hoje é que temos mais acesso à informação e estão buscando mais assistência. Não aumentou e nem vai aumentar a quantidade de doenças mentais”, afirmou.

Formado há 38 anos pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ), professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), ex-servidor do Centro Integrado de Apoio Psicossocial (Ciaps) Adauto Botelho, psiquiatra forense, Zanizor é criterioso ao afirmar que o sistema de trabalho ocidental é opressor e desencadeador dos males da alma.

“A competitividade contribui para depressão, para ansiedade ou para as doenças que a pessoa tem predisposição, como diabetes, hipertensão, lúpus, alergias, doenças de pele”, disse.

Desconsiderando que somos uma sociedade doente, o médico, no entanto, afirmou que a predisposição a doenças que não se vê, mas que muito se sente, pode ocorrer com qualquer ser humano.

Confira os principais trechos da entrevista que Zanizor da Silva concedeu ao MidiaNews:

MidiaNews - Como ser humano, todos temos fraquezas. Entre os males considerados da alma, estão depressão, esquizofrenia, anorexia, bipolaridade, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno do pânico, a busca de drogas e álcool e transtornos de personalidades. Qualquer pessoa pode desenvolver um ou mais desses males?

Zanizor Rodrigues da Silva –
Qualquer um. Como psiquiatra forense, eu não me espanto muito com o que o ser humano faz, as grandes maldades, a violência, alguém esquartejar o outro, mesmo porque essas pessoas não têm uma anteninha, elas são desse planeta. O ser humano é complicado mesmo.

"A essência do ser humano é ser bélico, é ser agressivo e é ser erótico. São os dois deuses trabalhando em conjunto: Eros (personificação do amor) e Tânato (personificação da morte). "
A essência do ser humano é ser bélico, é ser agressivo e é ser erótico. São os dois deuses trabalhando em conjunto: Eros (personificação do amor) e Tânato (personificação da morte). O que nos diferencia hoje é temos mais acesso a informações e estão buscando mais assistência. Não aumentou e nem vai aumentar a quantidade de doenças mentais. Não é como um fumo, onde se existiu uma cultura de fumar e, consequentemente a isso, vem diversas doenças. Não, doença mental vai na mesma toada, na mesma quantidade.

MidiaNews - A OMS declarou, recentemente, que são 121 milhões de pessoas com depressão no mundo. Esse número pode ser considerado alto?

Zanizor –
As estatísticas não são muito exatas e é difícil em termos absolutos, mas a população de depressivos é muito grande sim. Além dela, temos algumas outras estatísticas como: 1% da população mundial é esquizofrênica, 1% tem retardo mental, 1% tem epilepsia, em torno de 2% tem transtorno bipolar e mais ou menos 10% tem transtorno afetivo, outros 30% tem transtornos variados, desde personalidade até afeto. Dependência química também encontra sua percentagem: 5% é dependente de álcool. Ou seja, não há uma estatística tão fidedigna em relação a depressão ou outros transtornos.

MidiaNews - O Brasil é o primeiro no ranking entre os países em desenvolvimento (66% da população já tiveram, ao menos, um sintoma e 18% têm ao longo da vida). O latino é conhecido por ser dramático e ter um perfil “mais aberto” do que o europeu, por exemplo. Por que, então, somos tão depressivos?

Zanizor
– Primeiro, porque somos humanos. Não somos de outro planeta. É natural que nós tenhamos passionalismos em relação à vida. A vida é toda passional. Viver é uma grande superação de tensões, de ansiedades, de estados de todos os teores. É preciso administrar a vida afetiva, financeira, social. Viver é uma grande demanda psíquica e não é muito incomum a depressão. Mas não é porque somos brasileiros, é o ser humano de modo geral. Não há sentimentos diversificados em um alemão e um brasileiro.

MidiaNews - O que pode levar à depressão? Existe uma tendência a ser depressivo?

Zanizor –
É muito genérico falar o que pode levar à depressão. Não se pode dizer que existam grupos que sejam mais depressivos ou populações mais ou menos depressivas. A gente entende que se uma pessoa vive em uma área com mais contato com a natureza, em situações menos fechadas, onde há uma divisão do psiquismo com outros, de alguma forma consegue-se diminuir situações de conflitos. Tente imaginar: alguém que fica fechado, dentro de sua casa, convivendo apenas no núcleo familiar e não sai para nada, tende a ter situações mais depressivas.

Ainda assim, a depressão está relacionada com diversos fatores. Não há uma causa específica. Tem causas que são genéticas, a pessoa tem uma vida absolutamente normal e, devido a genética, desencadeia um quadro depressivo, outras causas são das demandas sociais em que pode estar relacionada com a autoestima e a cultura que ela está inserida, o que faz com que venha a ter depressão. Tem causas que são impessoais e imediatas. Há um somatório de fatos e não há uma única causa. Para ter a doença é quando esses fatores são muito prevalentes e a pessoa não dá conta de superar sozinha.

MidiaNews - Em 2030, a depressão será o mal mais prevalente do planeta, à frente do câncer e de algumas doenças infecciosas, segundo a OMS. O senhor a considera, realmente, o mal do século?

Zanizor –
Evidente que, a partir de um determinado momento em que essas doenças orgânicas vão tendo um processo de resolução, entendimento e controle maior, com a esperança de vida aumentando, sobra, obviamente, a área psíquica. E quais são as doenças? Ansiedade, depressão, transtornos de personalidade, entre outros, que acabam aflorando um pouco mais. Não quer dizer que o número de pessoas psiquicamente doentes vá aumentar, mas irá ser mais diagnosticado que os outros, que vão ter uma resolução mais adequada e rápida.

MidiaNews -Seria apocalíptico, então, afirmar que a depressão será o mal do século?

Zanizor -
Apocalíptico e muito simplório dizer que vá ser a doença do século. A depressão sempre existiu em uma constante.

MidiaNews - A depressão é a quarta principal causa de incapacitação em todo o mundo. Se por um lado vemos diagnósticos precoces, por outro, também vemos que o quadro depressivo nem sempre é levado a sério. Por quê?

Zanizor –
A depressão é totalmente deixada de lado e realmente não é levada a sério. O principal motivo é porque não se entende nada que seja subjetivo. Em realidade, tudo que é subjetivo não tem credibilidade. Eu já tive contato com perito do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) falando que depressão não existe, que não tem como dimensionar e nem medir. De fato, nós trabalhamos com uma área subjetiva, nós temos a história do indivíduo.

"A depressão é totalmente deixada de lado e, realmente, não é levada a sério. O principal motivo é porque não se entende nada que seja subjetivo. Em realidade, tudo que é subjetivo não tem credibilidade. "
Às vezes, um transtorno começa de uma forma muito leve, onde é possível superar, e de repente ele entra em depressão profunda e com ideias suicidas. Como é subjetivo, ninguém leva em consideração, não se entende e é bastante incapacitante como as estatísticas mesmo mostram.

MidiaNews - Dessa forma, qual o prejuízo social, então?

Zanizor -
A partir do momento que não se entende, também não se diagnostica e não se busca tratamento adequado, o que acaba tornando a doença crônica, ou seja, pior. Tudo que se descobre inicialmente é mais fácil de tratamento. Se deixar à mercê da sorte, a doença evolui e pode até terminar em uma consequência muito grave.

MidiaNews – Então, o senhor acredita que somos preconceituosos com os males da alma?

Zanizor –
Completamente. E não só preconceituosos como também incompreensíveis. Não se entende a depressão. O que se entende é o documento, o papel, são os exames. A depressão, assim como outras doenças da alma, é uma área que depende de tempo, pesquisa e avaliação. Embora a própria psiquiatria esteja se aprimorado com testes, elaboração de escalas, estudos com áreas do cérebro que estariam mais influenciadas e ressonâncias específicas.

MidiaNews - O senhor acredita que somos uma sociedade doente e pouco compreendida?

Zanizor –
Não. Nós não somos uma sociedade doente. Somos uma sociedade em desenvolvimento, que é complexa, e com uma demanda cada vez maior. Agora, por exemplo, estamos em plena evolução tecnológica que mal dá para acompanhar e que ainda não temos total conhecimento do que significa e do que será daqui a 20 anos. As coisas acontecem muito rápido. Mas, mesmo assim, a sociedade não adoece por conta disso. Ao contrário, todos os indicadores de saúde mostram que estamos melhores do que estávamos há 20 anos.

Não vamos perder controle sobre nossa questão psíquica ou física. Evidentemente que nós vamos nos adaptar. Só que nós devemos entender que essas questões subjetivas vão ser mais estudadas. A esperança é os males da alma tenham uma explicação mais hábil e mais possível para a população, como o próprio Dráuzio Varela tem feito no Fantástico com a série Males da Alma.

MidiaNews - Existe cura para a depressão?

Zanizo –
Às vezes, tem melhora, em outros casos mais severos há o suicídio. A maior parte dos procedimentos tem assistência e melhoras.

MidiaNews - A imprensa tenta noticiar o menos possível a taxa ou casos de suicídio. Um dos princípios, que funciona quase como um pacto no jornalismo, é que, ao falar do assunto, pode-se corroborar com o aumento da taxa. Como a psiquiatria trata o suicídio ou como ele deve ser tratado, de maneira geral?

Isa Sousa/MidiaNews
Para psiquiatra, o suicídio tem, pelo menos, três interpretações
Zanizor –
O suicídio tem muitas abordagens. Na abordagem médica ele é resultado de um desespero ou estado limite. A pessoa está em uma melancolia profunda, em que não vê solução, e acaba tirando a vida. Nós temos mecanismos de prevenir esse tipo de suicídio, tratando bem precocemente, dando importância as tentativas, que para nós é muito sério e serve como uma luz vermelha. Repito: qualquer tentativa de suicídio, por mais banal que seja, é séria. Nós podemos prevenir, fazendo tratamento, ter acompanhamento psicológico, observando a dinâmica da vida da pessoa.

Existe uma outra abordagem que é a filosófica. Nem todo suicídio é doença. Às vezes é uma resistência à vida. Ao mesmo tempo que eu tenho que pagar imposto, eu tenho que estar cheiroso, tenho que estar amando as pessoas, sou pai, sou provedor, sou profissional e sou diversas outras coisas. Assim, sou preso a essa sociedade e, sendo preso, a única coisa que me resta é essa vida. Então como resistência a essa prisão, eu posso dispor da minha vida e me mato.

Exemplo disso foi o ator Walmor Chagas, que não era depressivamente doente, porém se negou a ter uma velhice indigna e resolveu se suicidar. [O ator se matou em janeiro deste ano com um tiro na cabeça. Walmor, 82 anos, tinha diabetes e hipertensão e não queria depender de familiares e amigos.]

Outra questão é a cultural. Os índios Guaranis de Mato Grosso do Sul, por exemplo, se suicidam e não é nada indigno, amoral ou doloso. Por outro lado, existem os homens bomba do Oriente Médio, em que para eles, se matar é eticamente correto. O suicídio tem abordagens muito distintas e não apenas médica. De qualquer maneira não é fácil falar do tema por suas diversas interpretações.

MidiaNews – Atualmente, as crianças mais travessas têm TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com HiperatividadE) e as pessoas mais “sistemáticas” possuem TOC. Os diagnósticos, às vezes, são dados de forma muito precoce?

"A grande verdade é que hoje esses transtornos estão mais à tona. Antigamente, não se falava de déficit de atenção do modo que se fala hoje, e muito menos do TOC. "
Zanizor –
A grande verdade é que hoje esses transtornos estão mais à tona. Antigamente não se falava de déficit de atenção do modo que se fala hoje e muito menos do TOC. Ambos são transtornos por vezes impeditivos, em que a pessoa não consegue sair de um impasse, é uma situação dramática. A divulgação é positiva no sentido que mais se fala, se comenta e se descobre.

Não é que o diagnóstico é feito de forma precoce, porém tem que ser feito de forma multiprofissional. Isso quer dizer que tem que haver testes, outras abordagens e não apenas uma opinião.

MidiaNews - Os transtornos estão sendo banalizados e mal empregados?

Zanizor –
Toda questão de comportamento é muito banalizada. O ser humano é complexo e têm núcleos que são mais hiperativos, outros mais sistemáticos, tem gente que é minuciosa e, não necessariamente, todos tem patologia. Quando algo começa a incomodar e a pessoa repete as mesmas coisas, vai tomar um banho e demora três horas, se começa a ser de uma hiperatividade em que não consegue reter nada, isso tem que ser diagnosticado e tratado.

MidiaNews - Mas, essa observação começa de onde, de quem tem o problema ou das pessoas que estão em volta, familiares, amigos, escola?

Zanizor –
De maneira geral são os terceiros que vão observar. Tem que ser levado em consideração o convívio social, como aquela criança ou adulto é na escola, com os amigos, com seu grupo social, se o que não tem importância para os demais acaba tendo uma importância muito grande para quem desenvolveu a patologia. São dados importantes.

MidiaNews - Em relação às crianças e  aos adolescentes, os pais são um pouco cegos?

Zanizor –
Os pais estão em uma vida muito corrida atualmente. Eles praticamente abandonaram a educação dos filhos. Nesse sentido, cabe a escola todos os papéis: dar comida, ocupar o espaço livre, substituir família. O que acontece, no entanto, é que nem o de educar a escola dá conta 100% algumas vezes.

MidiaNews - Qual a opinião do senhor em relação ao uso de medicamentos tarja preta de forma contínua. Eles são mocinhos ou vilões?

Zanizor –
São mocinhos. Os medicamentos tarja preta, obviamente, devem ser usados quando há necessidade. Se houve pesquisa, avaliação e indicação, nós usamos. Com critérios, é claro.

MidiaNews - Mas, existe uma banalização dos antidepressivos?

Zanizor –
Sim. Há banalização porque quem receita antidepressivo são médicos, que nem sempre prescrevem de maneira indicada e não são especialistas naquela área. Usa-se às vezes de forma errada e depois temos que consertar. É muito complicado. O que é preciso, é que se busque especialistas. Medicamento deve ser bem indicado.

"Há banalização porque quem receita antidepressivo são médicos, que nem sempre prescrevem de maneira indicada e não são especialistas naquela área"
MidiaNews - Uma vez, ouviu-se falar que a geração que está aí posta não sabe muito bem como realmente crescer e acabasofrendo. Explico: são jovens que têm tudo de “mão beijada” e, quando precisam ir para o mercado de trabalho, percebem que o mundo não é tão fácil como os pais faziam parecer que era. O que esperar desses jovens?

Zanizor –
A vida de hoje é muito mais fácil que era anteriormente. Não tínhamos a tecnologia e qualidade de vida que temos hoje. Óbvio, as demandas que a indústria cultural martela na cabeça deles a indústria do consumo, que é uma verdadeira tortura em relação ao consumismo. O jovem vive nessa demanda, porém, ele se adapta, com o diferencial que estará em uma sociedade menos reprimida.

MidiaNews - Recentemente, uma blogueira, Dai Dornelles, que deixava claro que sofria de anorexia, morreu devido à doença. Mesmo se auto denunciando com o problema, as postagens dela sempre tinham muitas “curtidas”, como se as leitoras achassem bom ser magra. Desde que o mundo existe, os padrões são postos, mas o senhor considera que há um exagero na imposição dos padrões atualmente?

Zanizor –
Lógico. Há uma glamourização terrível que a indústria cultural impõe em termos de modelo de estética. Sempre terá desvios. A questão do uso de “bombas” e testoteronas aumentou, por exemplo. Hoje se nota um padrão de mulheres com coxas gigantes. O problema, no entanto, é quando se espelhar vira obsessão e, passando-se do limite, vira doença.

MidiaNews – Mas, nesse sentido, a internet corrobora?

Zanizor –
Sim, porque é um mecanismo imediato, mas também não significa que irá aumentar mais a quantidade dos desvios de personalidade.

MidiaNews - Segundo a OMS, 2% da população mundial sofrem de transtorno bipolar. A doença, no entanto, às vezes, é confundida ou mudanças de humor já são consideradas bipolaridade. O senhor acredita que há banalização?

Zanizor –
Na verdade, não. Quando alguém fala que fulano é bipolar, tem TDAH ou TOC, prefiro ver pelo lado positivo. Hoje temos muito mais informação que no passado e, a partir do momento que se busca entender ou começar a perceber alguns sintomas, procurar ajuda profissional para verificar se aquilo realmente é uma doença ficou menos difícil. Não acredito que seja negativo.

O transtorno bipolar é muito difícil de ser tratado. Quem convive com a doença ou com pessoas que a têm passam por situações muito dramáticas. A bipolaridade é incapacitante e desestrutura famílias. Ele tem uma parcela genética e grande parte dos pacientes já chega em uma fase bem limítrofe.

Isa Sousa/MidiaNews
Bipolaridade: transtorno causa impeditivos a quem tem e quem convive
Outro problema é que a própria adesão ao tratamento é difícil. Quando se cita a medicina americana, ela fala muito de espectro bipolar. Ou seja, existem pessoas que são ansiosas e têm um pé na bipolaridade, assim como pacientes que têm déficit de atenção ou hiperatividade é também têm um pé na bipolaridade. Ou seja, o transtorno é visto sob uma ótica maior. Quanto mais cedo diagnosticar o quadro, menos difícil poderá ser de tratá-lo.

MidiaNews - Por outro lado, temos o transtorno do pânico que pouco se sabe ou pouco se fala. Ele também é preocupante?

Zanizor -
O transtorno do pânico é muito comum. Qualquer classe social pode ser atingida e se caracteriza por dezenas de sintomas orgânicos, somatizações das mais diversas, que vem subitamente e essa é a principal questão.

O transtorno, no entanto, é fácil de ser diagnosticado. Às vezes você está muito bem e de repente começa a ficar com boca seca, mão gelada, formigamento, o coração dispara, sente falta de ar, tontura, começa a acredita que vai ter um AVC ou um infarto, corre ao médico e não há nada. Outro dia, a mesma coisa. Se não há nada orgânico, certamente é pânico. Tem tratamento, há fórmulas, terapias cognitivas ajudam bastantes e com medicamentos antidepressivos.

MidiaNews - O senhor é psiquiatra forense e uma vez li o senhor comentando sobre psicose em policiais militares, que vivem em um modelo de trabalho, por vezes, opressor. Além deles, quais outras profissões estão na berlinda?

Zanizor –
Hoje, há três profissões que mais constantes e gritantes que vemos nos consultórios e, veja bem, não são necessariamente psicoses e sim transtornos.

Os primeiros são os policiais militares mesmo, que não tem proteção sob o ponto de vista psicológico, não passam muitas vezes por preparo ou reciclagem e vivem em uma área de confronto constante. Neles, por exemplo, vemos uma grande quantidade de alcoólatras, usuários de drogas e quadros psicótico.

Em segundo lugar temos os professores, tão deixados de lado e que também estão sob muita pressão. Além disso, como falamos anteriormente, acabam substituindo os pais ausentes e sofrem pressão de alunos.

Em terceiro lugar estão os bancários. Nesse caso, a principal pressão é porque eles têm que vender dinheiro de qualquer maneira. Existem as metas e, superando-as, outras são impostas.

MidiaNews - Mas, nesse caso, a competitividade ajuda no aparecimento de transtornos, como o que falamos até agora?

"Os serviços públicos são péssimos na área de Saúde Mental e, realmente, houve uma total degradação."
Zanizor –
Lógico que ajuda. Você está sob pressão, tem que cobrir suas metas, pagar contas, cuidar da sua família e, ao mesmo tempo, viver sob uma ameaça constante de demissão, uma vez que não há nenhuma segurança nesse sentido. A competitividade contribui para depressão, para ansiedade ou para as doenças que a pessoa tem pré-disposição, como diabetes, hipertensão, a imunidade pode abaixar e causar lúpus, alergias, doenças de pele, etc.

MidiaNews - Mas, o mercado de trabalho, que é o causador, entende essas doenças?

Zanizor –
Acho que o mercado de trabalho ainda é muito agressivo, muito seletivo, tem que tirar o sangue dos trabalhadores de alguma forma e só os mais aptos, ou seja, os que produzem é que ficam no mercado. Se não der conta, pode sair. E as demandas da vida, como uma separação ou um quadro depressivo, não são aceitas. A não aceitação vem, principalmente, porque se você está doente não produz.

MidiaNews - O senhor disse que trabalhou, durante algum tempo, no Adauto Botelho. Recentemente, o MidiaNews fez uma reportagem sobre o fechamento do Pronto-Atendimento do hospital psiquiátrico porque não havia medicamentos e nem leitos. A psiquiatria pública está abandonada?

Zanizor –
Completamente. Os serviços públicos são péssimos na área de saúde mental e realmente houve uma total degradação. Em relação a assistência de psicóticos, é só fazer um levantamento de quantos psiquiatras estão no serviço de assistência, são pouquíssimos. Primeiro, se a população tem necessidade, ou ela não tem atendimento ou é atendida por clínicos.

Segundo, se há necessidade de uma assistência de emergência, vamos imaginar que o paciente está no limite, vai hoje lá no pronto-atendimento do Adauto Botelho: as portas estarão fechadas. Onde ele será atendido? De alguma forma desorganizaram o serviço de referência que existia. Nós não conseguimos internar um paciente atualmente.

Na área de assistência a álcool e drogas, é uma outra situação de abandono feita pelo Governo. Hoje temos um erviço perto do Detran, chama de Unidade 3 do Adauto Botelho, onde a internação é conseguida por meio de ordem judicial. A grande maioria, em torno de 500 pessoas, fica internadas em unidades terapêuticas, que não tem nenhuma assistência médica, nenhuma assistência técnica de qualidade e que são comandadas pelo setor privado ou por pessoas leigas evangélicas, espiritas, católicas ou de outro cunho social e essa é a única alternativa que existe para a população.


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