segunda-feira, 21 de maio de 2012
Daniela Biancardi: "Foi o teatro que me ofereceu uma educação criativa, ética e política"
Daniela trabalha com teatro e arte circense e por acreditar no poder educativo da arte, tem desenvolvido diversas atividades em comunidades carentes.
Em 2007, Daniela se tornou a primeira brasileira a excursionar com a ONG Palhaços sem Fronteiras, levando cultura para crianças da África do Sul e Lesoto.
Posso falar sobre como a Educação ainda me transforma por meio de dois caminhos: minha família e minhas escolas. Afinal, não paramos de aprender nunca, e portanto o verbo mudar, eu não colocaria no passado...
Tenho uma mãe extremamente participativa em tudo que faço. Neta de italianos, ela detinha um sítio como espaço de convívio e trabalho. Ela vivia cercada por muitos irmãos, primos, tios, aprendendo o sentido de compartilhar em casa, no trabalho pesado na roça desde cedo e como operária de uma fábrica mais a frente. Isso certamente foi um fator influente em minha educação. E com meu pai não seria diferente, filho de italiano operário e músico. Ainda assim, não romantizo esta fase de minha infância, pois sempre estive ciente dos momentos difíceis vividos pelos meus pais. A cultura machista estava arraigada em suas vidas, e tive que conviver com o alcoolismo de alguns tios e de papai. Mas sempre lembro que tive um pai e uma mãe muito criativos para avançar com sua subsistência.
Durante as décadas de 80 e 90, estudei em uma escola pública sem nenhum recurso artístico, cultural e científico para aprendizagem. Era um ambiente com mais de 30 crianças na sala de aula, móveis que eram resquícios da ditadura militar, paredes de cor bege, corredores frios, nenhuma imagem ou cor que celebrasse e localizasse a criança como ente fundamental e pulsante da comunidade escolar. Isto ainda me fere e tenho dificuldades de compreender porque a escola pública ainda sofre por falta de estrutura.
A escola pública, que deveria ser referência em nosso país, quase não sobrevive em alguns estados. Continua com esta estrutura que massacra uma geração de futuro e não nos enobrece, nos torna ainda mais ignorantes....
É sabido que temos ainda poucas escolas, que mais de 20 crianças numa sala só estrangula a rotina de um professor, que espaços frios impedem o convívio social pela ética e diálogo entre corpo docente e discente e não estimulam corpo nenhum ao criativo e pensante. Por que as escolas ainda não oferecem uma estrutura que no torne pulsantes e vivos para revolução de uma sociedade?
Fui entender outras práticas de aprendizagem que não a da cópia de lousa e professor gritando, nas escolas de Teatro. Foi o teatro que me ofereceu uma educação para um corpo criativo, ético, político e pedagógico. Ainda assim, não nego meus professores da infância, que mesmo numa estrutura quase indigna para o que deve ter uma escola, se desdobravam "em mil" para nos oferecer algo diverso. Todavia, sabemos que não se pode deixar tudo a cargo de um professor.
Hoje sou professora de uma escola de teatro, e ali nos deparamos com questões que dizem respeito ao convívio e formas de diálogo entre os aprendizes e orientadores. Acreditamos que uma escola se dá a partir desta relação, quando podemos refletir sobre a ampliação crítica a respeito do mundo por meio da arte.
Então, por que a arte não é mais presente nas escolas públicas? Por que o esporte não se torna rotina diária? Por que uma criança não aprende a tocar um instrumento desde cedo? Por que os pais não participam mais das atividades escolares? Por que o Brasil sofre carência de boas escolas e por que em cada estado a realidade se dá de forma distinta? Por que não se pode estudar história ou ciências outras por um caminho poético e criativo, por práticas que estimulem o aprendiz a de fato compreender estas ciências partindo de sua própria casa e escola. E que estas práticas gerem debates entre aprendizes e sua escola sobre o que vivemos no Brasil e mundo. Por que não existe um movimento ou grupo de estudantes em Brasília a questionar os governantes sobre seu futuro?
Espero que o espaço público "Escola" retome seu sentido no mundo e que, no Brasil, todo cidadão brigue por uma escola que não anule o ente e sim, que amplie sua dimensão crítica sobre a vida. Nós temos meios e pessoas que desejam esta mudança. Basta procurar por elas.
Daniela Biancardi trabalha com teatro e arte circense há anos. Formou-se na Escola Superior de Artes Célia Helena (SP), cursou a École Internationale duThéâtre Jacques Lecoq na França e a Kiklos Scuola na Itália. Atua como atriz, orientadora de teatro e coordenadora de projetos culturais e artísticos. Por seu engajamento social, desenvolvendo trabalhos em regiões carentes de São Paulo e no continente africano, recebeu o Prêmio Cláudia em 2011 na categoria Cultura.
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