sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A inteligência das crianças

Os pequenos já nascem “plugados” em dispositivos tecnológicos



No artigo anterior, tratei da ignorância. Falei das consequências sofridas por crianças, cujos pais desconhecem coisas óbvias.

Hoje, mesmo com as belas cenas das prisões dos mensaleiros do PT roubando a cena e forçando a pauta, continuo falando do tema, mas reflexiono sobre as crianças que já nascem “plugadas” em dispositivos tecnológicos: celulares, tablets... Portanto, a despeito do analfabetismo, inclusive o funcional, e da fome, que subsiste em nosso país, refiro-me à maioria das “crianças de hoje”.

Essa condição de modernidade das “crianças de hoje”, mesmo entre as mais pobres e filhas de pais ignorantes, nos dá a impressão de que estamos diante de seres quase sobrenaturais, de “tão inteligentes que são”.

E estamos mesmo!

Mas que tipo de inteligência têm as novíssimas gerações?

Antes de tudo, vale lembrar que o ser humano sempre esteve envolto a descobertas e/ou a sofisticações tecnológicas. Motivo: biblicamente falando, depois do “carreirão” que Adão e Eva tomaram de Deus, era preciso tornar menos penosa a existência na Terra; era o espaço de que tecnologia precisava para driblar as “maldições divinas”.
"Vale lembrar que o ser humano sempre esteve envolto a descobertas e/ou a sofisticações tecnológicas."


Assim, os meninos que nasceram, por exemplo,, quando a roda foi inventada recebiam de “mãos beijadas” uma invenção de parar o mundo; ou melhor, de fazê-lo girar sem parar.

As gerações posteriores foram só acumulando inovações. A partir da Revolução Industrial – portanto, a humanidade já moderna e imersa na dinâmica do capitalismo vigente –, as máquinas com “feições” mais atuais foram tomando conta de nossas vidas; foram poupando nossos braços, nossas pernas. Nossos esforços físicos foram diminuídos.

Contudo, tal ocupação começou a ser tão perigosa que intelectuais e artistas modernos/contemporâneos logo trataram de tencionar isso. A título de exemplo, Chaplin, em “Tempos Modernos” (1936), questionava a sobrevivência humana em meio ao mundo tão industrializado.

No Brasil, destaco a obra Jeremias sem-chorar(1964), de Cassiano Ricardo. Ali, lê-se o poema “Ladainha”, um dos mais emblemáticos dessa contemporaneidade atolada na tecnologia. Eis o texto:

“Por que o raciocínio, os músculos, os ossos? A automação, ócio dourado, o cérebro eletrônico, o músculo mecânico mais fáceis que um sorriso. Por que o coração? O de metal não tornará o homem mais cordial, dando-lhe um ritmo extracorporal? Por que levantar o braço para colher o fruto? Por que labutar no campo, na cidade? A máquina o fará por nós. Por que pensar, imaginar? A máquina o fará por nós. Por que fazer um poema? A máquina o fará por nós. Por que subir a escada de Jacó? A máquina o fará por nós. Ó máquina, orai por nós”.

Esta “Ladainha” tem cerca de 50 anos! Quando foi composta, o autor talvez não imaginasse que, p. ex., um carro e um apartamento seriam tidos como “inteligentes”. Esse “conceito de vida”, ou inversão da lógica, é recente.

E é a partir desse conceito de vida –ou dessa inversão –que precisamos questionar o tipo de inteligência que os humanos passaram a ter recentemente. A meu ver, por já nascerem acopladas às máquinas, as “crianças de hoje” logo as manuseiam. Seus fofos e singelos dedinhos são como partes de teclas e telas. Mecanicamente, saem e entram em joguinhos, programas, sites... Uma desenvoltura incrível!

Todavia, essa desenvoltura pode não passar de atos mecânicos. Podemos estar gerando seres humanos que só farão poemas com o auxílio dos “cérebros” e dos “sentimentos” das máquinas; ou talvez nem os farão! Gerações que não subam nenhuma escada, muito menos a de Jacó.

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Jornalismo pela USP e professor de Literatura pela UFMT.


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