Professor:
Ewerton
RezerGindri[i]
Turmas envolvidas:
3º
D e 3º E da EE. 29 de Novembro
Introdução
A
história de uma língua está diretamente relacionada à história de seus falantes,
assim como, em um movimento de reciprocidade incontestável, a história desses
relaciona-se à história de sua língua. Essa certeza, bem como o entendimento de
que língua, sujeito e história ligam-se através da ideologia materializada no
Discurso, levou EniOrlandi, juntamente com outros pesquisadores brasileiros, a
firmar com a França, especialmente com o grupo coordenado por SilvainAuroux, um
programa de pesquisas que aliasse a história da construção de um saber
metalinguístico à história da construção da língua nacional, surge assim, no
Brasil a HIL (História das Ideias Linguísticas).Tais estudos acabam por abordar
também a questão da identidade, já que as pesquisas demonstram que a língua é a
principal manifestação ideológica, das quais os sujeitos enunciam.
Por
muito tempo o ensino de linguagens na escola esteve resumido a uma prática
metalinguística, na qual o professor passava inúmeras aulas trabalhando o ensino
da nomenclatura gramatical, sem ao menos contextualizar sua origem ou uso. Os
livros didáticos de língua portuguesa priorizavam a morfologia e um pouco de
sintaxe, reservando pouquíssimo espaço para a semântica e a interpretação
textual resumiu-se, por muitos anos, a “encontrar” os sentidos “no” texto.
Entendemos,
a partir de um posicionamento teórico que busca na Análise de Discurso de linha
francesa sua base, que “os sentidos e o sujeito se constituem ao mesmo tempo no
interior de uma formação discursiva no confronto entre as diferentes formações.
Esta relação constitui a historicidade do sujeito e dos sentidos” (Orlandi,
1998, p. 13). Com o intuito de demonstrar a relação existente entre sujeito,
sentidos e ensino, bem como perceber a heterogeneidade discursiva do “sujeito
migrante” de Mato Grosso, desenvolvemos com os alunos dos 3º D e 3º E um projeto
denominado “O monolinguismo e o ensino de línguas”.
Metodologia
A
pesquisa em Análise de Discurso não segue os caminhos tradicionalmente
percorridos pelas demais áreas, nem mesmo o conhecido caminho da pesquisa
sociolinguística, preconizado por Labov e popularizado no Brasil por Taraloet al. Podemos, seguindo Orlandi(2007),
dividir a pesquisa discursiva em três etapas.
Na
primeira etapa, tem-se contato com o texto, com o material linguístico
propriamente dito. Para essa fase usamos questionários, visando um perfil
específico de informante: nascido na região alvo, tendo vivido nela mais de 20
anos antes de mudar-se para Mato Grosso, e que resida, atualmente, em Tangará da
Serra. Em seguida, produz-se uma análise que terá por finalidade identificar as
Formações Discursivas presentes no texto. Na última etapa, busca-se analisar as
Formações Ideológicas presentes nos discursos e suas relações com os efeitos
metafóricos do texto. Nesse texto, trazemos os resultados da primeira
etapa.
Reflexões
As
cidades de Mato Grosso hoje, especialmente as que são fruto direto da onda
migratória chamada de “Marcha para o Oeste”, em sua maioria, emancipadas na
segunda metade da década de 1970, possuem uma diversidade de falares comparável
talvez apenas aos grandes centros metropolitanos da região sudeste, como São
Paulo e Rio de Janeiro. Nesse novo panorama, as especificidades do falar
regional, exemplificado em diversos trabalhos pelo falar cuiabano[ii],
são estigmatizadas, trazendo um já-dito de atraso e rusticidade relativos ao
nativo de Mato Grosso[iii].
Dessa forma o falar nativo carrega consigo uma memória (Payer, 2006) que se
choca com a ideia de brasilidade trazida pelo migrante das regiões sul e
sudeste, especialmente.
Podemos
citar como exemplo alguns traços encontrados no falar cacerense[iv].
Nessa cidade, diversos pesquisadores[v]
têm encontrado, em seu falar peculiar, formas que rememoram outro português,
falado pelos primeiros colonizadores e modificado pelo contato com as línguas
indígenas de Mato Grosso. Podemos citar alguns dos exemplos observados por
Bisinoto (2007), tais como: “a aparente indiferença quanto aos marcadores de
gênero, tanto no uso de artigos como no de morfemas flexionais [...] a saliência
fônica no timbre de vogal nasalizada, que se abre” (Bisinoto, 2007, p.20). Esses migrantes têm ao seu lado o poder
econômico, mas também representam uma ordem, um projeto nacional que em Mato
Grosso tomou outros caminhos, deslizou, de forma que durante algum tempo o
Estado de Mato Grosso esteve como um desafio à ordem nacional, mas agora é
“tomado”, por essa.
A
ganância do mercado globalizado, em seu hipertexto, a mídia, (Payer, 2005),
apoia os migrantes na mesma proporção em que condena a cultura que se distancia
dela. Essa condenação não se faz de maneira explícita ou com violência física,
mas os meios pelos quais o capital age afetam o viver tradicional, empurrando a
cultura matogrossense, e seus atores, para a periferia dessa nova conjectura, de
forma tanto simbólica, quando lhes nega o saber, por exemplo, como de maneira
material, ao ocupar espaços, sejam urbanos ou rurais, tradicionalmente
pertencentes às comunidades nativas. Dessa forma, o falar nativo passa por uma
espécie de negação, na qual não só lhe é negada a historicidade, como também um
futuro.
Ao
lado do migrante, além do texto midiático, está também a Escola. Nela não há
espaço preponderante para a variante do nativo, apenas para a trazida pelo
migrante. Também não haverá na Escola espaço para as línguas indígenas,
relegadas ao imaginário e circunscritas às aldeias. O que queremos realçar nesse
momento é o fato de que Mato Grosso constitui-se numa pluralidade linguística,
na qual identidades estão em luta, formas de saber, de fazer, de significar.
Dessa forma a Escola de Mato Grosso representará uma arena na qual essas
historicidades estarão em enfrentamento direto, pois a língua é onde se
materializa o discurso. Segundo Silva (2007)[vi]
A Escola é uma
instituição de uma sociedade dada, gerida em suas grandes diretrizes pelo
Estado, marcada por realidades complexas e contraditórias, e que se caracteriza
por colocar em jogo práticas, teorias, metodologias e tecnologias que são
datadas historicamente, que se aliam-confrontam aos interesses e necessidades
materiais dos diferentes grupos sociais. Dá-se, ali, então um confronto de
forças, de alianças e cooptações de posições políticas e ideológicas que não são
individuais, nem universais, mas que se organizam em formações discursivas,
referidas a formações ideológicas [...] (Silva, 2007, p.
148)
Por
isso, pelo fato da Escola ser de “uma sociedade dada” é que o contato dos alunos
com o migrante, através das entrevistas, trás uma perspectiva de estudo, até
então relegada a disciplinas como a sociologia ou a geografia.
Algumas
considerações
Compreender
as relações entre história, língua e sujeitos possibilita ao aluno ver nos
fenômenos da linguagem mais do que pragmatismo. Ele compreenderá a língua como
materialização de discursos, espaço de luta ideológica e poderá assim,
desenvolver uma leitura crítica.
As
OCs do Estado de Mato Grosso, ao tratarem do ensino de Língua Portuguesa,
lembram que
[...] alíngua pode
ser instrumento de
poder, um meio
pelo qual indivíduos controlam
outros ou resistem
a esse controle;
um meio a
ser utilizado para promover
mudanças na sociedade ou para impedi-las; para afirmar ou extinguir identidades
culturais; enfim, dominar a linguagem, em seus aspectos linguísticos, textuais e
discursivos, dá condição de os alunos participarem ativamente da sociedade. (OCs – Linguagens,
p.101)
Demonstrar,
através de abordagens históricas, e também por análises discursivas, como se dão
esses processos é essencial para a compreensão dessa nova concepção de leitura.
As atividades do projeto irão construir um painel a partir do qual o cursista
consiga perceber os efeitos de sentido da língua para além do óbvio, de forma
que a intenção do autor não seja a única meta perseguida, mas como esses textos
significam em uma formação discursiva dada.
Nessa
primeira etapa do projeto, foram realizadas quatorze entrevistas, sendo,dois
informantes das regiões Sul, Sudeste, Norte e Nordeste e quatro da região
centro-oeste. Os alunos, ao realizarem as pesquisas, tiveram o cuidado de
recolher o Termo de Consentimento dos informantes, de forma que as próximas
etapas, as de análise, possam ser publicadas e também arquivadas na biblioteca
da escola, onde ficarão a disposição da comunidade escolar. Com a pesquisa de
campo, tem-se também a oportunidade de ver como Mato Grosso equaciona as
diferentes formações discursivas e as várias formas de produzir sentidos,
encaixando-se no que Pistrakdisse:
O trabalho na escola,
enquanto base da educação, deve estar ligado ao trabalho social, à produção
real, a uma atividade concreta socialmente útil, sem o que perderia seu valor
essencial [...] Assim, o trabalho se tornaria anêmico, perderia sua base
ideológica. (Pistrak, 2000, p. 38)
Assim,
pensamos que as aulas de Língua Portuguesa devem perseguir um alargamento do
conceito de leitura, que passe pela historicidade da língua, pela ideologia, que
se materializano discurso, e pela interpelação do sujeito. Essa abordagem não
pode se concretizar sem o uso consciente de diferentes gêneros textuais, dentre
eles a entrevista, nas aulas de linguagem.
Vale
ressaltar que as OCs a esse respeito dirão que
Tais atividades, nessa
perspectiva, devem constituir situações quepermitam a reflexão sobre o uso dos recursos
expressivos na constituição dos sentidos de um texto que propiciem a análise da
trama discursiva dos textos lidos e a percepção de diferentes vozes presentes
neles, que revelem
as diferenças composicionais e
estilísticas entre os gêneros
discursivos. (OCs – Linguagens, p.102)
É
exatamente isso, analisar as tramas discursivas e as diferentes vozes do/no
sujeito migrante, que esse projeto pretende. Nessa primeiraavaliação, julgamos
caminhar pela estrada que leva à aprendizagem e à educação de qualidade, que se
voltaàquilo que é de sua gente e de seu chão para com eles contribuir.
Referências
Bibliográficas
BISINOTO,
Leila Salomão Jacob. Atitudes
sociolinguísticas: efeitos do processo migratório / Leila Salomão Jacob
Bisinoto – Campinas: Pontes Editores, RG Editores, 2007.
Mato
Grosso. Secretaria de Estado de Educação. Orientações Curriculares: Diversidades
Educacionais./ Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Cuiabá:
Defanti, 2010.
Orientações
Curriculares: Área de Linguagens:
Educação Básica./ Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Cuiabá: SEDUC
– MT, 2010.
Orientações
Curriculares: Concepções para a Educação Básica./
Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Cuiabá: SEDUC – MT,
2010.
ORLANDI,
E. P. A leitura e os Leitores / Eni
Puccinelli Orlandi (organizadora). – Campinas, SP: Pontes,
1998.
______________.
Análise de Discurso: princípios e
procedimentos, Eni P. Orlandi. 7ª ed., Campinas, SP: Pontes,
2007.
PAYER,
M. Onice. Linguagem e sociedade
contemporânea – Sujeito, mídia, mercado. In: RUA: Revista do Núcleo de
Desenvolvimento da Criatividade da UNICAMP – NUDECRI. Campinas, SP, n. 11, março
2005.
________________.
Memória da Língua. Imigração e
nacionalidade. São Paulo, Ed. Escuta, 2006.
PISTRAK,
M. Fundamentos da escola do trabalho.
1ª ed. São Paulo, Expressão Popular, 2000.
SILVA,
M. V. A Escolarização da Língua
Nacional. In: Orlandi, Eni P. Políticas linguísticas no Brasil, Eni
P. Orlandi (org.) / Campinas, SP: Pontes Editores, 2007.
[i] Professor de Língua Portuguesa da EE. 29 de Novembro, Mestre em
Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT e pesquisador do
NEED/UNEMAT (Núcleo de Estudos de Educação e Diversidade da UNEMAT).
[ii]Bisinoto (2007), Oliveira (1996), Arruda (1998), Lima (2007) dentre
outros.
[iii] Para saber mais sobre esse já-dito, Di Renzo
(2012).
[iv] Relativo ao município de Cáceres, situado ao sudoeste do Estado de
Mato Grosso, distante 210 km de Cuiabá e a 90 km da fronteira com a
Bolívia.
[v]Bisinoto (2007), Arruda (1998), Cassiano da Silva
(1921).
[vi] Vieira, M. S. A escolarização da Língua Nacional. In: Orlandi, Eni
P. Políticas linguísticas no Brasil, eni P. Orlandi (org.) / Campinas, SP:
Pontes Editores, 2007.
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