quarta-feira, 14 de março de 2012

O Fies e a roda da misériaHerdeiro do Programa de Crédito Educativo virou um emaranhado jurídico


As reflexões aqui expostas nasceram com a propaganda do governo petista sobre o Fies: Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior.

Começo pela semelhança fônica da sigla Fies com o termo “fieis”, plural de “fiel”. Para este, há várias acepções. Conforme o “Aurelião”, como adjetivo de dois gêneros, o “fiel” (do latim fidele) é aquele “que é digno de fé; que cumpre aquilo a que se obriga; leal; que não falha; que não muda; que professa uma religião, doutrina, seita...

Já como substantivo masculino, dentre outras, é reafirmada a postura do crente, ou seja, daquele que adere alguma religião. E como se tem visto há milênios, o “bom fiel” não discute, reza. Cegamente, muitos seguem tudo o que lhes dizem ser a “Verdade Suprema”.

Da semelhança semântica, passo ao campo jurídico, que contempla o plano político: o FIES – herdeiro do Programa de Crédito Educativo, nascido com Collor, por meio da Lei 8.436, de 1992 – foi rebatizado pela Lei 10.260, de 12 de julho de 2001, por FHC.

Na origem, o Fies tinha a cara apenas de financiamento. Tanto que, colado às atividades do programa “Comunidade Solidária”, parido a partir de 1995, pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso, a lei criadora do Fies falava de “fiadores solidários” e até de “devedores solidários”, quando se tratasse das empresas de ensino superior.

De lá para cá, construiu-se um volumoso emaranhado jurídico. Excetuando as várias e quase sempre autoritárias Medidas Provisórias, hoje – diretamente – são quarenta e três dispositivos legais, entre leis propriamente ditas, decretos, resoluções e portarias. Vide portal do MEC.

Mas disso tudo, a propaganda do governo petista – já o mais populista de nossa história – sintetiza um ponto que precisa, ou melhor, que deve ser o pomo da discórdia nacional: o aluno das licenciaturas aderente ao Fies poderá saldar sua dívida com o trabalho pedagógico em escolas públicas.

Socorro! Literalmente, isso é oferecer a privada ao público! Com o “pagamento” do Fies assim, a falência educacional/cultural do País será ir-re-ver-sí-vel. Jamais sairemos da “m...” em que já estamos atolados até o pescoço.

Como assim, perguntariam os simplórios? Simples. Para o ensino básico- fundamental-médio, restarão as escolas particulares aos acadêmicos formados nas licenciaturas das universidades públicas. Por outro lado, os alunos/clientes das empresas privadas atuarão nas escolas públicas. Logo, os melhores profissionais ensinarão os filhos dos mais ricos. Os piores – já enganados por cursos medíocres – ludibriarão os filhos dos mais pobres. Isso é inversão social. Paradoxalmente, é ação política perversa contra os pobres. Será a união da pobreza com a miséria.

Em outras palavras, os concursos públicos para a educação pública desaparecerão. A demanda será suprida pelos clientes do FIES. Portanto, a educação pública ficará ainda pior, pois o que resta de qualidade na formação de professores está nas universidades públicas, não nas privadas. Dados oficiais comprovam isso. Assim, desafio o ministro da Educação – ou quem for capaz – para me desmentir.

É desolador ter consciência de que todo empenho acadêmico de um professor das licenciaturas das universidades públicas será para contemplar apenas os filhos das classes economicamente resolvidas.

Por isso, não tenho dúvidas: ao contrário do que aponta a simbologia da Roda da Fortuna – décimo Arcano Maior do Tarot – essa proposta petista para a educação é a imposição da Roda da Miséria ao Brasil.

E vá falar disso aos fieis desse partido...

Quanto absurdo! Até quando?

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Jornalismo pela USP e professor de Literatura da UFMT.










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