entrevista com Priscila Casale, publicada na edição nº
433, fevereiro de 2013.
Priscila Casale da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES), São
Paulo. priscilacasale@gmail.com
Mais uma vez a juventude é destacada como tema da Campanha da Fraternidade,
como já havia sido em 1992. Desde aquela Campanha, talvez o que mais chame a
atenção é a diversidade de jovens ou dos diferentes modos de ser jovem na
contemporaneidade. Mas, se no início dos anos 1990, os “caras pintadas” saíam às
ruas para se manifestar por ética e justiça na política, hoje a compreensão da
juventude como sujeito de direitos é uma realidade que se afirma. É o que se
conclui após a realização da 2ª Conferência Nacional de Juventude, conforme
relata Priscila Casale, da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES),
São Paulo.
- Quais são as principais características dos
jovens?
As características da juventude sempre foram, e continuam sendo, de
transformar, de fazer revolução, de apresentar novas opiniões e, em especial, de
se mobilizar e mobilizar todo o povo em torno de uma causa. Primeiro, por uma
característica quase que fisiológica, o jovem vive um período bastante
complicado da vida. É um momento em que começamos a ter as nossas primeiras
experiências. Há o conflito da transição da infância para a vida adulta, é
quando nos deparamos com os nossos principais desafios; quando começamos a ter
uma relação mais profunda com o mundo. É o momento em que conseguimos aprofundar
nossa relação com o mundo e entender quem somos, quais são os nossos passos e
qual é o nosso dever.
- Quais são as principais dificuldades e os
desafios da juventude?
Por conta das características da juventude, é um período da vida bastante
complicado, mas também maravilhoso: é quando começamos a contraditar a ordem das
coisas, das regras da sociedade. Eu acredito que para o desenvolvimento do
indivíduo na sua plenitude, e para o mundo, para os desafios que o mundo tem,
para a história da humanidade como um todo, a juventude cumpre um papel
fundamental. Quanto aos problemas que a juventude sofre, acho que são os mesmos
que a sociedade no geral sofre. Porém acredito que na juventude os problemas têm
mais peso. Infelizmente, por exemplo, o jovem ainda tem mais dificuldade de
conseguir trabalho decente, em especial quando se trata de uma jovem mulher ou
de um jovem negro, um jovem da periferia.
- O que mudou no Brasil em relação aos
direitos e às políticas públicas para os jovens?
Se a pessoa idosa, a criança e o adolescente têm os seus direitos, agora
estamos reconhecendo que a juventude é também um ser de direitos e tem que
buscar esses direitos. E são direitos com a finalidade de que a juventude
consiga sua autonomia, sua emancipação, que ela não fique sempre dependente de
uma ação tutelada do Estado, mas que consiga vivenciar plenamente sua condição
juvenil e se colocar no mundo. Além disso, avançamos no que se refere às
políticas públicas para a juventude. Desde as conferências livres, nos estados e
municípios, foi oportunizado à juventude falar, mandar seus relatórios e opinar
na construção dessas políticas públicas. Nisso há um avanço muito grande de
incluir o jovem, porque ouvimos o jovem, sabendo o que ele quer.
- O que representa a educação para os
jovens?
A educação é a bandeira central da juventude. Sempre foi. Desde o Ensino
Fundamental, o acesso à universidade, até a conclusão do Ensino Superior. No
Brasil, hoje, vemos avanços consideráveis, mas infelizmente a educação no nosso
país ainda não corresponde às necessidades que tem a juventude e muito menos às
necessidades que tem o Brasil. A juventude, nesse contexto todo, sofre bastante.
Mas acredito que, mobilizada como está e participando das conferências em todos
em níveis, podemos dar passos largos para que a juventude tenha mais direitos e
participe do desenvolvimento do país. Este inclusive foi o lema da Conferência
Nacional de Juventude, realizada em dezembro de 2011. Acredito que não tem como
conquistar direitos se não for a partir do desenvolvimento do país.
- O que ainda falta na educação
brasileira?
Por um lado, foi universalizado o acesso nos primeiros níveis da educação.
Não vemos problemas de vagas. Mas existe o problema de acesso a uma educação
pública de qualidade, porque não existe. São raras as exceções. Os institutos
federais de educação e as escolas privadas desenvolvem a educação para o
indivíduo de fato como deve ser, com uma estrutura adequada, com biblioteca,
laboratório, levando em consideração os avanços tecnológicos, com computador,
enfim, com tudo que precisamos para nos relacionarmos com o mundo e o que
precisamos de fato para aprender. Até porque na escola não é só a nossa vida
acadêmica que está em questão, mas é a nossa formação enquanto cidadãos.
Passamos muitos anos da nossa vida dentro da escola. É onde aprendemos a
respeitar o nosso próximo, a nos relacionar com o outro, enfim, onde a gente
cresce e se desenvolve! A família cumpre um papel muito importante, mas a escola
é fundamental.
- Então a escola não atende às necessidades
dos jovens?
Penso que a escola não atende às necessidades do processo acadêmico, que é
ensinar o estudante de verdade, de ele sair do terceiro ano do Ensino Médio mais
bem preparado. E também não atende às outras necessidades. Vemos a imprensa
noticiando crimes cometidos nas escolas, como tráfico de drogas e a violência. O
espaço da escola não deve abrigar esse tipo de coisa. Precisa ser completamente
diferente. Se a educação não cumpre o papel que precisa cumprir, é óbvio que
deixa espaço para que aconteçam essas outras coisas que não deveriam acontecer
nas escolas. Então é necessário investimento em educação e é necessário que a
educação cumpra de fato o papel, que é de dar a possibilidade para que a gente
cresça, se desenvolva. O ensino básico deve ser a porta de entrada para o mundo
do trabalho e, em especial, para o acesso à universidade. Não dá para as coisas
continuarem desse jeito. O espaço que existe entre o ensino básico e a
universidade é um abismo enorme. No Brasil, os estudantes, hoje, concluem o
terceiro ano sem condições. Existem casos, inclusive, de estudantes concluírem o
terceiro ano do Ensino Médio sem saber ler e escrever. Dados recentes do
Ministério da Educação relatam que mais de 50% deles ficam abaixo da nota
mínima, por exemplo, em Matemática. Mas a juventude está disposta a lutar, a
somar forças junto ao poder público para mudar essa situação.
- Que importância têm os jovens para a
sociedade?
Na história do nosso país, a juventude sempre foi protagonista dos movimentos
que lutaram para conquistar alguma coisa. Não só para a juventude, mas para o
povo brasileiro como um todo. Alguns exemplos disso são o direito à exploração
do petróleo no nosso país, o papel que cumpriu para a redemocratização do Brasil
na época da ditadura militar, o voto direto, o impeachment de um presidente da
República corrupto, as lutas recentes contra as privatizações do governo
Fernando Henrique, a luta pelo acesso à universidade. Como fruto dessas lutas
conquistamos o Prouni, o Reuni etc. Então, concretamente no Brasil, a juventude
cumpre um papel fundamental e tem se mobilizado bastante através das entidades
estudantis, a UNE, a UBES e todas as outras entidades dos municípios, dos
estados. Nos últimos anos, cumpriram um papel muito importante, especificamente
em relação a essa questão da educação.
- E quais são as perspectivas para o futuro? A luta ainda é ferrenha para que a gente consiga as conquistas em todas as instâncias, municípios, estados e no Brasil. Temos que garantir mais investimento e, a partir daí, contribuir para melhorar todo o processo pedagógico, o currículo e o que a escola deve ser. Concretamente, a juventude tem se mobilizado, em especial pelas entidades estudantis. Mas há também jovens participando ativamente em partidos políticos. É muito importante a juventude se envolver, tomar partido sobre as questões da sociedade. A Conferência Nacional de Juventude é o ponto de encontro de todas essas lutas da juventude em todo o país. Além do resultado concreto, o que mobilizou de jovens desde as conferências municipais foi muito expressivo. No município de São Paulo, por exemplo, existe a demanda do transporte. É um assunto que se debate numa conferência e a juventude vai se reunindo através de suas organizações para concretizar essa demanda. Assim, outras necessidades são levantadas em cada recanto do país. Outro exemplo é o Estatuto da Juventude, que aponta e garante direitos e conquistas para toda a juventude brasileira. E foi um debate que surgiu a partir da organização dos jovens brasileiros.
Jovem, esperança e compromisso
A participação da juventude, especialmente neste século 21, se faz importante pelas novas tendências que o mundo apresenta: as grandes transformações, as questões ambientais, as dificuldades do planeta com a economia. E isso traz muitas consequências para os jovens. Por isso, a juventude precisa lutar, porque só ela pode transformar esse tempo novo que se apresenta; a juventude precisa assumir o protagonismo desse século 21 e transformar a sociedade para que possamos responder às novas questões.É uma juventude que tem sede de um país mais justo, do fim da corrupção, sede de um meio ambiente mais bem cuidado. Ao mesmo tempo, é uma juventude que não tem voz, que não tem uma formação política, como outras gerações tiveram. Mas é uma juventude sedenta e que busca a todo momento encontrar um espaço para poder transformar, ainda que isso seja muito difícil.
As escolhas principais da juventude devem ser com relação à vida, à defesa da vida. Eu, como jovem cristão e participante da Pastoral da Juventude, acredito que a proposta de Jesus é uma proposta de vida. Mas, independentemente do credo, da religião, essa proposta em defesa da vida, em defesa dos direitos humanos é a proposta central de uma juventude participante e ativa, que transforma a história.
Acho que a grande dificuldade de ser jovem hoje é um sistema econômico cada vez mais opressor, que não prioriza a democracia. E essas dificuldades são diferentes em cada lugar. Mas a grande dificuldade é exatamente a desigualdade, a pobreza, que não conseguimos resolver. A fome, a violência e, especialmente hoje, a questão da drogas, que tem destruído muitos sonhos da juventude por ausência do Estado, de políticas públicas.
Por outro lado, a grande riqueza de ser jovem é a esperança. O jovem tem esperança, tem compromisso, e o jovem quer transformar a sociedade. Mesmo que não tenhamos muitos resultados, temos jovens que gritam. E hoje é especialmente nas redes sociais onde essa juventude tem mostrado a cara com mais ênfase. Mesmo que os grandes meios sejam tão restritos a pequenos grupos, as redes sociais aparecem como um meio que o jovem usa para mostrar sua voz, sua riqueza, sua diversidade cultural.
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