Países do bloco questionam critérios do programa internacional e planejam criar novo instrumento de avaliação para a região com inspiração no Ideb e no modelo uruguaio
Aline Gatto Boueri, de Buenos Aires
A insurgência dos países do Mercosul contra o Programa Internacional para Avaliação de Estudantes (Pisa) está tomando forma. Reunidos durante o Seminário Regional de Avaliação Educativa para o Mercosul, realizado em março em Buenos Aires, os ministros da Educação do bloco discutiram critérios regionais que desejam ver incluídos na avaliação coordenada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em novembro do ano passado, o Ministério da Educação do Brasil anunciou que o Seminário teria como objetivo a "construção de indicadores regionais da qualidade da educação nos países da América do Sul". Apesar de um novo instrumento de avaliação não ter sido declarado oficialmente, o sentimento geral é de que é preciso avançar mais do que apenas a adoção de critérios regionais para o Pisa. Os países consideram que o programa não é um instrumento válido para a produção de informação sobre a educação no Mercosul.
"Não é possível comparar o incomparável", defendeu
Alberto Sileoni, ministro de Educação da Argentina. Sileoni confirmou a presença
do país no Pisa 2015, mas criticou o modelo. "Os rankings definem a qualidade da
educação a partir de suas carências, muitas vezes sem considerar os esforços. Em
países da nossa região houve um esforço muito grande de inclusão e isso deve ser
considerado", reclamou.
Ainda que o programa leve em conta fatores como a
composição socioeconômica dos países que participam da prova, a posição do
Mercosul como bloco é de que isso não é suficiente. "Um exame não deve servir
para estigmatizar o sistema educacional", afirmou Ricardo Ehrlich, ministro de
Educação do Uruguai. "O formato de ranking do Pisa tem um efeito negativo e
acreditamos que é preciso seguir participando do programa, mas fazer ouvir
nossas vozes."
Critérios
regionais
Aplicada a cada três anos, a prova do Pisa tem ênfase em três áreas que se alternam a cada edição: leitura, matemática e ciências. O programa pretende ser um mecanismo de avaliação externa para medir a capacidade de estudantes da faixa dos 15 anos em aplicar os conhecimentos adquiridos nas escolas "para uma participação plena na sociedade", segundo sua definição oficial. O que os representantes do Mercosul questionam é até que ponto é possível comparar as habilidades de sul-americanos com as dos outros países que participam do programa.
A intenção é levar ao Pisa um pedido de inclusão de
pontos de avaliação mais representativos da América do Sul. "Queremos que
aspectos como o compromisso dos seres humanos com a natureza, com seu país e com
a sociedade em que vivem sejam mais importantes que uma meritocracia do
aprendizado nas provas", relatou o ministro da Argentina.
Em uma declaração conjunta, as autoridades dos
ministérios de Educação do bloco delinearam o que deve conduzir o debate dos
próximos anos sobre os critérios regionais de avaliação. A intenção é que nos
próximos anos as estratégias nacionais de produção de informação sobre o sistema
educacional possam convergir e incorporar conteúdos que vão além das disciplinas
tradicionais, como "fortalecimento do sentido de pertencimento à América Latina"
e "educação para convivência". O documento também indica que a região deve
produzir mais análises contextualizadas e promover mais reflexão sobre os
diagnósticos.
O interesse em incorporar variáveis regionais à
avaliação de estudantes ficou claro também pelo lugar de destaque que ganharam
as declarações do ministro de Educação da Bolívia, Roberto Aguilar Gómez. O país
não participa do Pisa e Aguilar Gómez preferiu não opinar sobre o exame, mas foi
enfático em suas críticas a avaliações padronizadas. "Temos uma realidade
plurinacional, com diversidade de idiomas. Se queremos avançar juntos rumo a uma
avaliação conjunta, isso deve ser contemplado", destacou.
Ideb na
Agentina
Harvey Spencer Sánchez Restrepo, diretor do Instituto Nacional de Avaliação Educativa do Equador, que também não é parte do Pisa, seguiu o mesmo caminho que o ministro boliviano. "A interculturalidade, a plurinacionalidade e a variedade de línguas são os eixos que precisam ser levados em conta para uma cultura de avaliação que tenha legitimidade entre os cidadãos", opinou.
Entre as experiências que inspiram o debate
sul-americano sobre um novo instrumento para gerar indicadores educacionais, o
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Brasil foi citado várias
vezes como inspiração. A Argentina, que há 20 anos gera indicadores de amostra
com o Operativo Nacional de Avaliação (ONE, em espanhol), aplicado a cada dois
ou três anos, anunciou a criação de um índice baseado no Ideb para o ensino
médio.
O Índice de Melhoria do Ensino Médio (Imesa, na sigla
em espanhol) é calculado a partir de três variáveis: o rendimento, que
representa a média de conhecimentos adquiridos em língua e matemática na prova
aplicada pelo ONE; a taxa de conclusão, que reflete a quantidade de estudantes
que pôde terminar o ensino médio; e a média de tempo que cada estudante leva
para concluir a última etapa da Educação Básica.
A equipe que apresentou o modelo destacou que a equação
pode esconder armadilhas se a intenção é avaliar o aprendizado. Com o aumento da
taxa de conclusão e a diminuição do tempo médio, o índice pode apresentar
melhorias, ainda que o rendimento tenha baixado. Por isso é mais importante
olhar para os indicadores do que para o índice, avaliam.
"Estamos num momento ideal para chegar a acordos e
unificar critérios de avaliação no Mercosul", avalia Delia Méndez, diretora
nacional de Gestão Educativa do Ministério da Educação da Argentina, à Educação.
"Vai ser muito bom para a região poder avaliarnos com outro olhar, com critérios
próprios."
O custo do
pisa
A posição de Delia não é apenas técnica, mas também política. Segundo ela, o custo imposto pelo Pisa aos países que aplicam a prova não vale o seu preço. "Um processo de avaliação pensado na região para a região tem como objetivo dignificar os povos de cada um de nossos países e aí está a grande diferença com um ranking pensado por um país central."
No Uruguai, o Sistema de Avaliação da Aprendizagem
(SEA, em espanhol) é feito pelos estudantes em um computador individual. As
informações são geradas automaticamente e ficam em uma plataforma à qual
professores, gestores e avaliadores têm acessos diferenciados. Ainda que com uma
intenção diferente do Pisa, o SEA é um exemplo de como avaliações qualitativas
podem ser produzidas com rapidez e acesso amplo. "A avaliação é formativa e não
tem como objetivo render notas", disse à Educação Andres Peri, da Administração
Nacional de Educação Pública (Anep) do Uruguai.
Peri questionou o uso de índices compostos, nos quais
não fica claro que variáveis se alteram. Para ele, o sistema uruguaio é forte
por permitir conhecer profundamente cada escola e construir uma referência para
a reflexão conceitual sobre o processo de cada estudante. "O SEA é um
instrumento que permite pôr o foco no aprendizado. A preocupação não é medir
bem, mas sim gerar reflexão."
Enquanto o Ideb se apresenta como um modelo factível, o
SEA aparece como um modelo ideal, mas de difícil adaptação para sistemas
educacionais maiores. Porém, o primeiro momento do debate sobre critérios
regionais para as provas do Mercosul indica que ambos serão olhados com atenção
enquanto a região tenta decidir como e por quem quer ser avaliada.
A participação dos sul-americanos | |
Atualmente, participam do Pisa os 34 países-membros da OCDE e vários países convidados. No Pisa 2009 foram ao todo 65 países. Além desses, mais 10 participaram, em 2010, de uma aplicação chamada Pisa Plus, totalizando 71 participantes da avaliação de Leitura. No Pisa 2012 confirmou-se a participação de 67 países, 34 membros da OCDE e 33 países/economias convidados. O Brasil é o único país sul-americano que participa do Pisa desde sua primeira aplicação, tendo iniciado os trabalhos com esse programa em 1998. Argentina e Peru fizeram parte, em 2001, da experiência Pisa Plus. No entanto, em 2003, somente Brasil e Uruguai entraram no programa. No Pisa 2006 houve adesão de um número maior de países da América do Sul, com a volta da Argentina e a entrada do Chile e da Colômbia (além de Brasil e Uruguai). Em 2009, o Peru incorporou-se ao grupo, totalizando seis países sul-americanos. No Pisa Plus de 2010, participou, também, o Estado de Miranda, Venezuela. Na prova de 2009, Argentina e Uruguai ficaram em 58º e 47º lugares respectivamente. O Brasil assumiu o posto 53 entre os 65 países que participaram naquele ano. No Brasil, o exame é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). |
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