quarta-feira, 26 de março de 2014

Atitudes para uma escola saudável

Entrevista // Cristiane Marangon  

Promoção de saúde é a capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e de sua saúde, incluindo maior participação no controle desse processo. Segundo a Carta de Ottawa, resultado da 1ª Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada no Canadá em 1986, para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social, os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente.

A Carta de Ottawa inspirou a Organização Mundial da Saúde (OMS) na eleição do espaço escolar como cenário estratégico para o desenvolvimento de ambientes saudáveis e de habilidades em promoção de saúde, lançando as Escolas Promotoras de Saúde (EPS). Aspectos como a sustentabilidade, a abordagem multifatorial (currículo, ambiente escolar e comunidade) e o envolvimento de todos os atores escolares (professores, alunos, funcionários, pais e comunidade) no processo são passos importantes nas escolas com vistas à melhoria da saúde e do bem-estar de crianças e adolescentes.

Entre os programas mais efetivos, destacam-se aqueles centrados na promoção de saúde mental, de dietas saudáveis e de atividade física entre os estudantes. Nesta entrevista, o médico Gustavo Gusso, professor de clínica geral da Universidade de São Paulo, defende a ideia de que o professor pode ajudar muito nesse processo. “Naturalmente, os professores já fazem muito, porque a escola vai incorporando ao currículo temas que são da saúde e passam a estar no dia a dia das disciplinas”, diz. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Pátio Ensino Fundamental.
Qual é o papel da educação na promoção de saúde da família e da comunidade?
Para garantir a saúde de um ser humano, é necessário um conjunto de elementos, como educação, trabalho, lazer, etc. De todas elas, a educação é uma das determinantes sociais que definem o fato de uma pessoa ter mais qualidade de vida e longevidade.

Existe relação entre o nível de escolaridade e a saúde da população?
Sim. Quanto menos escolaridade, mais dificuldades as pessoas têm para lidar com as questões de saúde. Às vezes, quando elas não conseguem emprego, tudo pode então se transformar em um ciclo vicioso que leva a piores indicadores e menor qualidade de vida. Famílias mais pobres, por exemplo, acabam vivenciando maior situação de vulnerabilidade, pois não têm acesso ao mínimo, como água potável ou saneamento básico. Muitas vivem nessas condições. Também não têm acesso ao lazer. Para fazer uma caminhada, não dispõem de tempo, além de não disporem de um parque perto de casa, e alimentar-se de maneira mais saudável é caro. É muito mais barato comprar comidas que não são saudáveis. Essa é a rotina.

A escola tem-se responsabilizado por muitas tarefas além de ensinar os conteúdos escolares aos alunos. É possível delegar aos professores também a tarefa de promover a saúde?
Realmente temos delegado muitas tarefas para as escolas. No caso da saúde, a escola tem condições de promover muitas ações, mas não pode estar sozinha. O pessoal da saúde pode ajudar, mas vejo isso como uma atribuição do professor. Um exemplo de trabalho é ensinar as crianças sobre a separação do lixo. Além disso, existe uma série de ações que tentamos ajudar a escola a fazer, como, por exemplo, abordar questões de higiene pessoal, como escovar os dentes, e lembrar os pais sobre o dia da vacinação ou mesmo levar a vacina para aplicar em seus filhos na escola. Às vezes, tentamos detectar algum problema de saúde que esteja afetando a comunidade, como piolho e dengue, e explicamos para os alunos mais velhos e para os pais como evitar esse tipo de doenças. Naturalmente, os professores já fazem muito, porque a escola vai incorporando ao currículo temas que são da saúde e passam a estar no dia a dia das disciplinas. Saúde é um tema muito amplo que tem muitos traços em comum com a educação.

Vivemos em uma cultura em que a prevenção ainda não é o foco principal. O que é preciso para mudar tal mentalidade e como a escola pode ajudar nesse processo?
De fato, por vezes as pessoas esperam ficar doentes. Também é verdade que existe um risco de se fazer muitos exames de rotina de maneira exagerada. Nenhuma pessoa pode ser hipocondríaca a ponto de fazer exames todos os meses, nem deve esperar ficar doente para procurar cuidados médicos. Existe um meio-termo, que é tentar se cuidar, adiantando-se a certas questões, mas sem paranoia. As prevenções primárias são aquelas que acontecem para evitar que se tenha uma doença, como vacinação ou caminhada. Fazer exames precoces é uma forma de prevenção secundária, como o exame Papanicolau, que revela se uma mulher tem ou não algum problema, mesmo sem sintomas de alguma doença. Ele serve como rastreamento.

Que tipo de conteúdos relacionados à saúde a escola deveria trabalhar? Isso pode ser feito apenas por meio do currículo ou deve abranger outros âmbitos?
Há muitas ações que estão no currículo, mas a escola pode falar disso fora do horário de aula e ampliar para o fim de semana, como promover a prática de esportes. Essas práticas extrapolam a sala de sala. A escola não tem de ficar apenas fechada nisso. Deve ampliar o seu horizonte e envolver cada vez mais os profissionais da saúde nessas atividades. Se a instituição vai fazer uma coleta seletiva de lixo e os profissionais comunitários puderem ajudar, serão bem-vindos. É bom fazer essa intersecção até para que os profissionais da saúde possam exercitar-se.

Uma das dificuldades de realizar trabalhos preventivos com adolescentes é combater o pensamento que os leva a crer que determinadas situações não os atingem, como a dependência química. Como lidar com isso de maneira eficaz?
Não é fácil, mas esses assuntos devem ser tratados sem negligência. É um tanto difícil abordar essas questões se não se encara que muitas pessoas bebem, por exemplo, para relaxar ou para comemorar, e as crianças assistem a tal cena. O importante é ensinar para elas que temos de nos controlar, mas não apenas em relação às drogas. É preciso atenção igualmente na alimentação. Há crianças que são obesas. Droga não pode, álcool não pode, mas macarrão, cachorro-quente, refrigerante e doce podem. Tudo na vida exige moderação, e isso deve ser explicado para elas. Nada pode ser usado de forma impulsiva. Essa questão é complicada porque, às vezes, os pais são impulsivos — ou comem demais ou bebem muito. Os filhos enxergam esse fato e não se pode desconectá-los da realidade em que vivem. No entanto, convém que esse processo seja feito naturalmente e que seja tratado a partir da vivência dos alunos. Não pode ser apenas “um monte” de informações a serem repassadas. É fundamental partir da experiência concreta. É importante que os adultos sejam modelos saudáveis e reais. Não precisam ser idealizados ou super-heróis.

E quanto à gravidez ou às doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)?
Uma boa estratégia, quando as crianças têm 11 ou 12 anos, é pedir que coloquem perguntas em uma caixinha sem ninguém saber quem colocou cada uma e ir abordando essas questões anonimamente. Esse é um meio de tratar de assuntos sobre os quais as pessoas têm mais vergonha de perguntar. É uma estratégia que funciona bem, mas é bom individualizar e ver quais são as demandas específicas de cada criança, de cada turma, de cada escola.

O Ministério da Educação é parceiro do Ministério da Saúde no programa Saúde na Escola. O que o senhor pensa a respeito dessa ação?
Conheço o programa e sei de aspectos bons e ruins. Ele promove uma integração da saúde com os profissionais da educação, o que é muito é positivo. Contudo, seria bom que não houvesse ações pré-programadas. Ou seja, se há uma escola que enfrenta problemas com drogas, vamos falar disso. Se há uma escola com questões de gravidez na adolescência ou obesidade, vamos falar disso, sempre buscando a realidade em que os alunos vivem. Há muitos aspectos no programa que são pré-formatados. Os técnicos vão à escola para medir e pesar os alunos, como na década de 1970. Nem sempre é um tempo bem-aplicado, tendo em vista que, para medir, pesar e examinar, gasta-se um tempo grande, e nem sempre tais medidas têm uma função. Sabemos quem está gordinho. Não precisa pesar todo mundo. Não temos esse tempo sobrando para ações que não têm uma função clara, que não vão ajudar as crianças a não comer mais ou a tratá-las. Se há algum problema, podemos eliminá-lo tratando dele individualmente. É desnecessário colocar todo mundo em fila, como acontecia na época da ditadura, para pesar e medir.

Quando o professor detecta que um aluno não está bem, o que deve fazer?
Se um educador detecta problemas com algum aluno, sempre é necessário procurar ajuda de um profissional da saúde. Recomendo também ter uma visão mais ampliada do que acontece na casa desse aluno. Uma grande quantidade de crianças tem diagnóstico de hiperatividade, por exemplo. Às vezes, a dinâmica familiar é muito complicada, e elas são responsabilizadas excessivamente por problemas que herdaram. Elas podem estar refletindo o funcionamento de uma família agitada ou exatamente o contrário: com pais deprimidos, as crianças reagem com hiperatividade. Pode também ser um problema genético, como a tendência a engordar. Uma dieta rica em carboidratos é mais comumente um hábito ou uma cultura de casa. Não foram as crianças que inventaram isso. Elas são vítimas — e não protagonistas — do que acontece hoje em dia.
  • Gustavo Gusso

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