quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Educação e prática

Marisa Eboli* - O Estado de S. Paulo

O filme Uma Outra Educação (An Education, Grã-Bretanha, 2009, realizado por Lone Scherfig e argumentado por Nick Hornby) é uma adaptação da memória da jornalista Lynn Barber, sobre sua adolescência. Interpretada magnificamente por Carey Mulligan, ela é Jenny, uma jovem de 16 anos que mora com a família num subúrbio londrino, em 1961.

Inteligente, bela e brilhante aluna, mas sofre com o tédio de ser adolescente e aguarda impacientemente a liberdade da vida adulta. Quando conhece Danny, um homem charmoso e cosmopolita na faixa dos 30 anos, vê um novo mundo abrir-se perante sua vida. Ele a leva a concertos de música clássica, a leilões de arte, viagem a Paris, deixando-a diante de um dilema: continuar dedicando-se com afinco aos estudos para ter o almejado lugar na disputadíssima Universidade de Oxford, ou casar logo com ele para poder vivenciar tudo aquilo que estudava nas aulas e livros? Ela ficou deslumbrada, pois toda aprendizagem adquirira muito mais sentido e significado! É o dilema entre a educação formal e o aprendizado da vida.

Em casos pontuais, ajudo executivos de alto nível a definirem seus planos de desenvolvimento individual (PDI),estimulando-os a refletir, a repensar e a se responsabilizar pelo seu processo de desenvolvimento. Isso por meio da estruturação de ações que contemplem oportunidades e soluções de aprendizagem capazes de favoreçer aprimoramento contínuo das competências requeridas para o crescimento na carreira. Enfatizo que não se trata apenas de fazer curso, embora na maioria das vezes seja desejável, mas de incorporar práticas que favoreçam seu pleno desenvolvimento.

O que há de comum entre essas duas situações? O que já é sabido e comprovado na formação de adultos: as pessoas absorvem mais conhecimento pela aprendizagem situada do que por meio de cursos formais (pesquisas apontam que apenas 20% da aprendizagem decorre destes). O detalhe importante, do qual os mais imediatistas se esquecem, é que sem uma boa base de educação formal fica difícil até identificar oportunidades de aprendizagem situada. Daí a tentação de simplesmente cortar esses 20%, e só manter os outros 80%, já que são mais efetivos e, normalmente, bem mais divertidos... Mas sem os 20% de boa formação, esses 80% podem cair por terra. O fato de o percentual ser baixo não significa que não gere impacto expressivo. Basta lembrar que, segundo a revista Proceedings of the National Academy of Sciences de 2002, a diferença genética entre homens e chimpanzés seria algo em torno de 5%... Captou?

Recentemente, participei do Seminário de Liderança, no The Aspen Institute (Colorado, EUA), centro de excelência fundado há 60 anos pelo empresário Walter Paepcke, presidente da Container Corporation of America, e pelo filósofo Mortimer Adler, que liderava o Seminário Grandes Livros, na Universidade de Chicago.

A participação de Paepcke no seminário de Adler inspirou a criação do Seminário Executivo do Instituto, que é um fórum baseado nos escritos dos grandes pensadores. Por meio da leitura e discussão de seleções de obras de escritores clássicos e modernos, os líderes entendem melhor os desafios enfrentados pelas organizações e comunidades a que servem. Este seminário, que a meu ver é da maior relevância, tem desafiado os líderes em cada campo (fazem questão de ter representantes dos setores privado, público e terceiro setor) a pensar mais crítica e profundamente sobre a “Boa Sociedade” que desejam construir. Por isso, fiquei pensando como seria importante e apropriado termos esse tipo de discussão entre os três setores aqui no Brasil, sem “intelectualismos” nem “ideologismos”, para refletirmos sobre o País que queremos ser de fato.

Por outro lado, percebi que meu desafio, contemplando o equilíbrio entre aprendizagem formal e aprendizagem situada, como mencionei no início, não seria fácil de ser superado. Mas estou tentando: compartilhar com você, leitor, é uma primeira ação. Também tenho procurado trocar ideias com outros executivos e colegas de profissão sobre as leituras que fiz e o propósito do seminário. Para alguns executivos que oriento no PDI, indiquei que também participem desse seminário. Além de enfatizar em minhas aulas a importância da filosofia e das humanidades na formação de executivos.

Este é o grande desafio de todos nós: transformar educação formal em prática com resultado ético!

* É ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO CORPORATIVA, PROFESSORA DE FEA-USP E DA FIA

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