A educadora Maria Thereza Freitas tem se dedicado a estudar a cultura da informática, especialmente como os professores de ensinos Fundamental e Médio se posicionam diante das possibilidades que o computador e a internet oferecem no campo do letramento e da aprendizagem. Veja entrevista concedida à Revista Nós da Escola, uma publicação da MultiRio.
Ao fazer uma reflexão sobre a leitura e a escrita de adolescentes em sites, blogs, e-mails, listas de discussões, a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenadora do grupo de pesquisa Letramento, Interação e Conhecimento constatou que, ao divagarem sobre temas variados na internet, os jovens estão se voltando cada vez mais à expressão literária.
Os professores, no entanto, até por desconhecimento das possibilidades que o meio eletrônico oferece, encaram com um certo preconceito a forma peculiar da escrita “teclada”. Forma esta que, na opinião de Maria Thereza, é extremamente criativa. Seria importante, para ela, que os professores fizessem uma imersão no mundo virtual para “compreenderem melhor as práticas de leitura e escrita de seus alunos na internet e poder, assim, valorizá-las e integrá-las com o trabalho em sala de aula”.
Leia, abaixo, a entrevista concedida pela professora Maria Thereza Freitas para a equipe da Revista Nós da Escola, uma publicação da MULTIRIO.
De que maneira os jovens estão explorando o espaço virtual dos blogs?
Maria Thereza Freitas - Os blogs surgiram como um diário virtual e assim têm se constituído, mas aos poucos foram também assumindo outras características. Na atualidade as telas dos computadores são os lugares nos quais as pessoas projetam seus próprios dramas, dramas dos quais são os produtores, os diretores e os atores. As telas do computador são um novo lugar onde as pessoas expõem a sua privacidade para atrair a atenção de outros internautas. Isto é visível nas páginas do Blog, diários on-line nos quais as pessoas falam de tudo, principalmente de si mesmas, descrevendo suas rotinas, seus sonhos, esperanças, romances, angústias, frustrações, gostos e opiniões sobre o mundo. Nesse diário on-line as pessoas escrevem sobre si mesmas se expondo para que leitores penetrem em sua intimidade mostrada. Os jovens nesses diários on-line se projetam na tela e expõem sua privacidade para atrair a atenção de outros internautas ou buscar sua identidade numa interação com a própria língua, ou procurar a compreensão de si mesmos pelo exercício da escrita na qual se revelam. Revelação essa facilitada pela proteção da tela, pela liberdade de se expressarem para interlocutores virtuais, para alguém sem rosto.
Essa forma de escrita pode também estar sendo usada como um espaço literário autobiográfico ou mesmo como uma narrativa ficcional...
Maria Thereza Freitas - Divagando sobre temas variados encontra-se nos blogs pequenos contos, crônicas e até poesias. Na internet os jovens se envolvem em um jogo de simulação, imaginação e exposição que pode estar levando a uma proximidade com a literatura. Os jovens estão se voltando cada vez mais para o uso da linguagem escrita nas comunicações propiciadas pelo meio eletrônico. Com isto estão também se aproximando da leitura. Foi o que pude constatar por meio de uma pesquisa que coordenei, procurando compreender a leitura/escrita de adolescentes em chats, e-mails de listas de discussão e sites por eles construídos. Com a internet os jovens estão voltando à expressão literária, rudimentar embora, mas sujeita ao aprimoramento natural determinado pela própria necessidade de se exprimir.
Em que medida o comportamento dos jovens “blogueiros” se difere dos de outros jovens?
Maria Thereza Freitas - Penso que não se pode afirmar que os jovens blogueiros tenham um comportamento diferente de outros jovens. São jovens que se interessam por uma prática de escrita na qual encontram prazer e se encontram. Apesar de estarem falando de si mesmos estão em busca de um outro, de um interlocutor. Muitas vezes o autor de um blog pode estar escrevendo buscando reunir pessoas, formando um grupo ligado por interesses comuns (uma banda musical, um grupo que se reúne em algum canal de bate-papo da internet, um seriado televisivo etc). Assim, essa leitura/escrita, que propicia uma interação com o outro, contribui para a construção de conhecimentos e para a própria constituição da subjetividade. Entretanto, é preciso compreender a especificidade dessas intera-ções sociais possibilitadas pela internet. Não se trata de interações face a face, mas de um encontro virtual com o outro mediado pela leitura/escrita. A internet possibilita, pois, novos espaços de sociabilidade, inaugurando novas práticas de estar com o outro. Enquanto as interações sociais na realidade física se realizam de forma presencial, face a face, no mundo virtual elas são de natureza simbólica. Compreendo, assim, que os blogs podem estar propiciando aos jovens contemporâneos um espaço interativo que contribui para a constituição de sua subjetividade.
Os professores, embora estejam familiarizados com os blogs, têm a idéia de como explorá-lo?
Maria Thereza Freitas - Penso que de uma maneira geral os professores desconhecem os usos que seus alunos fazem da internet. Ignoram as práticas de leitura/escrita que a internet lhes possibilita e como eles a estão aproveitando. Existe até um certo preconceito em relação à internet por considerarem que nela se encontra de tudo e que os alunos não conseguem diferenciar o que presta e o que não presta. O preconceito se revela também na não aceitação da escrita telegráfica, abreviada, possibilitada pelas salas de bate-papo. Para um melhor conhecimento do uso da internet pelos seus alunos seria interessante que os professores realizassem em suas classes uma enquete sobre o assunto. De posse dos resultados passassem a visitar os sites por eles indicados, navegassem por entre os blogs que constroem, pelas listas de discussão mais freqüentadas, pelos chats por onde transitam. Essa emersão no virtual daria aos professores a oportunidade de compreenderem melhor as práticas de leitura/escrita de seus alunos na internet podendo valorizá-las e descobrindo formas de integrá-las com o trabalho em sala de aula.
Que usos interessantes o professor pode fazer dos chats com sua turma?
Maria Thereza Freitas - Tenho muito receio de uma escolarização ou pedagogização de uma prática sociocultural de leitura/escrita. O valor do chat está no seu uso prazeroso, na significação que lhe é atribuída por seus usuários: um bate-papo, um ponto de encontro entre amigos virtuais possibilitado pela escrita. Os interlocutores querem se comunicar, conversar. Essa interatividade é estabelecida mediada pelo computador, em tempo real e num espaço virtual. Para “conversar” neste espaço, os interlocutores se vêem compelidos a escrever. Uma escrita na qual não há uma preocupação com a correção, mas sim com a comunicação com o outro. Uma escrita teclada, em tempo real, abreviada, com características próprias. Pela especificidade do instrumento mediador da contempo-raneidade – o computador – os enunciados produzidos revestem-se de recursos propiciados por este instrumento e pela situação de produção. Os papeadores investem toda sua criatividade para conferir a seus interlocu-tores, nessa conversação escrita, o acesso ao sentido de forma mais global, favorecendo a condição ideal para uma interação social efetiva, tal como ocorre na relação face a face. Essa criatividade se manifesta na criação de códigos discursivos complexos, pois usam, ao mesmo tempo, o alfabeto tradicional, as caracteretas, os scripts e outros, que marcam a natureza processual e dinâmico-discusiva dessa “conversação”, aproximando-a da conversação face a face cotidiana, mas materializada na escrita “teclada”.
Essa conversa escrita ”teclada”, muitas vezes não é bem compreendida...
Maria Thereza Freitas - Ela é produzida de forma a tornar o discurso atraente, interessante e dinâmico para os interlocutores. A preocupação principal é manter o contato. Pela natureza da relação e pelas condições de produção, os interlocutores abrem mão de uma escrita rebuscada e formal, como a de um texto científico. É justamente por conhecerem esta escrita formal que eles a consideram inadequada para dar conta de veicular os sentidos específicos da interação que pretendem. A conversa escrita “teclada”, que se trava nas salas de bate-papo, reveste-se de características lingüístico-discursiva-processuais específicas, produzindo um novo estilo da língua que indica um novo gênero discursivo: a conversação nas salas de bate-papo. Por tudo o que foi dito não penso que o chat possa ser um recurso pedagógico. Ao transformá-lo nisso pode-se correr o risco de tirar dele o seu aspecto natural de prazer, de entretenimento. Talvez, o possível seja o aproveitamento do chat apenas como um meio de criar uma maior interlocução entre os colegas.
Que cuidados os professores devem ter na hora de incentivar atividades com blogs e chats?
Maria Thereza Freitas - É necessário que o professor compreenda bem o que é um blog e seus objetivos, o que é um chat com a finalidade de uma conversa teclada marcada por sua escrita especifica. Receio que uma forma de entretenimento seja usada com objetivos pedagógicos específicos. O chat por exemplo, pode ser usado para um relacionamento entre os colegas da própria turma ou até entre alunos de colégios diferentes mas sem a preocupação especifica de aprendizagem de conteúdos. Que ele seja usado dentro de sua finalidade: contato virtual entre os participantes. Quanto ao blog, tendo-se o cuidado de não torná-lo um objeto escolar, mantendo-se nele a espontaneidade, a liberdade de expressão, o gosto por escrever sobre si mesmo e ser lido por outros interlocutores, poderia ser uma excelente forma de desenvolver uma escrita pessoal e criativa.
Texto - Revista Nós da Escola, nº 23 / Publicada no site http://www.multirio.rj.gov.br/riomidia/
sábado, 31 de março de 2012
Maria Thereza Freitas, da Universidade de Juiz de Fora/MG, estuda a escrita e a leitura dos jovens
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário