quarta-feira, 24 de julho de 2013

Ninguém para trás

BOAS PRÁTICAS

Escola se destaca no acompanhamento da aprendizagem dos alunos e no incentivo à participação


No bairro de Rita Vieira, na periferia de Campo Grande (MS), a maior parte das ruas ainda é de terra batida - e muitas delas alagam nas chuvas. Entre terrenos baldios, herança de uma época em que havia muitas chácaras na região, veem-se casas recém-construídas, ainda no tijolo. Entre as residências simples, a imponente Escola Municipal de Tempo Integral Professora Iracema Maria Vicente impressiona.

Inaugurada em 2009, a escola foi projetada de maneira espraiada e possui espaços dedicados às diversas atividades que seus 570 alunos (do pré ao 5o ano) realizam durante nove horas e meia todos os dias. São quatro laboratórios: dois de tecnologia (e os alunos do 1o e 2o anos possuem, cada um, um notebook), um de artes e outro de ciências. "A criança que fica tanto tempo dentro da escola precisa de espaços e de dinâmicas para não ficar sentada o tempo todo", afirma Aldomira da Cunha Pereira, coordenadora pedagógica do 2o e 3o anos. Os professores também têm espaços próprios: além da sala de professores, existe uma sala de estudos para eles.

A arquitetura, no entanto, é a fachada de um projeto pedagógico que rendeu à escola não apenas o prêmio Gestão Escolar 2012, mas impressionantes índices de aprovação e baixíssima evasão. A defasagem idade-série é praticamente nula: entre os 570 alunos, apenas 4 estão defasados. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do 5o ano, em 2011, foi de 6,3, ultrapassando a meta nacional para 2021.

Parte essencial do sucesso da escola é o acompanhamento próximo do desenvolvimento de cada aluno feito por professores e gestores.

"Entender como funciona o processo de ensino dos professores e saber fazer a leitura dos níveis de aprendizado dos alunos é de fundamental importância para um bom gestor", avalia Vanda Luchesi, que foi diretora da unidade desde sua fundação até abril deste ano.

Por isso, o acompanhamento é feito em diversos níveis: junto às coordenadoras pedagógicas nas Horas de Trabalho e Planejamento das Aulas (HTPAs), nas visitas às salas, para observar a didática e as metodologias usadas pelos professores e ver como cada turma se porta diante das atividades propostas, e observando diretamente o resultado da produção dos estudantes. "Semanalmente o professor traz uma planilha e a gente analisa o desenvolvimento dos alunos. Ele avançou ou retrocedeu? Isso aconteceu por conta da estratégia adotada?

Vamos chamar a família?", explica Aldomira. Também uma vez por semana, professores de língua portuguesa e matemática deixam as atividades produzidas pelos alunos na mesa das coordenadoras ou da diretora. "Ao analisar a qualidade da produção e da escrita já separamos os alunos com dificuldades para ajudá-los e vibramos com os avanços das aprendizagens de cada um", conta Vanda. Essas crianças com dificuldades são encaminhadas para o projeto Mais Aprendizagem, um reforço que acontece de segunda a quinta-feira durante uma hora, com até 10 alunos por sala. "Os responsáveis por cada aluno são chamados e assinam um termo de compromisso, não podendo ter faltas injustificadas."

Além do reforço, Aldomira diz que as quatro coordenadoras, cientes de que será trabalhado um assunto no qual uma ou mais crianças da turma têm dificuldade, podem entrar na sala de aula e ajudá-las com orientações direcionadas enquanto o professor trabalha com toda a sala. Para ela, há um fator subjetivo ao sucesso do acompanhamento dos alunos: a forte parceria entre a equipe de professores e gestores. "Para conquistar essa liberdade de entrar em sala e ajudar é necessário ter confiança", ressalta.

Formação especialTodos os professores e membros da equipe gestora passaram por uma formação especial da Secretaria Municipal de Educação, baseada na metodologia do professor Pedro Demo, da Universidade de Brasília (UnB). Formulada para a escola de tempo integral, ela tem como princípio fundamental o direito de todos os alunos aprenderem, para que ninguém fique para trás. Assim, os alunos com mais dificuldades recebem mais atenção, de diversas formas, para que tenham o mesmo sucesso dos demais. "O aumento de tempo tem o objetivo de aprimorar a  aprendizagem dos alunos", adverte Vanda.

Demo prevê também a metodologia da problematização, que desenvolve o espírito crítico e investigador dos alunos em paralelo ao uso dos ambientes virtuais de aprendizagem, com a implantação gradativa de um computador por aluno. "A pesquisa e o estudo são mediados pelas tecnologias, e a partir da problematização deverão gerar transformação no âmbito escolar e da comunidade. O computador não é referência exclusiva, mas constante", diz Vanda. Assim, a alfabetização é um processo que caminha ao lado do que ela chama de "fluência tecnológica", que visa o desenvolvimento da autonomia do aluno para que ele aprenda a pesquisar, se informar, comunicar-se e pensar sozinho.

O trabalho pedagógico, nessa perspectiva, é guiado por cinco princípios: educar pela pesquisa, aprendizagem interativa, desenvolvimento da fluência tecnológica, inserção crítica na realidade e educação ambiental. O tempo de estudo dos educadores acontece durante as nove horas e meia em que estão na escola, por vezes no horário matutino, por vezes no vespertino. O mesmo acontece com as Atividades Curriculares Complementares (ACCs), que são misturadas às disciplinas e aos dois períodos de tempo livre orientados pelo professor que acontecem durante a semana. "Não existe dissociação de um turno para o outro como acontece na maioria das escolas com tempo ampliado", explica Vanda.

A formação é parte essencial dos resultados da escola, mas nem sempre é simples aplicar a teoria à prática. Ana Almeida Graça, professora do 5o ano, por exemplo, é grande admiradora da proposta pedagógica, mas relata dificuldade entre os educadores de colocá-la em prática tendo em vista o contexto socioeconômico e cultural das crianças. "A proposta é linda, mas temos de adaptá-la à nossa realidade, que não é fácil", diz.

Isso é feito tanto no plano teórico, em um esforço para buscar e estudar juntos novos autores e perspectivas, quanto no prático, com a mudança de rumos das aulas devido às dificuldades apresentadas pelos alunos. "Muitas vezes é necessário um acompanhamento diferenciado, mais individual ou com a família. E isso se torna às vezes um problema para dar continuidade ao conteúdo, mas procuramos resolver."

ComunidadeUma maneira encontrada pela equipe para enfrentar os problemas e carências que os alunos traziam de casa foi justamente levar a comunidade para dentro da escola. Hoje, essa participação é uma das engrenagens que faz a escola funcionar tão bem. "As reuniões são frequentadas por 98% dos pais". Nosso entorno tem a escola como referência, uma coisa boa no bairro, algo de que se orgulham muito", afirma a atual diretora, Tânia Versage.

A comunidade está inserida na escola de diversas maneiras, além dos tradicionais eventos. Uma delas é a acolhida, feita pela diretora e coordenadoras, em que os pais não deixam os filhos na porta e vão embora, mas entram, podem observar o filho no ambiente escolar e recebem orientações da equipe gestora. Nesse momento são tratados também valores éticos, discutindo-se temas como respeito, responsabilidade e tolerância com crianças e pais.

A escola ainda faz uma avaliação interna para saber o que os pais pensam sobre o trabalho desenvolvido com seus filhos.

Nas reuniões de pais essa aproximação também sempre foi estimulada. "Foi acontecendo gradativamente. Trouxemos a comunidade para dentro da escola resgatando a cultura de valorização da aprendizagem e do estudo", diz Aldomira. "Nas reuniões, mostramos aos pais como acompanhar a tarefa, ensinar a estudar. Foi uma construção." No início, ela conta que muitos pais se incomodavam com a constante demanda da escola por envolvimento, pois se sentiam pressionados. Mas aos poucos essa participação se tornou natural.

Os alunos também saem da escola e vão às casas do bairro fazer trabalhos na realidade local, por exemplo sobre a importância de respeitar a travessia de pedestres, ou uma campanha junto aos moradores para erradicar a dengue.

Outro programa fundamental que simboliza essa participação da comunidade na escola é o Eu atinjo minhas metas, criado para envolver mais os pais no ensino dos filhos e fazer com que as crianças percebam os resultados do que aprendem na escola. Cada aluno senta com o professor para avaliar seu desempenho e, com orientação, estabelece suas metas de aprendizagem. Em uma planilha, os alunos registram a nota que desejam atingir no bimestre, o que farão diariamente para atingir esses objetivos e quais atitudes atrapalham o seu desempenho. Outra parte da planilha é preenchida pela família, descrevendo o que irão fazer em casa para ajudar os filhos a atingirem suas metas. "O projeto é muito legal, porque quando os pais veem o boletim, olham as notas, as faltas, se o filho atingiu a meta, e assim começam a se envolver, se preocupam com a tarefa, com a prova, sobre a forma de avaliação e como podem ajudar o filho", comemora Aldomira.

Cristiane de Oliveira Maciel é funcionária pública estadual e mãe de Drielly Aparecida, aluna do 4º ano da escola. Ela participa das acolhidas, de todas as reuniões, festas e atividades da escola. "O que me chamam para fazer estou lá, participo de tudo. Sinto que faz muita diferença para a minha filha", diz.

A mãe gosta das atividades extras, pois estimulam a filha a ir para a escola. Drielly faz natação e participa do clube de xadrez, atividades que, segundo Cristiane, a família não poderia proporcionar.

Os resultados do trabalho da escola saltam aos olhos. O Ideb  passou de 5.1, em 2009, para 6,3 em 2011, e a escola atingiu 98% de aprovação. Na Prova Brasil 2011, no 5o ano, os índices foram de 220,9 para língua portuguesa e 237,2 para matemática. Já a rede de Campo Grande atingiu, na média, 209,3 e 228,2, respectivamente. O número é elevado também em comparação à média brasileira, que foi de 190,6 e 209,6. Os resultados subjetivos podem ser observados pela equipe. Segundo a diretora Tânia, a postura dos alunos e sua autonomia impressionam. "Mas só vamos conseguir ver os reais efeitos do nosso trabalho daqui a alguns anos."
Estudo de meio
A cada ano, os alunos da escola participam de um projeto interdisciplinar. No 5o ano, o trabalho é uma viagem de estudo de meio para o Pantanal. As crianças estudam a biodiversidade, a água e o clima do bioma através de uma visita à Fazenda São Francisco. Com isso, os alunos observam de perto a base econômica do estado, a agropecuária, e como a atividade pode ser feita em equilíbrio com o meio ambiente.

O dinheiro para a viagem é levantado em diversas frentes: uma parte da verba é do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), outra da festa junina da escola, e o restante é pedido para os pais. As crianças que não têm condições de pagar (em média 100 reais, parcelados em mais de seis vezes) são apadrinhadas por funcionários e membros da comunidade. "Poucos têm essa oportunidade de sair da cidade. É muito significativo para eles", afirma a professora Ana. Drielly, do 4o ano, está na expectativa para a viagem. "Ela está muito curiosa, tudo o que vê sobre o Pantanal ela assiste. É muito difícil a gente fazer alguma viagem", conta sua mãe.
 

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