- 1ª parte
Luiz Araújo
sexta-feira, 12 de julho de 2013
A redação de um plano nacional de
educação é uma oportunidade ímpar para retomar o debate sobre a relação entre
público e privado, talvez a polêmica mais recorrente nos debates educacionais
em nosso país.
Nunca é demasiado recordar que nossa
Constituição manteve posição contraditória sobre o tema. No seu artigo 205
garantiu a educação como um direito do povo brasileiro e estabeleceu que tal
direito seria um dever do Estado. Com a inscrição desta declaração reforçou o
caráter público da prestação da oferta educacional.
Porém, o texto constitucional garantiu
a existência de escolas particulares, permitindo no caso das não-lucrativas, o
recebimento de recursos públicos.
Podemos dizer que o espírito do
constituinte era de preservar o chamado “direito de escolha”, ou seja, o ensino
é público e no nível obrigatório será oferecido para todos, mas o cidadão tem o
direito de escolher frequentar uma escola particular. Obviamente que este
“direito” estaria condicionado a renda correspondente para comprar o produto
educacional oferecido pela rede particular.
A definição de escola pública
oferecida por Vieira (2008) é essencial para o debate travado neste momento na
tramitação do PNE. Escola pública é aquela financiada com recursos públicos,
provenientes da receita de impostos, mantidas e administradas pelas diferentes
instâncias do Poder Público. E escola privada é aquela instituída por pessoas
físicas e jurídicas de direito privado. Manter esta fronteira clara é
fundamental.
Em vários momentos este debate
permeia a redação do plano nacional de educação. Hoje e nos próximos dias
tentarei refletir sobre cada um destes aspectos.
O primeiro embate diz respeito sobre
a primazia da oferta pública como espinha dorsal do plano. A proposta enviada
pelo Executivo (PL nº 8035/2013, o texto aprovado pela Comissão Especial da
Câmara dos Deputados (PLC 103/2012) e o substitutivo aprovado na Comissão de
Assuntos Econômicos do Senado Federal, convivem com dubiedades sobre este
assunto.
A dubiedade fica explícita na
prioridade do financiamento público para a próxima década.
Durante a
primeira fase da tramitação a intenção governamental de promover um crescimento
da oferta educacional de maneira compartilhada com setor privado estava
presente de forma implícita (na memória de cálculo dos custos do plano e em
estratégias que incentivavam o conveniamento com o setor privado na educação
infantil e subsídios a oferta privada no ensino profissionalizante e superior);
Houve uma
tentativa fracassada do então relator da matéria, deputado Ângelo Vanhoni
(PT/PR) de incorporar os cálculos de custo do plano os gastos com a área
privada, mas a forma aloprada com que foi feita acabou abortando a explicitação
desta intenção.
Foi somente com o relatório do
senador Pimentel (PT/CE) que o governo e sua bancada decidiu apresentar de
forma explícita a ideia de compartilhamento com o setor privado. A alteração do
indicador que mensura o investimento educacional em relação ao PIB é a síntese
desta nova postura. Ao invés de contabilizar apenas o investimento público
direto na rede pública, o substitutivo contabiliza todos os investimentos
repassados para a iniciativa privada.
Considero que o conceito implícito dos
textos em debate é de que o setor privado tem a mesma estatura que o setor
público na prestação dos serviços educacionais, conceito que não corresponde ao
espírito do constituinte e pode, caso aprovado, comprometer o princípio de que
a educação é um direito de todos.
Amanhã comento os principais aspectos deste debate.
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Continuaremos refletindo sobre a relação entre público e privado nos
textos do PNE em debate no Congresso Nacional. Hoje me deterei na análise da
redação oferecida pelo relator da matéria na CAE do Senado, inscrita no
parágrafo 5º do artigo 5º do substitutivo aprovado por aquela comissão.
O texto é o seguinte:
Artigo 5º
..............................
............................................
§ 5º O investimento público em
educação a que se refere o art. 214, inciso VI, da Constituição Federal,
engloba o dispêndio total em educação pública, os recursos aplicados na forma
do art. 213 da Constituição Federal, bem como os recursos aplicados nos
programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma
de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no
exterior, e os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil
para garantir o acesso à educação.
E aqui é apresentado um debate jurídico
instigante. Na primeira parte do texto há a inclusão nos cálculos dos
investimentos educacionais dos “recursos aplicados na forma do artigo 213 da
Constituição Federal”. Este artigo tem a seguinte redação:
Art. 213. Os recursos públicos
serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
I - comprovem finalidade não
lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de seu
patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao
poder público, no caso de encerramento de suas atividades.
§ 1º Os recursos de que trata este
artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e
médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos,
quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade
da residência do educando, ficando o poder público obrigado a investir
prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2º As atividades universitárias de
pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do poder público.
Somente entidades “comunitárias,
confessionais ou filantrópicas” poderiam ser beneficiadas por esta medida, mas
a mesma seria a exceção. Também o constituinte permitiu, também em caráter
transitório, a concessão de bolsas de estudos no ensino fundamental e médio,
“quando houver falta de vagas”, deixando claro que o poder público deveria
reverter tal insuficiência por meio de investimentos em sua própria rede.
Há intensa polêmica de como a
legislação subseqüente lidou com o detalhamento do que seriam estas entidades
passíveis de recebimento de recursos públicos, ocorrendo um constante
alargamento da brecha de financiamento ao setor privado. Tal situação é
evidente na caracterização do que vem a ser uma instituição comunitário no
ensino superior.
Acontece que o substitutivo da CAE do
Senado vai bem mais além. Utilizando a expressão “bem como”, ou seja, incluindo
assuntos não cobertos na sentença anterior, inclui “os recursos aplicados nos
programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma
de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no
exterior, e os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil
para garantir o acesso à educação”.
No meu entender não podem ser
incluídos como recursos educacionais o rol listado pelo relator. Explico o
porquê:
1. O artigo
213 da CF é claro: somente pode receber recursos públicos entidades
comunitárias, confessionais e filantrópicas que cumpram as duas exigências
constantes dos seus incisos. Não se enquadra nesta definição as entidades
particulares, com fins lucrativos que são beneficiadas de isenção fiscal em
troca de bolsas do PROUNI.
2. As bolsas
do PRONATEC não são para ensino fundamental e médio e seus beneficiários
incluem também entidades privadas não cobertas pela redação do artigo 213 da
CF.
Mas o que devemos discutir na
essência é a destinação prioritária do fundo público. A brecha constitucional
não pode ser transformada em avenida preferencial de oferta do ensino na
próxima década, situação que é favorecida pela redação oferecida pelo
substitutivo da CAE do Senado. Ao ampliar o indicador o texto está incentivando
a migração de recursos das escolas públicas para uma miríade de escolas
privadas.
Em sua fundamentação, em um lampejo
de sinceridade, o relator apresenta a sua visão sobre esta polêmica. Para o
senador Pimentel a atuação do setor privado é indispensável, termo que não
encontra guarida no artigo 213, por que coloca em pé de igualdade de
essencialidade o público e o privado.
Na verdade, por trás da mudança do conceito de “direto” para “total” se
esconde uma concepção de compartilhamento da futura oferta escolar prevista no
PNE com o setor privado e, por conseguinte, incremento dos subsídios a este
setor, seja na forma de isenção fiscal, bolsas ou conveniamento.
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