sábado, 22 de março de 2014

Poetisa, educadora e escritora, com a força emblemática de seu nome, Maria é de Arruda Muller

Da Redação - Marianna Marimon

 Parar tentar entendê-la é preciso colocar-se em seu lugar, delinear por seus anseios, pela sua vida repleta de ações sociais, de educação, de poesia. Talvez, seja este seu ponto principal: era uma poetisa, e os poetas são atormentados pela realidade do mundo que não podem mudar, e recorrem ao papel para enfim, terem a liberdade almejada. As ruelas de Cuiabá eram ainda mais apertadas, afinal, no século XIX, as mulheres ainda ocupavam um papel de coadjuvantes na história. Mas, seu nome é Maria, e como toda Maria, rompeu com o que não cabia em seu coração de poeta e abrigou o mundo em um abraço maior que a sua vida. Educadora, poetisa, escritora. A segunda mulher a ocupar uma cadeira na Academia Mato-grossense de Letras em 1930, não é só Maria é Maria de Arruda Müller (1898-2003).

Sua vida foi longa e fechou seus olhos pela última vez aos 104 anos. Sua história revela toda a coragem que havia em seu coração e em sua vontade em ser mais do que as meninas que esperam sentadas no baile. Sua vontade era levantar e dançar sozinha para conquistar o mundo com as palavras, com a educação, e fez de Cuiabá, uma cidade melhor, que pode vivenciar toda a bondade que havia em ensinar para transformação das mentes e da cultura.

Desde o início demonstrou a vocação para aquilo que faria para o resto de sua vida, afinal, aos cinco anos de idade já havia sido alfabetizada pela mãe. Sua missão alcançou o resultado, e em 2002, em seu último ano de vida, antes de dar o suspiro final, recebeu do Ministério da Educação, a Ordem Nacional do Mérito Educativo, grau de Grande Oficial, como a mais antiga educadora do Brasil.

Maria de Arruda Müller vivenciou três séculos de história, e pode ver o mundo se transformar aos seus olhos questionadores, que viviam além do que a margem pode mostrar. Filha do coronel João Pedro de Arruda e de Adelina Ponce de Arruda e neta de Generoso Ponce, começou a vida profissional como auxiliar de professora. Casou com Júlio Muller, em abril de 1919, o então interventor do Estado de Mato Grosso. Teve sete filhos e uma enorme prole de netos, bisnetos e tataranetos.

Em 1916, nascia em Cuiabá, a revista feminista “A Violeta”, tendo em Maria uma das fundadoras. A revista ocupou o 2º lugar na história do país em longevidade na lista dos periódicos escritos e dirigidos por mulheres. A escritora e pesquisadora da literatura, Yasmin Nadaf mergulhou no universo feminino de A Violeta e lançou o livro “Sob o signo de uma flor – Estudo de A Violeta, publicação do Grêmio Literário Júlia Lopes – 1916 a 1950” de 1993.

Estas pesquisas evidenciaram que as escritoras de Mato Grosso, seguiam os cânones do Movimento Literário Romântico no Brasil. A revista que foi uma empreitada de Maria, reúne um significativo e legítimo volume da escrita de autoria feminina do Estado e revelava parte acentuada deste universo do passado. Um olhar destas mulheres sobre elas mesmas e o contexto social na qual estão inseridas. É difícil imaginar como produziam tanto em uma época em que as mulheres não eram consideradas intelectualmente. Maria rompeu paradigmas.

“Não era apenas um periódico literário, mas também abordou a política, a história, o feminismo, a moda para a mulher, a culinária, a campanhas educativas, de higiene e de saúde, a registros da sociedade mato-grossense, etc. Seu ecletismo temático foi tamanho que levou a revista à ambigüidade: de um lado o individualismo, o amor subjetivo, o culto à beleza da natureza, as flores, o luar, o pôr-do-sol, e de outro, o desejo de solidariedade, o amor à pátria, as lutas pelo progresso da região de Mato Grosso e pela educação e profissionalização da mulher. Isolou-se do real com signos como o da flor, e ao mesmo tempo dele se aproximou quando falou do Progresso, da Civilização e da Modernidade, que englobam a cultura, a educação, o saneamento, a comunicação, o transporte, a saúde, a realidade circundante”, acrescenta Yasmin em sua pesquisa.

A vida literária da época também ganhou o coração destas mulheres que realizavam saraus literários como o sarau do Grêmio “A Violeta falada”, entre outros encontros literários e políticos. E nossa icônica Maria Muller assinava suas publicações com diversos pseudônimos como Mary, Chloé, Vampira, Consuelo, Sara, Lucrécia, Ofélia e Vespertina.

Foram 76 anos dentro das salas de aula: só saiu aos 96 por problemas de saúde, e também dedicou sua vida com o social e a política. Fundou o Abrigo Bom Jesus de Cuiabá (dos Velhos e das Crianças). Em 1942, revelando seu lado de ativista feminina, fundou a Sociedade de Proteção à Maternidade e Infância de Cuiabá. Presidiu a LBA – Legião Brasileira de Assistência durante a Segunda Guerra Mundial.

Como escritora, publicou em 1972 o livro 'Família Arruda'. Anos depois, em parceria com a amiga, musicista e poetisa Dunga Rodrigues, escreveu "Cuiabá ao longo de 100 anos". Outra obra de sucesso foi lançada em comemoração ao centenário de Maria de Arruda Müller. No ano de 1998 ela publicou "Sons Longínquos", uma coletânea de seus poemas. Sua atuação rendeu-lhe o seu nome no Colégio Liceu Cuiabano.

Um sopro de memória que nos leva para os caminhos de uma mulher que desbravou as letras para firmar seu espaço em uma sociedade machista e patriarcal. O seu olhar sobre o mundo tentou traduzir um pouco do seu universo particular em poemas, em textos, e abriu precedentes para que outras mulheres tivessem a coragem de buscar o seu lugar. Maria foi como muitas outras Marias, mas não deixou de ter a força significativa e emblemática que carrega o seu nome. Sua presença pode não ser mais física, mas suas palavras continuarão a embalar a esperança que há nos corações cuiabanos.

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