As mídias e os espaços educativos: qual relação? Como as mídias entraram nas escolas? Que relação possui a educação e a comunicação? Que perspectivas e correntes de pensamento existem para lidar com essa relação? Michelle Prazeres compartilha suas idéias no artigo abaixo, publicado no site do Observatório do Direito à Comunicação.
Michelle Prazeres
Precisamos avançar em relação ao discurso de que as mídias precisam entrar nos espaços educativos e estes precisam acompanhar o cenário de centralidade da comunicação nos dias de hoje. Este acompanhamento, em geral, diz respeito à adoção de disciplinas ou programas que levem para os educandos não apenas as mídias enquanto instrumentos, mas também a nova forma de construção do pensamento e do conhecimento que a centralidade da comunicação - aliada ao avanço das novas tecnologias - traz como desafios para a escola e para os espaços de educação não-escolar.
A verdade é que as mídias já invadiram os espaços educativos. É necessário avaliarmos de que forma elas os ocupam. É preciso desnaturalizar, desfragmentar e historicizar a presença das mídias (e da lógica comunicacional) nestes espaços. Só assim conseguiremos pensar a chegada destes meios (e de todo o lastro que eles carregam) nestes ambientes de maneira consequente. Trata-se, basicamente, de exercer a crítica sobre um processo que já está em curso.
Desnaturalizar é preciso, porque, sim, vivemos em um mundo midiático e midiatizado, mas se não pensarmos de que forma queremos que a educação aborde este mundo e se insira nele, corremos o risco de promover uma formação que o reproduz, o conduz e não o vê com postura analítica e crítica, buscando intervir em seus rumos.
Desfragmentar é preciso, porque não é suficiente fazer a crítica dos conteúdos e produzir mídias alternativas – ou, no caso da educação escolar, mídias escolares. É necessário avançar para o debate da estrutura das comunicações e das políticas que estão em jogo (e em construção, no caso do Brasil).
Historicizar é preciso para dar conta das outras duas necessidades: contextualizando e pensando a intervenção da mídia nos sujeitos e na relação dos meios de comunicação e da cultura comunicacional com as demais matrizes de cultura. Desta forma, podemos chegar a uma análise completa do objeto em questão.
É preciso pontuar que a ênfase do discurso do “atraso” em relação aos novos meios e formas de comunicação é sempre na escola. No entanto – e é preciso pesquisar estes dados - hoje em dia, são cada vez mais numerosos os programas informais e projetos de ONGs e movimentos que trabalham a questão das mídias, especialmente com crianças e adolescentes.
Nestes espaços – e também nas escolas – são múltiplas as formas de presença dos instrumentos de mídia. E muito mais variadas são as maneiras de interpretar a sua determinação no nosso modo de vida atual.
Uma nova cultura, comunicacional Aí, vocês vão me perguntar: mas os meios de comunicação sempre foram usados na escola? Foram e são especialmente utilizados como instrumentos de educação popular. Sim, mas a grande diferença em relação aos dias de hoje é que estas mídias deixaram de ser apenas suportes. Com o advento da internet e das novas tecnologias, e a popularização (ainda que inconclusa, em função do grande número de excluídos digitais no país) do microcomputador e dos celulares, a relação com a comunicação mudou.
Mudou a forma que construímos o pensamento e o conhecimento. A comunicação segue tendo sua materialidade nos meios, mas age fundamentalmente na subjetividade das pessoas. As mídias são uma nova instituição de socialização, que é tão central na formação dos sujeitos contemporâneos quanto a escola, a família, o trabalho, a religião, etc.
O fato é que, por ocuparem esta centralidade, os meios e a mídia (entendida enquanto esta nova matriz de cultura) entraram na escola e nos espaços educativos de forma “natural”. Afinal de contas, é dever da educação acompanhar estas tendências, e formar indivíduos preparados para lidar com a contemporaneidade e com o mundo cada vez mais interconectado, computadorizado, eletrônico e de linguagens cada vez mais cifradas por novos códigos que este cenário traz à cena.
Pois bem. A escola e os ambientes educativos em geral precisam formar indivíduos capazes de entender, interpretar e dialogar com esta realidade. No entanto, de que maneira a comunicação está entrando nos espaços educativos? Vou buscar fazer um breve (e necessariamente incompleto) arrazoado a partir de algumas formas que conheci ou presenciei ou mesmo apliquei, enquanto metodologia, com grupos de jovens estudantes ou participantes de projetos.
Mídias na educação: que relação? Uma primeira abordagem para a presença das mídias na educação seria aquela mais funcionalista, das tecnologias no ambiente educativo (ou na sala de aula), que está situada no campo da didática. Consiste, basicamente, no uso de mídias para melhorar a performance do educador. Encontra variações, como, por exemplo, a educação à distância.
Uma outra possibilidade é a da chamada alfabetização digital, cujo nome denota o que vem a ser: a formação na linguagem dos computadores e softwares.
Uma corrente de pensamento conhecida como pedagogia da comunicação é uma terceira possibilidade de interpretar a relação entre comunicação e educação. Mais ampla, esta relação estaria no âmbito de ambas enquanto processos de socialização. Concebe a educação como processo comunicativo e a comunicação como processo educativo, explorando campos mais teóricos da questão e propondo uma relação dialógica entre educador e educando. Na realidade, um modo de ver a relação entre educação e comunicação, que pode ser entendido como fundamentação dos demais que listarei a seguir.
A educomunicação é, certamente, um dos conceitos mais difundidos entre todas estas concepções da relação entre mídia e educação. Não vem ao caso aqui explorar seu surgimento e sua trajetória, mas apenas buscar entender de que maneira associa as duas áreas, inclusive gerando uma nova nomenclatura, que terminou sendo aplicada a todo tipo de reflexão sobre a sua união enquanto um terceiro campo.
Os estudiosos apontam que ele não se trata de educação, tampouco de comunicação, mas de um terceiro processo, que se dá nos chamados ambientes educomunicativos. Reúne a produção participativa de mídia - ou educação para a mídia, que entende que a produção de comunicação oferece uma visão do processo e um entendimento mais crítico da mídia - e a leitura crítica das mídias.
Trata-se, grosso modo, da formação da consciência para a ação, entendendo a mídia como um objeto a ser analisado criticamente e também como instrumento para a ação política. Neste campo, estão as conhecidas mídias escolares, como jornais de escola, rádios, etc. Em São Paulo, um exemplo clássico é o projeto Educom.rádio, que, entre 2001 e 2004, realizou em todas as escolas de ensino fundamental da capital uma capacitação para o uso da linguagem radiofônica e de equipamentos de rádio.
Ainda é possível uma outra chave de leitura: a da educação crítica para a mídia. Esta consiste na produção participativa da mídia aliada à leitura crítica. A diferença é que aqui entra o ingrediente de pensar politicamente a comunicação e sua relação com as demais instituições e matrizes de cultura.
Seria a formação da consciência comunicativa na ação midiática. Um exemplo é a Revista Viração, iniciativa de uma ONG de São Paulo, que é produzida por jovens e que – entre outros temas – discute a questão da comunicação como direito, da democratização dos meios de comunicação, do software livre e de tantas outras questões políticas da área, como a classificação indicativa das obras audiovisuais, tema intimamente relacionado ao direito das crianças e adolescentes.
Além da leitura crítica, há uma visão de que, produzindo comunicação, os jovens estão se contrapondo a um cenário de concentração e monopólio dos meios, produzindo comunicação alternativa. Ou seja, esta vertente encampa a leitura crítica dos conteúdos (veiculados pelas mídias), da estrutura (do cenário das comunicações, monopólios, concentração dos meios) e das políticas de comunicação.
Criticar e avançar Estas linhas, correntes de pensamento ou chaves de leitura não se relacionam hierarquicamente. Mas se relacionam. E ainda deixam muitas brechas. Ou seja, não dão conta de todo o espectro de possibilidades da relação entre a educação e este mundo de mídia em que vivemos.
Mas nos oferecem um mosaico. E ele nos aponta que, na realidade, as relações teóricas e práticas entre educação e comunicação, mídias e escola, meios e espaços educativos ainda estão em construção. Mais do que isso, estão em disputa. Minha sugestão é de que reflitamos. Exerçamos a crítica. Desnaturalizemos e desfragmentemos estes vínculos e pensemos como deve ser esta educação midiática ou comunicacional.
Esta atitude diz respeito a investigar como deve ser uma educação que responda aos desafios de uma contemporaneidade híbrida, mesclada e inconclusa. Eis um papel que deve ser exercido por nós, educadores, pesquisadores e comunicadores. Pois o risco é nos tornarmos – e formarmos – meros reprodutores.
Michelle Prazeres é jornalista, doutoranda em Educação pela FE-USP. Assessora de comunicação da ONG Ação Educativa e da Associação Brasileira de ONGs – ABONG.
Fonte: Observatório do Direito à Comunicação
Precisamos avançar em relação ao discurso de que as mídias precisam entrar nos espaços educativos e estes precisam acompanhar o cenário de centralidade da comunicação nos dias de hoje. Este acompanhamento, em geral, diz respeito à adoção de disciplinas ou programas que levem para os educandos não apenas as mídias enquanto instrumentos, mas também a nova forma de construção do pensamento e do conhecimento que a centralidade da comunicação - aliada ao avanço das novas tecnologias - traz como desafios para a escola e para os espaços de educação não-escolar.
A verdade é que as mídias já invadiram os espaços educativos. É necessário avaliarmos de que forma elas os ocupam. É preciso desnaturalizar, desfragmentar e historicizar a presença das mídias (e da lógica comunicacional) nestes espaços. Só assim conseguiremos pensar a chegada destes meios (e de todo o lastro que eles carregam) nestes ambientes de maneira consequente. Trata-se, basicamente, de exercer a crítica sobre um processo que já está em curso.
Desnaturalizar é preciso, porque, sim, vivemos em um mundo midiático e midiatizado, mas se não pensarmos de que forma queremos que a educação aborde este mundo e se insira nele, corremos o risco de promover uma formação que o reproduz, o conduz e não o vê com postura analítica e crítica, buscando intervir em seus rumos.
Desfragmentar é preciso, porque não é suficiente fazer a crítica dos conteúdos e produzir mídias alternativas – ou, no caso da educação escolar, mídias escolares. É necessário avançar para o debate da estrutura das comunicações e das políticas que estão em jogo (e em construção, no caso do Brasil).
Historicizar é preciso para dar conta das outras duas necessidades: contextualizando e pensando a intervenção da mídia nos sujeitos e na relação dos meios de comunicação e da cultura comunicacional com as demais matrizes de cultura. Desta forma, podemos chegar a uma análise completa do objeto em questão.
É preciso pontuar que a ênfase do discurso do “atraso” em relação aos novos meios e formas de comunicação é sempre na escola. No entanto – e é preciso pesquisar estes dados - hoje em dia, são cada vez mais numerosos os programas informais e projetos de ONGs e movimentos que trabalham a questão das mídias, especialmente com crianças e adolescentes.
Nestes espaços – e também nas escolas – são múltiplas as formas de presença dos instrumentos de mídia. E muito mais variadas são as maneiras de interpretar a sua determinação no nosso modo de vida atual.
Uma nova cultura, comunicacional
Aí, vocês vão me perguntar: mas os meios de comunicação sempre foram usados na escola? Foram e são especialmente utilizados como instrumentos de educação popular. Sim, mas a grande diferença em relação aos dias de hoje é que estas mídias deixaram de ser apenas suportes. Com o advento da internet e das novas tecnologias, e a popularização (ainda que inconclusa, em função do grande número de excluídos digitais no país) do microcomputador e dos celulares, a relação com a comunicação mudou.
Mudou a forma que construímos o pensamento e o conhecimento. A comunicação segue tendo sua materialidade nos meios, mas age fundamentalmente na subjetividade das pessoas. As mídias são uma nova instituição de socialização, que é tão central na formação dos sujeitos contemporâneos quanto a escola, a família, o trabalho, a religião, etc.
O fato é que, por ocuparem esta centralidade, os meios e a mídia (entendida enquanto esta nova matriz de cultura) entraram na escola e nos espaços educativos de forma “natural”. Afinal de contas, é dever da educação acompanhar estas tendências, e formar indivíduos preparados para lidar com a contemporaneidade e com o mundo cada vez mais interconectado, computadorizado, eletrônico e de linguagens cada vez mais cifradas por novos códigos que este cenário traz à cena.
Pois bem. A escola e os ambientes educativos em geral precisam formar indivíduos capazes de entender, interpretar e dialogar com esta realidade. No entanto, de que maneira a comunicação está entrando nos espaços educativos? Vou buscar fazer um breve (e necessariamente incompleto) arrazoado a partir de algumas formas que conheci ou presenciei ou mesmo apliquei, enquanto metodologia, com grupos de jovens estudantes ou participantes de projetos.
Mídias na educação: que relação?
Uma primeira abordagem para a presença das mídias na educação seria aquela mais funcionalista, das tecnologias no ambiente educativo (ou na sala de aula), que está situada no campo da didática. Consiste, basicamente, no uso de mídias para melhorar a performance do educador. Encontra variações, como, por exemplo, a educação à distância.
Uma outra possibilidade é a da chamada alfabetização digital, cujo nome denota o que vem a ser: a formação na linguagem dos computadores e softwares.
Uma corrente de pensamento conhecida como pedagogia da comunicação é uma terceira possibilidade de interpretar a relação entre comunicação e educação. Mais ampla, esta relação estaria no âmbito de ambas enquanto processos de socialização. Concebe a educação como processo comunicativo e a comunicação como processo educativo, explorando campos mais teóricos da questão e propondo uma relação dialógica entre educador e educando. Na realidade, um modo de ver a relação entre educação e comunicação, que pode ser entendido como fundamentação dos demais que listarei a seguir.
A educomunicação é, certamente, um dos conceitos mais difundidos entre todas estas concepções da relação entre mídia e educação. Não vem ao caso aqui explorar seu surgimento e sua trajetória, mas apenas buscar entender de que maneira associa as duas áreas, inclusive gerando uma nova nomenclatura, que terminou sendo aplicada a todo tipo de reflexão sobre a sua união enquanto um terceiro campo.
Os estudiosos apontam que ele não se trata de educação, tampouco de comunicação, mas de um terceiro processo, que se dá nos chamados ambientes educomunicativos. Reúne a produção participativa de mídia - ou educação para a mídia, que entende que a produção de comunicação oferece uma visão do processo e um entendimento mais crítico da mídia - e a leitura crítica das mídias.
Trata-se, grosso modo, da formação da consciência para a ação, entendendo a mídia como um objeto a ser analisado criticamente e também como instrumento para a ação política. Neste campo, estão as conhecidas mídias escolares, como jornais de escola, rádios, etc. Em São Paulo, um exemplo clássico é o projeto Educom.rádio, que, entre 2001 e 2004, realizou em todas as escolas de ensino fundamental da capital uma capacitação para o uso da linguagem radiofônica e de equipamentos de rádio.
Ainda é possível uma outra chave de leitura: a da educação crítica para a mídia. Esta consiste na produção participativa da mídia aliada à leitura crítica. A diferença é que aqui entra o ingrediente de pensar politicamente a comunicação e sua relação com as demais instituições e matrizes de cultura.
Seria a formação da consciência comunicativa na ação midiática. Um exemplo é a Revista Viração, iniciativa de uma ONG de São Paulo, que é produzida por jovens e que – entre outros temas – discute a questão da comunicação como direito, da democratização dos meios de comunicação, do software livre e de tantas outras questões políticas da área, como a classificação indicativa das obras audiovisuais, tema intimamente relacionado ao direito das crianças e adolescentes.
Além da leitura crítica, há uma visão de que, produzindo comunicação, os jovens estão se contrapondo a um cenário de concentração e monopólio dos meios, produzindo comunicação alternativa. Ou seja, esta vertente encampa a leitura crítica dos conteúdos (veiculados pelas mídias), da estrutura (do cenário das comunicações, monopólios, concentração dos meios) e das políticas de comunicação.
Criticar e avançar
Estas linhas, correntes de pensamento ou chaves de leitura não se relacionam hierarquicamente. Mas se relacionam. E ainda deixam muitas brechas. Ou seja, não dão conta de todo o espectro de possibilidades da relação entre a educação e este mundo de mídia em que vivemos.
Mas nos oferecem um mosaico. E ele nos aponta que, na realidade, as relações teóricas e práticas entre educação e comunicação, mídias e escola, meios e espaços educativos ainda estão em construção. Mais do que isso, estão em disputa. Minha sugestão é de que reflitamos. Exerçamos a crítica. Desnaturalizemos e desfragmentemos estes vínculos e pensemos como deve ser esta educação midiática ou comunicacional.
Esta atitude diz respeito a investigar como deve ser uma educação que responda aos desafios de uma contemporaneidade híbrida, mesclada e inconclusa. Eis um papel que deve ser exercido por nós, educadores, pesquisadores e comunicadores. Pois o risco é nos tornarmos – e formarmos – meros reprodutores.
Michelle Prazeres é jornalista, doutoranda em Educação pela FE-USP. Assessora de comunicação da ONG Ação Educativa e da Associação Brasileira de ONGs – ABONG.
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