quinta-feira, 28 de julho de 2011

CÉREBRODE PIPOCA

por Gilberto Dimenstein*

"Quem faz muitas tarefas ao mesmo tempo, condicionando seu cérebro, ficamenos funcional. Não sabe perceber as emoções e trabalhar em equipe, não sabefocar o que é relevante e tem dificuldade de estabelecer um projeto que exigeum mínimo de linearidade"

O Google anunciou, na semana passada, um projeto para enfrentar o Facebook,disposto a reinventar a mídia social. A notícia teve óbvio impacto mundial edespertou a curiosidade sobre mais uma rodada de inovações tecnológicas,capazes de nos fazer ainda mais conectados.

Nodia seguinte, porém, o Facebook reagiu e anunciou para esta semana uma novidadetambém de grande impacto, possivelmente em celulares. Para alguns psicólogosamericanos, esse tipo de disputa produz um efeito colateral, um distúrbio jábatizado de “cérebro de pipoca”.

Esse distúrbio é provocado pelomovimento caótico e constante de informações, exigindo que se executemsimultaneamente várias tarefas. Por causa de alterações químicas cerebrais, a vítima passa a terdificuldade de se concentrar em apenas um assunto e de lidar com coisas simplesdo cotidiano, como ler um livro, conversar com alguém sem interrupção oudirigir sem falar ao celular. É como se as pessoas tivessem dentro da cabeça aagitação do milho explodindo no óleo quente.

Afalta de foco gera entre os portadores do tal “cérebro de pipoca”um novo tipo de analfabetismo: o analfabetismo emocional, ou seja, adificuldade de ler as emoções no rosto, na postura ou na voz dos indivíduos, oque torna complicado o relacionamento interpessoal.

Souum tanto desconfiado de notícias alarmantes provocadas pelo surgimento de novastecnologias. Toda ruptura desencadeia uma onda de nostalgia e de temores emrelação ao futuro.

Masalgumas pesquisas em torno do “cérebro de pipoca” merecem atençãopor afetar o processo de aprendizagem. Uma delas foi realizada em Stanford, auniversidade que, por ajudar a criar o Vale do Silício, na Califórnia,impulsionou a tecnologia da informação.

Nesteano, Clifford Nass, professor de psicologia social na Universidade Stanford,apresentou, num seminário sobre tecnologia da informação, a pesquisa que fezcom jovens que passam muitas horas por dia na internet, acostumados a tocarmuitas tarefas ao mesmo tempo.

Elemostrou fotos com diversas expressões e pediu que os jovens identificassem asemoções. Constatou a dificuldade dos entrevistados. “Relacionamento é algo que se aprende lendo asemoções dos outros”, afirma Nass.

Oproblema, segundo ele, está tanto na falta de contato cara a cara com aspessoas como na dificuldade de manter o foco e verificar o que é relevante,percebendo sutilezas, o que exige atenção.

Ospesquisadores estão detectando há tempos uma série de distorções, como acompulsão para se manter conectado, semelhante a um vício.

Trata-sede uma inquietude permanente, provocada pela sensação de que o outro, naquelemomento, está fazendo algo mais interessante do que aquilo que se está fazendo.Tome o Facebook ou qualquer outra rede social.

Chegarama desenvolver um programa que envia para o celular da pessoa um aviso sempreque um amigo dela está se aproximando de onde ela está.

Oestímulo, porém, começa no mercado de trabalho. Vemos nos anúncios de empregouma demanda por pessoas que façam muitas coisas ao mesmo tempo.
Maso que Nass, o professor de Stanford, entre outros pesquisadores, defende é ocontrário. Quem faz muitas tarefas ao mesmo tempo, condicionando seu cérebro,fica menos funcional. Nãosabe perceber as emoções e trabalhar em equipe, não sabe focar o que érelevante e tem dificuldade de estabelecer um projeto que exige um mínimo delinearidade. Não sabe, em suma, diferenciar o valor das informações.

Não deixa de ser um pouco absurdo valorizar tanto os recursos tecnológicos que aproximamas pessoas virtualmente, mas que as afastam na vida real.
Daíse entende, em parte, segundo os pesquisadores, por que, em todo o mundo, estáexplodindo o consumo de remédios de tarja preta para tratar males como aansiedade e a hiperatividade.

PS– Perto da minha casa, aqui em Cambridge, há uma padaria artesanal, commesas comunitárias, que decidiu ir contra a corrente. Seus proprietáriossimplesmente proibiram que se usasse celular lá dentro para diminuir a poluiçãosonora e a agitação. Sucesso total. O efeito colateral: ficou difícil conseguir lugar.

*Gilberto Dimenstein é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha deS.Paulo, comentarista da rádio CBN, e fundador da Associação Cidade EscolaAprendiz.

** Publicadooriginalmente no Portal Aprendiz.

Recbi do Korumbah

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