As notícias da área educacional veiculadas nas últimas semanas lançam luz sobre um problema crucial para o Brasil: a desarticulação do ensino público. Os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e, agora, do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (Pisa) ajudam a entender a gravidade da situação.
Os dados explicam por que o país se encontra em uma encruzilhada: apesar de estar entrando em um período de “bônus demográfico”, no qual há predominância de pessoas em idade economicamente ativa, o Brasil ainda se debate com o apagão de mão de obra, qualificada ou não.
O mercado de trabalho formal está aquecido, mas as empresas não conseguem preencher as vagas, enfrentando dificuldades até para as funções básicas, que não exigem experiência anterior, normalmente destinadas aos chamados “jovens de primeiro emprego”. As indústrias, que demandam profissionais muito mais qualificados, do engenheiro ao soldador, enfrentam dificuldades ainda maiores.
A única forma de entender essa contradição está na falta de qualidade do ensino nas etapas iniciais da formação dos jovens que hoje tentam ingressar no mercado de trabalho. E por trás de tudo está um sistema desarticulado, que gera desigualdade, perpetua a exclusão e, do ponto de vista do mercado de trabalho, produz mão de obra despreparada. Barrado pelos critérios de qualidade das empresas, um grande contingente de jovens tem nos projetos de qualificação profissional a última esperança. Mas, para as ONGs que atuam com a capacitação de jovens, o desafio é imenso. Para conseguir oferecer a formação específica, essas entidades precisam ir além da tarefa inicial, que seria qualificar para as funções de auxiliar administrativo, por exemplo. O desafio diário dos formadores é nivelar o conhecimento básico dos alunos, um grupo incrivelmente heterogêneo, que abriga normalmente rapazes e moças de 15 a 29 anos nos mais variados níveis de aprendizado.
Mas voltemos ao perfil da educação brasileira, esquadrinhado recentemente por uma série de pesquisas e levantamentos. Um deles, realizado pelo Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (Pisa), situa o Brasil em 53° lugar em uma lista de 65 países que tiveram o nível de aprendizado de seus alunos avaliado. Esse resultado preocupa, principalmente porque a comparação se fez no âmbito de uma entidade voltada para o desenvolvimento econômico das nações, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Desenvolvimento pressupõe educação e um país que exibe taxas de expansão tão exuberantes como o Brasil precisa enfrentar o desafio de nivelar por cima a qualidade do ensino público, sob o risco de desperdiçar oportunidades de crescimento que exijam profissionais qualificados.
A média geral dos alunos brasileiros, da 7ª à 9ª séries, avaliados pelo Pisa em 2009, foi de 401 pontos, abaixo de Bulgária, Romênia, México, Chile e Uruguai – apenas para citar países que não são páreo para o Brasil do ponto de vista econômico. Se isso já é ruim, a comparação das médias desagregadas dá ainda mais o que pensar.
A média nacional foi puxada para baixo pela péssima avaliação do ensino público estadual e municipal, que obteve apenas 387 pontos. As escolas particulares obtiveram 502 pontos, abaixo da pontuação das escolas federais (528 pontos). Se o ensino nacional fosse padronizado pelo nível de qualidade das escolas particulares, o Brasil estaria entre as 20 nações melhor avaliadas. Se o modelo fosse o das escolas federais, o país subiria para a lista dos oito países com os melhores resultados.
O estudo evidencia que o ensino público não é necessariamente ruim (a pontuação das federais as coloca agora no mesmo patamar do ensino universitário público, reconhecidamente o melhor do país) e que o desafio brasileiro é elevar a qualidade da educação oferecida por estados e municípios. As escolas particulares cobram bem caro pela qualidade que oferecem, enquanto as federais só aceitam os candidatos que passam por exame de seleção. A grande massa de crianças e jovens é atendida, obrigatoriamente, na rede pública, que se responsabiliza pelos nove anos do Ensino Fundamental. E que não se chama fundamental à toa: o futuro dos jovens brasileiros depende dele.
Olhando a educação pelo nível dos alunos que chegam aos projetos de qualificação profissional, a conclusão é que não podemos mais aceitar que a rede municipal, responsável pelo primeiro ciclo do ensino fundamental, faça menos que sua obrigação de alfabetizar as crianças e continue mandando-as para a rede estadual, após cinco anos de estudos, ainda despreparadas para enfrentar a complexidade do segundo ciclo (6º ao 9º ano) e, depois, o Ensino Médio. Também não podemos aceitar que a rede estadual, por sua vez, faça menos que sua obrigação, mandando para a vida e para o mercado de trabalho jovens que, após mais quatro anos de estudos, saem sem preparo para ser aprovados no mais elementar teste de ingresso em uma empresa e, menos ainda, passar em um concurso ou tentar o ingresso em uma faculdade ou escola técnica de qualidade.
Aparentemente, a divisão de responsabilidades entre estados e municípios funcionou quando a meta era universalizar o acesso ao ensino e a tarefa maior era construir e equipar escolas e contratar professores. Agora, o desafio é elevar a qualidade do ensino em âmbito nacional, o que requer, acima de tudo, trabalho conjunto, articulação de metas e um plano de cargos e salários que valorize todos os professores, independentemente da esfera administrativa. O ensino não pode continuar sendo gerido de maneira fragmentada. O Brasil quer e precisa de um padrão de qualidade único, em todas as esferas administrativas e ciclos educacionais. Por enquanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) não conseguiu promover a necessária articulação entre os níveis educacionais. Basta lembrar outra notícia recente: levantamento da ONG Ação Educativa mostrou que 16 Estados e o Distrito Federal não têm até hoje um plano estadual de educação (uma das premissas da LDB).
Não se pode negar a importância da redistribuição de renda e da elevação do padrão de consumo de camadas da população antes excluídas do mercado. Também é louvável o esforço do Governo Federal em projetos destinados à inserção social e profissional de jovens excluídos. Mas, em um país que apresenta taxas de crescimento elevadas, não é admissível que os frutos da expansão fiquem apenas nisso. Como já disseram os Titãs, “a gente não quer só comida”. A educação é a porta de entrada para todos os mundos: o do trabalho, da comunicação, das relações pessoais e do prazer de desfrutar de diversão e da arte.
*Marcelo Rocha é presidente da ONG Horizontes
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