O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) possui uma proposta
educativa baseada na participação, no trabalho e em pressupostos advindos de
premissas marxistas para a educação, propondo uma educação voltada para a
transformação social e para a possibilidade de libertação e emancipação dos
sujeitos educativos que estão inseridos no processo de construção do
conhecimento.
Esta pesquisa pretende analisar a forma pela qual a ideologia, ou visão social de mundo, de determinada sociedade, tem influência direta sobre suas práticas educativas, apoiada nos conceitos de reprodução social e transformação. Para tanto, o presente trabalho se utiliza de um recorte social, explorando sua inserção na sociedade e suas diretrizes pedagógicas: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. O contexto social analisado é o Assentamento Oziel Alves Pereira, localizado no município de Governador Valadares. O assentamento, criado desde 1996, se destaca social e politicamente, tratando-se da participação social e da formação de militantes Sem-Terra. O assentamento, que possui um expressivo núcleo de formação e oferece cursos para militantes de toda a América Latina, possui uma escola onde as crianças assentadas são conduzidas a uma prática escolar em concordância com a Pedagogia do MST.
Como procedimentos metodológicos, para a efetivação da pesquisa, foram utilizados dois eixos metodológicos: a observação participante e a entrevista. Ao longo da discussão proposta por esta pesquisa percebem-se as nuances da prática escolar observada, que se caracteriza por metodologias em favor da promoção da cidadania e da emancipação social.
Descrição dos Objetivos
Na presente pesquisa, busca-se analisar a forma como a visão social de mundo do movimento em questão, que aqui será chamada de ideologia, direciona suas práticas educativas e posturas pedagógicas. Também se procura analisar as nuances da prática educativa nas escolas do MST, e sua postura pedagógica frente a fatores como currículo, avaliação e metodologias de ensino.
Desenvolvimento
A formação dos sujeitos educativos através da Pedagogia do Movimento Sem-Terra
Considerando que as crianças sem-terra, chamadas pelos próprios integrantes do movimento como sem-terrinhas, têm uma experiência cotidiana diferenciada de outras crianças, e de que a “luta” pela terra pode estar permeada no processo educativo, o MST desenvolve sua educação em torno de uma pedagogia própria, vivida pelas crianças do assentamento investigado:
Lá é bom demais, lá a gente aprende a lutar, aprende as coisas que serve prá gente viver na terra e aqui a gente é livre dos dinheiro da cidade ( menina, 9 anos).
Vinculado a um projeto político de transformação social, o MST se apóia na proposta gramsciniana de trabalho industrial como princípio educativo, quando este último trata da consciência crítica e da crítica do senso comum, a partir de uma Filosofia da Práxis, e às propostas de escola aliada ao trabalho e ao exercício de práticas produtivas. Outra fonte de apoio do movimento no que tange às propostas pedagógicas de transformação da sociedade é a teoria de Paulo Freire, que, apesar de não ter se dedicado exatamente aos movimentos sociais como principal foco de sua intervenção pedagógica, é considerado pelo movimento como um estimulador do diálogo e do processo de produção do ser humano como sujeito e da potencialidade educativa da condição de oprimido e do esforço de inverter tal situação. Em sua Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire expressa, sobre a realidade de opressão e necessidade da libertação da classe menos favorecida:
A pedagogia do Oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens e processo de permanente libertação (FREIRE, 1981, p.44).
Diante de tal perspectiva de transformação social e da constituição do MST como movimento social de princípio educativo, onde a coletividade produz uma referência de sentido na ação, estrutura ou sujeito que constitui o cotidiano, o movimento enumera alguns processos pedagógicos básicos, que, segundo Caldart (2000) podem ser traduzidos por expressões, como luta, organização, coletividade, terra, trabalho e produção, cultura e história. O depoimento da professora abaixo demonstra tal preocupação com o caráter transformador da realidade que é atribuído à educação no MST:
Mesmo eu tendo a dificuldade de trabalhar com tantas crianças e cada uma de uma idade diferente, eu fico todo dia tentando me lembrar dos cursos de formação que a gente já fez. Eles sempre falam que o mais importante é pegar o tema que a gente ta trabalhando e ligar isso com a terra, com a realidade aqui do assentamento. Então eu não esqueço nunca dessas duas coisas: que nós somos sem-terra e que tudo que eu falo na sala de aula tem que ter a ver com a nossa vida aqui (Professora, cerca de 40 anos).
Segundo Caldart (2000) partindo da idéia de uma pedagogia da luta social e buscando transformar a própria realidade da pedagogia e promovendo o aprendizado da postura política e cultural, chega-se a um segundo propósito, à pedagogia em torno da organização coletiva, que engloba a discussão acerca da coletividade, a partir do momento em que se faz do ambiente um local de produção de uma identidade coletiva processada através de cada sujeito. Uma das professoras entrevistadas afirmou sua prática pedagógica “é um trabalho que desenvolve várias questões nas crianças: o contato com a terra, os frutos, a sucata e também elas aprendem que tudo nós fazemos cooperando, sendo companheiros”
Menezes Neto (2003) defende que a educação não pode ser desvinculada do processo mais amplo de relações sociais e políticas. Nessa perspectiva, o MST, no que diz respeito à sua intencionalidade pedagógica, concebe a escola como parte da concepção de sua própria pedagogia, à medida que, insistentemente, é chamada à vincular-se à sua organicidade, e realizar tarefas específicas no processo de formação dos Sem-Terra. Através de metodologias que o movimento considera como “libertadoras”, como a Pedagogia de Projetos, a Aprendizagem Significativa e a Avaliação Formativa e Processual, tal postura pedagógica se afirma construtora de uma nova realidade e capaz de “gerar” novos direcionamentos para o próprio movimento e para a realidade social cotidiana de seus sujeitos. Uma das professoras entrevistadas faz uma importante colocação sobre a possibilidade de transformação social através da Pedagogia do MST:
Eu tenho uma missão, sabe? De levar prá essas crianças uma consciência que aqui é precioso prá nós e que a terra é nossa grande oportunidade de transformar o mundo que a gente vive. A gente aprende isso na nossa pedagogia (Professora, cerca de 40 anos).
A mesma professora ainda relata sobre sua atuação frente à consciência crítica das crianças enquanto integrante do MST e da sociedade na qual está inserido, desenvolvendo atitudes de cooperação e trabalho:
A gente tenta é… trabalhar de forma… levando em conta essa ideologia e uma das coisas que a gente mais preza assim na escola é a questão do trabalho coletivo, a não competição, sabe? Da cooperação, a gente tenta, assim, tirar esse negócio do aluno ser melhor, a escola sempre prepara prá isso, prá o aluno ser o melhor, né? Essa é uma das ideologias do movimento que, na prática a gente tenta trabalhar (Professora, cerca de 40 anos).
Trata-se de, conforme denomina Bezerra Neto (1999) de uma concepção eclética de ensino, latente e ativa quanto à movimentação social, política e cultural do MST, e de uma interligação desses fatores ao universo infantil, a fim de tornar temas como cooperação, trabalho e participação social, uma tônica na vida escolar das crianças assentadas.
Conclusão
A educação, bem como todos os aspectos que envolvem a intervenção e as relações sociais, pode ser considerada um processo em movimento, por sua dinamicidade e contato com as experiências humanas, aliadas ao processo histórico-cultural da realidade social na qual intervém.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra encontra na educação um processo mais do que informacional, mas uma oportunidade de manter suas relações fixas de acordo com sua visão social de mundo, sua opção ideológica, conforme observou-se nos relatos dos assentados entrevistados, referentes ao Assentamento Oziel Alves Pereira. A fim de promover uma educação favorável à continuidade da reflexão acerca da busca por uma vida socialista, o movimento estudado alia a seu projeto educativo as experiências de seus sujeitos com as relações de trabalho cotidianas e com a realidade cultural, social e econômica de seus integrantes. Nesse sentido, os sem-terrinhas, crianças moradoras dos assentamentos e acampamentos, recebem uma educação pautada na Pedagogia da terra ou Pedagogia do MST.
Referências Bibliográficas
BEZERRA NETO, Luiz. Sem-Terra Aprende e Ensina: estudo sobre as práticas educativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais. Campinas: Autores Associados: 1999.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem-Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
MENEZES NETO, Antonio Julio de. Além da Terra: cooperativismo e trabalho na Educação do MST. Rio de Janeiro: Quartet, 2003.
Esta pesquisa pretende analisar a forma pela qual a ideologia, ou visão social de mundo, de determinada sociedade, tem influência direta sobre suas práticas educativas, apoiada nos conceitos de reprodução social e transformação. Para tanto, o presente trabalho se utiliza de um recorte social, explorando sua inserção na sociedade e suas diretrizes pedagógicas: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. O contexto social analisado é o Assentamento Oziel Alves Pereira, localizado no município de Governador Valadares. O assentamento, criado desde 1996, se destaca social e politicamente, tratando-se da participação social e da formação de militantes Sem-Terra. O assentamento, que possui um expressivo núcleo de formação e oferece cursos para militantes de toda a América Latina, possui uma escola onde as crianças assentadas são conduzidas a uma prática escolar em concordância com a Pedagogia do MST.
Como procedimentos metodológicos, para a efetivação da pesquisa, foram utilizados dois eixos metodológicos: a observação participante e a entrevista. Ao longo da discussão proposta por esta pesquisa percebem-se as nuances da prática escolar observada, que se caracteriza por metodologias em favor da promoção da cidadania e da emancipação social.
Descrição dos Objetivos
Na presente pesquisa, busca-se analisar a forma como a visão social de mundo do movimento em questão, que aqui será chamada de ideologia, direciona suas práticas educativas e posturas pedagógicas. Também se procura analisar as nuances da prática educativa nas escolas do MST, e sua postura pedagógica frente a fatores como currículo, avaliação e metodologias de ensino.
Desenvolvimento
A formação dos sujeitos educativos através da Pedagogia do Movimento Sem-Terra
Considerando que as crianças sem-terra, chamadas pelos próprios integrantes do movimento como sem-terrinhas, têm uma experiência cotidiana diferenciada de outras crianças, e de que a “luta” pela terra pode estar permeada no processo educativo, o MST desenvolve sua educação em torno de uma pedagogia própria, vivida pelas crianças do assentamento investigado:
Lá é bom demais, lá a gente aprende a lutar, aprende as coisas que serve prá gente viver na terra e aqui a gente é livre dos dinheiro da cidade ( menina, 9 anos).
Vinculado a um projeto político de transformação social, o MST se apóia na proposta gramsciniana de trabalho industrial como princípio educativo, quando este último trata da consciência crítica e da crítica do senso comum, a partir de uma Filosofia da Práxis, e às propostas de escola aliada ao trabalho e ao exercício de práticas produtivas. Outra fonte de apoio do movimento no que tange às propostas pedagógicas de transformação da sociedade é a teoria de Paulo Freire, que, apesar de não ter se dedicado exatamente aos movimentos sociais como principal foco de sua intervenção pedagógica, é considerado pelo movimento como um estimulador do diálogo e do processo de produção do ser humano como sujeito e da potencialidade educativa da condição de oprimido e do esforço de inverter tal situação. Em sua Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire expressa, sobre a realidade de opressão e necessidade da libertação da classe menos favorecida:
A pedagogia do Oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens e processo de permanente libertação (FREIRE, 1981, p.44).
Diante de tal perspectiva de transformação social e da constituição do MST como movimento social de princípio educativo, onde a coletividade produz uma referência de sentido na ação, estrutura ou sujeito que constitui o cotidiano, o movimento enumera alguns processos pedagógicos básicos, que, segundo Caldart (2000) podem ser traduzidos por expressões, como luta, organização, coletividade, terra, trabalho e produção, cultura e história. O depoimento da professora abaixo demonstra tal preocupação com o caráter transformador da realidade que é atribuído à educação no MST:
Mesmo eu tendo a dificuldade de trabalhar com tantas crianças e cada uma de uma idade diferente, eu fico todo dia tentando me lembrar dos cursos de formação que a gente já fez. Eles sempre falam que o mais importante é pegar o tema que a gente ta trabalhando e ligar isso com a terra, com a realidade aqui do assentamento. Então eu não esqueço nunca dessas duas coisas: que nós somos sem-terra e que tudo que eu falo na sala de aula tem que ter a ver com a nossa vida aqui (Professora, cerca de 40 anos).
Segundo Caldart (2000) partindo da idéia de uma pedagogia da luta social e buscando transformar a própria realidade da pedagogia e promovendo o aprendizado da postura política e cultural, chega-se a um segundo propósito, à pedagogia em torno da organização coletiva, que engloba a discussão acerca da coletividade, a partir do momento em que se faz do ambiente um local de produção de uma identidade coletiva processada através de cada sujeito. Uma das professoras entrevistadas afirmou sua prática pedagógica “é um trabalho que desenvolve várias questões nas crianças: o contato com a terra, os frutos, a sucata e também elas aprendem que tudo nós fazemos cooperando, sendo companheiros”
Menezes Neto (2003) defende que a educação não pode ser desvinculada do processo mais amplo de relações sociais e políticas. Nessa perspectiva, o MST, no que diz respeito à sua intencionalidade pedagógica, concebe a escola como parte da concepção de sua própria pedagogia, à medida que, insistentemente, é chamada à vincular-se à sua organicidade, e realizar tarefas específicas no processo de formação dos Sem-Terra. Através de metodologias que o movimento considera como “libertadoras”, como a Pedagogia de Projetos, a Aprendizagem Significativa e a Avaliação Formativa e Processual, tal postura pedagógica se afirma construtora de uma nova realidade e capaz de “gerar” novos direcionamentos para o próprio movimento e para a realidade social cotidiana de seus sujeitos. Uma das professoras entrevistadas faz uma importante colocação sobre a possibilidade de transformação social através da Pedagogia do MST:
Eu tenho uma missão, sabe? De levar prá essas crianças uma consciência que aqui é precioso prá nós e que a terra é nossa grande oportunidade de transformar o mundo que a gente vive. A gente aprende isso na nossa pedagogia (Professora, cerca de 40 anos).
A mesma professora ainda relata sobre sua atuação frente à consciência crítica das crianças enquanto integrante do MST e da sociedade na qual está inserido, desenvolvendo atitudes de cooperação e trabalho:
A gente tenta é… trabalhar de forma… levando em conta essa ideologia e uma das coisas que a gente mais preza assim na escola é a questão do trabalho coletivo, a não competição, sabe? Da cooperação, a gente tenta, assim, tirar esse negócio do aluno ser melhor, a escola sempre prepara prá isso, prá o aluno ser o melhor, né? Essa é uma das ideologias do movimento que, na prática a gente tenta trabalhar (Professora, cerca de 40 anos).
Trata-se de, conforme denomina Bezerra Neto (1999) de uma concepção eclética de ensino, latente e ativa quanto à movimentação social, política e cultural do MST, e de uma interligação desses fatores ao universo infantil, a fim de tornar temas como cooperação, trabalho e participação social, uma tônica na vida escolar das crianças assentadas.
Conclusão
A educação, bem como todos os aspectos que envolvem a intervenção e as relações sociais, pode ser considerada um processo em movimento, por sua dinamicidade e contato com as experiências humanas, aliadas ao processo histórico-cultural da realidade social na qual intervém.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra encontra na educação um processo mais do que informacional, mas uma oportunidade de manter suas relações fixas de acordo com sua visão social de mundo, sua opção ideológica, conforme observou-se nos relatos dos assentados entrevistados, referentes ao Assentamento Oziel Alves Pereira. A fim de promover uma educação favorável à continuidade da reflexão acerca da busca por uma vida socialista, o movimento estudado alia a seu projeto educativo as experiências de seus sujeitos com as relações de trabalho cotidianas e com a realidade cultural, social e econômica de seus integrantes. Nesse sentido, os sem-terrinhas, crianças moradoras dos assentamentos e acampamentos, recebem uma educação pautada na Pedagogia da terra ou Pedagogia do MST.
Referências Bibliográficas
BEZERRA NETO, Luiz. Sem-Terra Aprende e Ensina: estudo sobre as práticas educativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais. Campinas: Autores Associados: 1999.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem-Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
MENEZES NETO, Antonio Julio de. Além da Terra: cooperativismo e trabalho na Educação do MST. Rio de Janeiro: Quartet, 2003.
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