Se você é estudante de escola pública ou privada já deve ter ouvido falar
de cotas nas universidades, e sabe quais as implicações delas na vida acadêmica.
Desde 2002, diversas universidades públicas brasileiras têm implementado
modalidades de ações afirmativas – como as cotas – para permitir o ingresso
diferenciado para determinados grupos sociais, como negros e indígenas.
Desde 1968, quando técnicos do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho se mostraram favoráveis à criação de lei que obrigasse as empresas privadas a manter uma porcentagem mínima de empregados negros, o Estado brasileiro e a iniciativa privada têm promovido políticas afirmativas em diferentes âmbitos da vida social – relações empregatícias, serviços de saúde, sistema eleitoral e na educação – voltadas para o enfrentamento imediato de barreiras econômicas, sociais e/ou culturais que dificultam a inclusão social.
Compensar desigualdades
No âmbito educacional, as políticas afirmativas têm por propósito compensar, em parte, a gritante desigualdade e exclusão preconizada pelas práticas tradicionais de ingresso e permanência universitária, que não levam em conta: 1) as disparidades da formação básica dos estudantes de escolas públicas para com os de escola privada, além do percentual mínimo de ingresso de estudantes negros e indígenas; 2) as dificuldades de permanência do estudante durante o percurso acadêmico, o que exige “novos acessos” diferenciados a recursos econômicos e materiais que subsidiem a formação pedagógica e a qualidade de vida.
Sem dúvida, a “onda” do momento são as cotas, modalidade em que parte das vagas do vestibular é separada para ser concorrida exclusivamente por estudantes de determinado público-alvo, como estudantes negros (cotas raciais), de baixa renda ou oriundos das escolas públicas (cotas sociais) e estudantes indígenas (cotas étnicas).
Cabe lembrar que atualmente as cotas vêm sendo preteridas, em muitas instituições, por outras modalidades de ingresso diferenciado, a exemplo das reservas de vagas – em que um público-alvo específico concorre em vestibular diferenciado, que ocorre separado do vestibular tradicional, a fim de respeitar a diversidade sociocultural – e as turmas especiais – em que toda uma turma (ou curso) é criada para incluir somente estudantes oriundos de um determinado público-alvo. Assim é o Curso de Etnodesenvolvimento, da Universidade Federal do Pará, criado em 2010 para incluir estudantes pertencentes aos povos e comunidades tradicionais e aos movimentos sociais.
Debate acirrado
De modo geral, o debate sobre as ações afirmativas apresenta-se marcado pela polarização dos discursos entre favoráveis e contrários, tendo em vista, basicamente, duas perguntas: estas políticas são justas? E mais, elas funcionam?
Em primeiro lugar, a ideia de justiça está vinculada à concepção de igualdade e liberdade que cada posição enfatiza. Para os contrários às ações afirmativas, estas violariam o princípio da igualdade entre as pessoas ao outorgar “privilégios” de promoção social a determinados segmentos ou indivíduos. Isto resultaria numa afronta ilegal à liberdade de concorrência, que toma como medida a capacidade intelectual de cada um para alcançar, por méritos próprios, as oportunidades e os objetivos de vida.
Por outro lado, os defensores das ações afirmativas procuram enfatizar que a livre concorrência ao “sabor do mercado” é uma forma de permitir a manutenção das exclusões sociais historicamente estabelecidas, principalmente porque isenta o Estado da responsabilidade de intervenção nas relações de poder que estabelecem condições sociais desfavoráveis à inclusão e participação de determinados grupos.
E quanto ao funcionamento ou eficácia das ações afirmativas em realizar aquilo que promete, será que isto ocorre? Apesar do breve período de existência de políticas afirmativas nas universidades brasileiras, estudos recentes demonstraram que estudantes cotistas têm alcançado notas iguais ou melhores do que estudantes não cotistas nos cursos universitários. Neste caso, o melhor caminho seria observar países onde as ações afirmativas existem há mais tempo, como nos Estados Unidos, cujo início data do final da década de 1960, e os resultados têm sido muito promissores na tarefa de incluir os negros nas universidades e nos empregos bem remunerados, além de fortalecer o respeito à diversidade racial.
Assis Oliveira, diretor da Faculdade de Etnodesenvolvimento da Universidade Federal do Pará (UFPA). Advogado.
Endereço eletrônico: assisdco@gmail.com
Desde 1968, quando técnicos do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho se mostraram favoráveis à criação de lei que obrigasse as empresas privadas a manter uma porcentagem mínima de empregados negros, o Estado brasileiro e a iniciativa privada têm promovido políticas afirmativas em diferentes âmbitos da vida social – relações empregatícias, serviços de saúde, sistema eleitoral e na educação – voltadas para o enfrentamento imediato de barreiras econômicas, sociais e/ou culturais que dificultam a inclusão social.
Compensar desigualdades
No âmbito educacional, as políticas afirmativas têm por propósito compensar, em parte, a gritante desigualdade e exclusão preconizada pelas práticas tradicionais de ingresso e permanência universitária, que não levam em conta: 1) as disparidades da formação básica dos estudantes de escolas públicas para com os de escola privada, além do percentual mínimo de ingresso de estudantes negros e indígenas; 2) as dificuldades de permanência do estudante durante o percurso acadêmico, o que exige “novos acessos” diferenciados a recursos econômicos e materiais que subsidiem a formação pedagógica e a qualidade de vida.
Sem dúvida, a “onda” do momento são as cotas, modalidade em que parte das vagas do vestibular é separada para ser concorrida exclusivamente por estudantes de determinado público-alvo, como estudantes negros (cotas raciais), de baixa renda ou oriundos das escolas públicas (cotas sociais) e estudantes indígenas (cotas étnicas).
Cabe lembrar que atualmente as cotas vêm sendo preteridas, em muitas instituições, por outras modalidades de ingresso diferenciado, a exemplo das reservas de vagas – em que um público-alvo específico concorre em vestibular diferenciado, que ocorre separado do vestibular tradicional, a fim de respeitar a diversidade sociocultural – e as turmas especiais – em que toda uma turma (ou curso) é criada para incluir somente estudantes oriundos de um determinado público-alvo. Assim é o Curso de Etnodesenvolvimento, da Universidade Federal do Pará, criado em 2010 para incluir estudantes pertencentes aos povos e comunidades tradicionais e aos movimentos sociais.
Debate acirrado
De modo geral, o debate sobre as ações afirmativas apresenta-se marcado pela polarização dos discursos entre favoráveis e contrários, tendo em vista, basicamente, duas perguntas: estas políticas são justas? E mais, elas funcionam?
Em primeiro lugar, a ideia de justiça está vinculada à concepção de igualdade e liberdade que cada posição enfatiza. Para os contrários às ações afirmativas, estas violariam o princípio da igualdade entre as pessoas ao outorgar “privilégios” de promoção social a determinados segmentos ou indivíduos. Isto resultaria numa afronta ilegal à liberdade de concorrência, que toma como medida a capacidade intelectual de cada um para alcançar, por méritos próprios, as oportunidades e os objetivos de vida.
Por outro lado, os defensores das ações afirmativas procuram enfatizar que a livre concorrência ao “sabor do mercado” é uma forma de permitir a manutenção das exclusões sociais historicamente estabelecidas, principalmente porque isenta o Estado da responsabilidade de intervenção nas relações de poder que estabelecem condições sociais desfavoráveis à inclusão e participação de determinados grupos.
E quanto ao funcionamento ou eficácia das ações afirmativas em realizar aquilo que promete, será que isto ocorre? Apesar do breve período de existência de políticas afirmativas nas universidades brasileiras, estudos recentes demonstraram que estudantes cotistas têm alcançado notas iguais ou melhores do que estudantes não cotistas nos cursos universitários. Neste caso, o melhor caminho seria observar países onde as ações afirmativas existem há mais tempo, como nos Estados Unidos, cujo início data do final da década de 1960, e os resultados têm sido muito promissores na tarefa de incluir os negros nas universidades e nos empregos bem remunerados, além de fortalecer o respeito à diversidade racial.
Assis Oliveira, diretor da Faculdade de Etnodesenvolvimento da Universidade Federal do Pará (UFPA). Advogado.
Endereço eletrônico: assisdco@gmail.com
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