entrevista com Pedro Demo, publicada na edição 441, outubro de 2013.
Pedro
Demo professor emérito da Universidade de Brasília, doutor em Sociologia pedrodemo@gmail.com
Dados
recentes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apontam
que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) avançou no Brasil. Porém entre os
três itens analisados – longevidade, renda e educação – o que menos cresceu foi
o último. Ainda é um grande desafio qualificar o ensino público e garantir que
as crianças aprendam, após anos de escola. Em outubro, quando comemoramos o Dia
dos(as) Professores(as), acreditamos ser uma oportunidade de refletir sobre as
mudanças necessárias à educação e sobre a importância de valorizar os(as)
professores(as). Para isso, conversamos com Pedro Demo, professor emérito da
Universidade de Brasília, doutor em Sociologia, com mais de 90 livros
publicados.
- Como está a educação do Brasil, comparada à de outros países?
Infelizmente, na comparação internacional nós temos
uma imagem muito deficitária. Nossos dados nos aproximam de certa forma mais da
África. No IDH nós estamos no 85º lugar, que é um dos mais baixos da América
Latina. Temos tido muita dificuldade de arrumar isso, porque a nossa escola
pública, que abriga 95% dos estudantes no Ensino Fundamental, literalmente é
assim uma coisa de pobre para o pobre. Acho que o desafio mais importante é o
professor. O Brasil não está cuidando do professor. Aqui, professor é uma das
piores profissões que a sociedade oferece. O piso salarial é infame,
completamente inaceitável. Todas as grandes mudanças que se fizeram na
educação, por exemplo, nos países asiáticos ? Japão, Coréia e Singapura ?, que
disputam o melhor lugar no mundo em termos de desempenho, começaram pelo
professor. Montaram uma bela carreira, atrativa, que pega as melhores cabeças
da sociedade. A gente pode ver na cara deles que a educação vale a pena. Aqui
não. E nós não conseguimos avançar.
- Mas tivemos alguns avanços, sobretudo na questão da avaliação.
Sim, criamos alguns sistemas de avaliação, mas que
mostram que nós estamos indo muito devagar. A própria avaliação do Ideb é um
pouco enganosa, porque é facilmente adulterada. Então nós temos um sistema de
ensino que não consegue progredir. Ele é feito para dar aula. Não é feito para
o aluno aprender. Nós temos muita aula. Aula de tudo que é jeito, mas não é
voltada para a aprendizagem dos estudantes. Os estudantes não têm um bom
aprendizado.
- Existe uma movimentação da sociedade por mais investimento na educação. Isso pode resolver?
Isso também é outra coisa angustiante, porque todo
mundo quer ver mais dinheiro em educação, mas muitas vezes é um dinheiro jogado
fora. Não adianta investir na escola que temos hoje, porque é uma escola onde
não se aprende. Precisaríamos recomeçar, como os Tigres Asiáticos recomeçaram.
Eles reinventaram a escola, reinventaram o professor. Aí sim vale a pena pedir
10% do orçamento para a educação, e será um grande investimento. Eu tenho a
impressão de que uma das coisas que mais favorece o desenvolvimento de um país
é uma população bem qualificada, que nós não temos. Para se ter uma ideia, o
movimento Todos pela Educação apresentou um dado de que, chegando ao fim do
Ensino Médio, só 10% sabem Matemática. São 12 anos para 10%. É um aproveitamento
absolutamente triste. É um país que não aprende e quer fazer parte do Primeiro
Mundo.
- As diversidades regionais do nosso país não são um agravante para os nossos problemas?
Isso complica, sim. Porque é um país muito diverso
e precisa de muitos esforços diversificados. Consomem-se muitos recursos também
com isso. Mesmo assim isso não é um problema de outro mundo, porque outros
países enormes, como os Estados Unidos, superaram essa dificuldade. O problema
maior é nosso sistema de ensino. Existem dados que mostram que quando se
aumentam as aulas, os alunos, em geral, aprendem menos. O aluno não vai para a
escola para escutar. Ele vai para a escola para escrever, para produzir, para
fazer o seu conhecimento, para participar da sociedade do conhecimento. Não
quer ficar como um ouvinte, copiando as coisas. Todo mundo sabe que isso está
errado, mas a gente insiste nisso.
- Que modelos existem no mundo que a gente segue ou deveria seguir?
Penso que todo país, de certa maneira, precisa
inventar a sua proposta. A gente não pode ficar copiando. Por exemplo,
Singapura teve muito êxito. Há 30 anos atrás ela não era nada e agora tem um
dos melhores desempenhos do mundo. Mas Singapura era um país ditatorial e é lá
do Oriente. Não tem nada a ver conosco. O que a gente pode aprender daí é que
Singapura teve cabeça para fazer uma proposta própria. Valorizaram muito o
professor e optaram por uma escola onde realmente o aluno aprende. Eles
abandonaram a ideia do ensino. Só ficaram com a aprendizagem. Aqui nós estamos
sempre atrás de um sistema de ensino. O que tem de sobra na escola é aula. O
que tem de menos é aprendizagem.
- O que significa ensino e o que significa aprendizagem?
Aprendizagem é uma coisa mais centrada no aluno.
Mas nós sabemos hoje que o aluno aprende bem quando o professor aprende bem.
Você tem que conseguir que o aluno se forme. Na verdade, é um movimento que
você anima de fora, motiva de fora, mas acontece lá dentro, na cabeça das
pessoas e da sociedade. Essa virada é muito importante. Você vai para a escola para
aprender. Teria que mudar muito a formação original. Bom professor é aquele
que, além de ganhar bem, sabe ler, sabe pesquisar, sabe produzir, tem texto
próprio, é um protagonista da sociedade do conhecimento. O ensino tem muito de
adestramento. Nem a cidadania aparece.
- E o currículo?
O currículo é uma organização oficial dos conteúdos
que a gente imagina necessários para cada ano. Há uma tendência hoje de reduzir
a carga curricular. Por exemplo, para o estudo da Matemática, o Japão adota dez
tópicos. O Brasil adota 40 ou 50. Ficam entupindo a criança. O Japão sempre
tira os primeiros lugares nas Olimpíadas de Matemática. Eles adotam dez
tópicos, mas fazem bem os dez. Os estudantes participam intensamente e por isso
o Japão conseguiu que a matéria preferida pelos estudantes na escola é
Matemática. Eles fazem muita gincana, muita competição, muita farra em torno da
Matemática. No Brasil a Matemática ainda é um horror. E como é que a gente
entra no Primeiro Mundo sem Matemática? Isso é ciência, e ciência a gente
aprende não é fazendo aula. Precisa de laboratório, de museu de ciência,
levando a ciência ao cotidiano da pessoa.
- Mas implicitamente nós estamos seguindo alguns modelos?
O nosso modelo é o que nós chamamos tecnicamente de
instrucionista. Na escola a gente faz instrução. Faz treinamento, mas não
aprendizado, não formação. Porque o aluno fica lá escutando aula, tomando nota
e fazendo provinha. E isso prepara para o século passado, mas não para o século
futuro. Estamos também muito distantes das novas tecnologias. Há uma
resistência muito grande da pedagogia e também do governo, insistindo que os
cursos têm que ser presenciais. A nova tecnologia está aí e todo mundo precisa
de computador e internet, sobretudo as crianças que vão viver nesse mundo. Mas a
escola, a pedagogia se permite ignorar isso. Também não acho que novas
tecnologias vão resolver tudo. Não é uma coisa mágica, mas elas invadiram tudo
e se pode aprender melhor com elas. A primeira inclusão tem que ser do
professor. Nós erramos, achando que colocar o computador na escola resolve.
Primeiro temos que colocar o computador na cabeça do professor, porque ele é
que tem que decidir o que fazer com o computador e também evitar os riscos que
o computador traz para a criança. Tudo o que você quer mudar na escola com
alguma profundidade tem que passar pelo professor.
- Fala-se hoje em autoria. O que significa isso?
A questão da autoria está na moda no mundo todo
porque recebeu um empurrão das novas tecnologias, que a gente tem chamado de
web 2.0. Está baseada na produção de conteúdo próprio. São plataformas que não
são feitas para copiar, só transmitir, reproduzir. Mas você tem que montar,
construir, elaborar alguma coisa. Um exemplo mais convincente é a Wikipédia.
Para você se meter na Wikipédia tem que levar texto seu. A mensagem importante
é de que aprender é fazer texto próprio, é construir suas coisas, não é ficar
escutando aula, copiando, repassando. Não adianta estar numa escola onde o
aluno não é convidado a fazer a sua produção, onde é convidado apenas para
escutar e a fazer provinha. Nós estamos na contramão da história e ficando para
trás. Eu penso até que a dificuldade que nós temos hoje do crescimento da
economia já é um reflexo disso. Não temos população qualificada para uma
economia boa.
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