quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Família e escola: parceiras na formação do sujeito aprendiz

entrevista com Isabel Parolin, publicada na edição nº 435, abril de 2013.

Isabel Parolin psicopedagoga, autora de diversos livros e consultora institucional, Curitiba, PR. http://www.isabelparolin.com.br
 
O diálogo entre família e escola tem sido tema de muitos debates educacionais nos últimos anos. Todos nós, de certa forma, já refletimos sobre de quem é a responsabilidade de educar as crianças e os jovens. Neste mês, o jornal Mundo Jovem se propõe a discutir como essas diferentes “instituições” podem, em conjunto, contribuir para que a educação seja melhor. Para isso, conversamos com a escritora e psicopedagoga Isabel Parolin, que aborda estas e outras tantas questões sobre a família e a escola.
  • De quem é a tarefa de educar as crianças e os jovens, hoje? Realmente há uma grande dúvida, porque as famílias, a comunidade de um modo geral, imaginam que só se aprende na escola. Isso é uma crença enganosa. Na escola nós aprendemos, sem dúvida alguma, mas não é só lá que isso acontece. Costuma-se dizer que é um espaço privilegiado para se aprender. No entanto aprende-se de uma forma diferente do que se aprende na família. Quando se coloca um filho na escola, ainda que lá seja um espaço para aprendizagem, não se pode achar que ele vai aprender tudo ou que a escola conseguirá ensinar tudo que ele precisa aprender para bem viver. Por exemplo, a escola também ensina valores e algumas coisas que a família ensina, porém de forma diferente, com encaminhamento diferente e uma pontuação diferente. A família precisa ser educadora, ensinar seu filho, porque é ela quem constitui o sujeito, a pessoa, a forma de ele entender o mundo, de ler o mundo. Isso tudo é fruto da qualidade da relação que ele tem com a família. Todos têm uma forma de manifestar a sua religiosidade, de se alimentar, enfim ? isso são coisas que vão construindo o sujeito, que vão construindo um olhar sobre o valor da refeição, da união, da família, ou seja, uma forma de entender o mundo e de vivê-lo. Diferente do que acontece na escola. A escola tem recreio, tem hora de lanchar, e essas experiências, juntas, encaminham a formação do cidadão. Ambas trabalham para a mesma pessoa, mas com métodos diferentes.
  • São responsabilidades que se complementam? Sim, são complementares. As famílias, erroneamente, transferem para a escola responsabilidades que são suas. Por exemplo, a respeito da forma de se alimentar há uma queixa grande por parte das mães. A escola pode oferecer um lanche balanceado, mas, para que a criança aprenda de verdade, ela precisa saber do valor de uma nutrição adequada. Ela vai aprender na escola a diferenciar a hortaliça da verdura etc., mas quando chegar em casa precisa que a família faça isso para que ela tenha esses conceitos como verdade. E é isso que muitas vezes não acontece na relação família e escola. Existe uma transferência de tarefas, e assim a validação fica difícil. O exemplo é fundamental na aprendizagem. Quando isso não acontece, o discurso fica vazio. Por isso é que os pais queixam-se: "Eu digo, mas ele não faz!". Outro exemplo é com relação à lição de casa. A lição de casa é do aluno. O que os pais precisam é ter uma rotina em casa para valorizar a tarefa do filho. Existem pais que dizem o seguinte: "A escola passa lição para casa, mas eu trabalho o dia inteiro, como é que vai ser?" Não tem problema algum. É só desenvolver uma rotina adequada, hábitos adequados, ensinar para o filho que a responsabilidade de fazer a lição é dele e que depois a professora corrige. A construção do sujeito é da família, e a construção do aprendiz é da escola.
  • Quais são os ganhos quando família e escola formam uma parceria? O resultado é um cidadão adequado. O ganho que uma pessoa tem é o fato de aprender a fazer uma leitura adequada do mundo e a consequente inserção social. Essa pessoa vai aprender a respeitar uma fila, a atravessar a rua na faixa de segurança, porque existe uma disciplina de trânsito que possibilita que a pessoa esteja mais assegurada e uma prática social que valida essa conduta e essas leis. Se você observar, há toda uma repercussão social negativa quando há falta de entendimento do adequado fluxo social. Os pais e os avós ficam muito felizes quando as crianças têm aula de trânsito. As escolas têm projetos para educação no trânsito, mas na hora de ir para a cidade com a família, seja de carro ou de ônibus, alguns pais não agem corretamente. Aproveitam o sinal amarelo, não atravessam a rua na faixa de segurança... Não se comportam de forma que a criança veja que o que ela aprendeu na escola é validado na sociedade. E daí a criança começa a não perceber direito o que é verdade e o que não é; o que é importante saber e o que não é importante.
  • A integração entre escola e família é, então, uma responsabilidade social? A escola tem sido a grande parceira da família. Antigamente, as pessoas procuravam outros núcleos como igreja, centros comunitários etc. Hoje, as pesquisas têm mostrado que, na hora de buscar apoio, as famílias recorrem à escola. Inclusive uma consulta em postos de saúde revela que, quando é solicitado um exame neurológico, por exemplo, a família busca se certificar com a professora se aquilo é adequado. Isso representa que realmente a escola tem uma responsabilidade social importante e que ela ajuda a família a pensar os rumos que vai tomar. Muitas escolas, inclusive, perdem o mote da sua tarefa, que é provocar aprendizagem sistematizada, porque se perdem no atendimento às famílias, como se o pátio da escola pudesse se transformar num quintal de casa. Mas esse não é o caminho. As escolas de pais, por exemplo, atendem as demandas das famílias de uma forma muito bacana. Existem também as palestras e outras iniciativas. E uma coisa que vale destacar é o fato de que as escolas que tiveram melhor média no seu Ideb apontaram que fizeram um trabalho com os pais. Esse é um dado interessante, porque se espera das famílias que cumpram o seu papel de formadoras do sujeito, assim como se espera da escola que cumpra o seu papel de ensinar e provocar as aprendizagens necessárias para que essa pessoa, realmente, viva seu papel cidadão.
  • Quais problemas são percebidos quando os pais não acompanham a vida escolar dos filhos? Os problemas são bem visíveis, pois falta um pilar nessa construção: os índices baixíssimos que o Brasil tem de qualidade de educação (é o 84º país no IDH). Especialmente se considerarmos que somos a sexta economia do mundo, isso dá um disparate imenso. Há pais que não estão preocupados com o que o filho aprende, apenas querem saber se o filho foi aprovado no final do ano. Mas aprovado significa que o aluno sabe, que ele aprendeu? Com isso não estou eximindo a escola de sua responsabilidade. Acredito que a escola deve ensinar com o apoio da família ou apesar da família que a criança tenha. Um cidadão é um aprendiz, que se apropria do conhecimento historicamente acumulado na sociedade e cientificamente desenvolvido, e o torna instrumento para o bem viver e conviver. A pessoa que tem conhecimento articula o pensamento e torna-se um sujeito melhor.
  • Há responsabilidade da família para o insucesso dos índices da educação? Atenção: é da escola a responsabilidade de ensinar a ler, escrever, resolver situações problemas, entender o funcionamento do mundo através do entendimento das ciências, história etc. A família é parceira, que viabiliza, que dá suporte e que potencializa. Mesmo que a escola nem sempre ensine de forma exitosa, pois ainda se tenta ensinar muito conteúdo sem significado para os alunos, a criança ou o jovem, quando lê um jornal, precisa conseguir identificar, por exemplo, um fato geográfico nessa notícia. Caso contrário, não terá nenhum sentido ler a notícia, pois não entenderá a mensagem. Um dos motivos pelo qual o aluno não faz articulações é porque a sociedade, hoje, pouco conversa e muito pouco lê. Os pais ficam horas no Facebook, na frente da televisão, ou vão para o shopping comprar, deixando a criança sozinha, sem orientação e, geralmente, com brinquedos eletrônicos. Por isso é uma sociedade que pouco pensa. É importante pensar sobre a vida, conversar. Sem dúvida alguma, o êxito de uma criança ? do ponto de vista de ela se tornar uma pessoa sábia, conhecedora, com uma inserção social bacana ? tem a ver com uma boa escola que ensine e uma família que eduque.
  • As novas configurações familiares acarretam novos desafios para o acompanhamento escolar dos filhos? Sem dúvida, é um grande desafio. Será muito importante um diálogo diferente, uma forma de ver essa relação diferente. Por exemplo, escuto as pessoas dizendo que "avós não têm compromisso de educar". Mas o IBGE mostrou que muitos avós, hoje, ficam com a responsabilidade de encaminhar o dia a dia dos netos. Neste caso, não se pode afirmar que são só avós daquela criança. Eles são seus educadores. Quando os avós criam um neto, eles são tudo na vida daquela criança. Assim também os padrastos ou madrastas não podem se eximir de suas responsabilidades. A tarefa de educar é de todos. As reuniões com pais precisam acontecer até para que os pais tirem suas dúvidas e se formem pensadores, pensando junto com a escola a respeito de alguns aspectos que a família não tem pensado.

Integração pela escola de pais

A relação entre escola e família pode ser trabalhada pelo que se chama escola de pais, que se apresenta de várias formas. Há escolas que fazem reuniões mensais com os pais, desenvolvendo temas gerais: limites, como a pessoa aprende, como se forma um leitor etc. Existem instituições que promovem encontros com os pais a cada três ou quatro meses. Depende muito da formatação e da necessidade da escola. Mas o ideal seria que as escolas tivessem uma rotina de acolher os pais para trabalhar temas vinculados à vivência do dia a dia de educar uma criança na sociedade.

Inicialmente, é muito difícil os pais irem até a escola. Os grupos começam tímidos, mas aí a escola monta uma forma de atrair esses pais para as reuniões. E, na medida em que começam a participar, vão percebendo a importância e passam a ser multiplicadores.

Os pais atrapalham a escola quando não há clareza das fronteiras relacionais que se deve estabelecer e quando eles não podem usufruir de um processo de informação. O ideal é que a escola mostre para a família o que ela vai fazer de bom para o filho e oriente-a a respeito do que está faltando na educação da criança. Vale lembrar que a criança em casa é filho e na escola é aluno; papéis diferentes com pautas de desempenho diferentes.

Quando vão tomando conhecimento desses assuntos, os pais sentem-se mais seguros para participar na escola de uma forma mais adequada. Só que esse é um conhecimento que a escola tem que articular.

E a escola também transfere muitas coisas para a família. Não raro uma professora chama os pais e comunica que seu filho não está aprendendo... Quando necessário, a escola tem que chamar os pais, explicar que o processo de educação não acontece pela pressão, explicar que a escola tem projetos pensados para provocar aprendizagens. É comum encontrar, nas agendas, bilhetes de professores para os pais com o seguinte recado: “Seu filho está indo mal nas avaliações. Favor providenciar que ele estude”. Mas esta tarefa é da escola: recuperar a aprendizagem do aluno. Tarefa da família é garantir que ele vá à escola, faça seus temas de casa e estude.

Na maioria das escolas que se propuseram a promover escola de pais, os resultados são excelentes. Não funciona quando a escola traz os pais e não tem muito clara a fronteira que há entre eles e ficam num jogo de empurra. Quem sai perdendo é a criança que não aprende, e a sociedade que perde um cidadão adequado para o bom convívio.

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