entrevista
com Giovane Antonio Scherer, publicada na edição 442, novembro de 2013.
Giovane
Antonio Scherer assistente social, mestre e doutorando em Serviço Social, da
Faculdade de Serviço Social da PUCRS. giovane.scherer@pucrs.br
Mesmo que
o Brasil tenha avançado muito nos últimos anos em termos de inclusão social e
de políticas públicas para quem mais precisa, ainda permanecemos um país
extremamente desigual. Segundo dados recentes, publicados pela revista Forbes,
as 124 pessoas mais ricas do Brasil acumulam cerca de 12% do PIB. Esse é o
verdadeiro escândalo brasileiro que deve lotar as ruas de manifestantes, por um
lado, e, por outro, é a razão da necessidade e da urgência de políticas sociais
na direção da equidade. Sobre este tema conversamos com o professor Giovane Antonio
Scherer, assistente social, mestre e doutorando em Serviço Social, da Faculdade
de Serviço Social da PUCRS.
- O que são as políticas de inclusão?
Quando falamos em política, falamos em política
pública, isto é, uma resposta dada pelo Estado a determinadas demandas da
sociedade. As políticas públicas materializam-se em diversos segmentos, de
diversas formas. Assim como nós temos uma política econômica, temos também a
política social. Dentro da política social surgem muitas nomenclaturas:
políticas de inclusão, políticas compensatórias, entre outras. O termo mais
adequado seria políticas sociais, até porque inclusão é um tema muito
questionado dentro do ambiente acadêmico.
- Por que o questionamento sobre inclusão?
O que é inclusão e o que é exclusão? O que seria
ser um excluído? Muitos autores falam de uma inclusão precária, ou seja, as
pessoas estão dentro de algum segmento, de algum mercado, mas de uma forma
precarizada. Essa dialética de inclusão-exclusão, às vezes, se torna uma
armadilha. Por exemplo, se fala muito em exclusão social, mas o que é estar
incluído ou excluído socialmente? Todas as pessoas participam da sociedade de
alguma forma, até os moradores de rua estão inseridos dentro da sociedade e
participam de alguma forma, mesmo que seja uma inclusão precária. Então eu
penso que o termo mais correto para tratar essa forma de política seria
política social.
- Por que há necessidade de políticas sociais?
Principalmente a partir da Constituição de 1988,
formou-se um marco para a política social. Voltando um pouco na história,
podemos perceber que a política social se constitui numa luta por direitos. E a
política social é uma forma de materializar esse direito. Nos primórdios do
século 18, quando se rompe com a lógica absolutista da sociedade, temos o
início da luta pelos direitos humanos. E a política social, então, vem dar
respostas em função de pressões da sociedade, que foi se organizando e buscando
pressionar o Estado para obter respostas às suas demandas, suas necessidades
sociais. O Estado vai cedendo a essas demandas também por interesse em manter
seu status quo, para manter o contexto apaziguado. No Brasil a gente tem a
primeira aproximação com essa lógica da política social com Getúlio Vargas. Era
uma lógica bem populista, de forma assistencialista, isto é, voltada para a
benesse. Porém com a Constituição de 1988 é que se dá o marco histórico em que
a política social se constitui numa política universal, principalmente por um
tripé que se chama seguridade social, composto por: uma política de saúde (uma
política universal para todas as pessoas); uma política de assistência social
(para quem dela necessitar) e uma política de previdência social (para atender
o trabalhador contribuinte em algumas ocasiões especiais da sua vida, por
exemplo, na velhice, na doença etc.). Essas três políticas são centrais e foram
desenvolvidas ao longo do tempo.
- Em que áreas as políticas sociais são mais visíveis?
Temos que reconhecer no Brasil um avanço de todas
as políticas sociais, mas percebemos que nesse avanço também há alguns
retrocessos. A lógica da Constituição de 1988 é de uma política universal, para
todas as pessoas. E cada vez mais percebemos alguma privatização, uma ausência
do Estado para as políticas sociais. É o caso da saúde, muito fomentado nas
manifestações sociais. A política de saúde é uma política universal, mas em
função de um contexto de precarização e privatizações há um aumento do mercado,
em que o Estado se retrai e o mercado se expande, transformando um direito
social, conquistado historicamente, em uma mercadoria. Uma outra política que
cresce muito, também com seus avanços e retrocessos, é a política de
assistência social. Hoje se tem um sistema único de assistência social para
amparar o sujeito nas suas demandas sociais. Há todo um avanço na arquitetura
dessa política pública, nos serviços que ela oferece e separado por níveis de
complexidade, para atender todas as demandas dessa sociedade. Então, é uma
época de fomento de política social no Brasil todo, mas também é um momento de
desafios, porque todo avanço é também um retrocesso nesse contexto,
principalmente em função dessa lógica do desmantelamento e da precarização da
política social, fomentada no contexto mundial por determinações políticas,
econômicas, com a finalidade de uma diminuição do Estado.
- As políticas sociais não deixam as pessoas dependentes e acomodadas?
Na verdade, esse discurso tem a ver com a questão
ideológica. Essa forma de compreender que a política social acomoda as pessoas
é uma forma reducionista e preconceituosa de compreender o contexto da política
social. Porque a política social é pensada numa visão equitativa, isto é, para
possibilitar que as pessoas possam se aproximar desse contexto de igualdade,
pois nem todas as pessoas são iguais. A política social é pensada para garantir
os direitos. A própria gestão da política deve ser pensada para um lógica de
participação e não de acomodação ou de subalternidade. Essa é a grande
diferença entre a lógica assistencialista (de simplesmente dar) e para uma
política social que deve ser pensada e executada para atender todas as demandas
do sujeito. Na verdade, a política social não é simplesmente a doação, ceder
alguma coisa, mas é também possibilitar que todos tenham acesso a bens e serviços,
que de outra forma talvez não teriam. O discurso de que a política social
acomoda é uma ideologia bastante liberal, simplesmente para desmantelar
direitos duramente conquistados.
- Mas a política social pode emancipar o sujeito?
Na própria prática profissional do serviço social
podemos ver diversas famílias beneficiárias de um programa ? por exemplo, o
Bolsa Família ? que conseguem, a partir do acesso a cursos profissionalizantes,
deixar o benefício e poder buscar o seu trabalho, seus direitos, seguir sua
trajetória de vida. Nem todas as políticas são compensatórias. Por exemplo,
existem políticas sociais de proteção contra a violência, contra a violência
sexual, ou seja, existem várias políticas sociais que visam a dar conta dessa
totalidade que é o sujeito. Nós não somos parte separada, nós somos um contexto
integral.
- Será que algum dia as políticas sociais não serão mais necessárias?
A política social como um todo não vai ter fim e
não deve ter fim na sociedade em que vivemos. Porque a sociedade, da forma em
que está organizada, no modo de produção capitalista, sempre vai gerar um
impacto social negativo: pessoas fora do mercado de trabalho, processos
precarizados, processos de violência. Por isso, nesse sistema econômico, a
política social vai ser sempre necessária. O que pode acontecer é uma forma de
diminuição da política social em função de um retrocesso do Estado, retrocesso
de direitos. Mas existe uma série de lutas para que as políticas possam ser
ampliadas, efetivadas, ao invés de serem reduzidas. Talvez a muito longo prazo,
com um novo sistema econômico e social, com uma outra forma de organização da
sociedade, aí sim, poderia a política social chegar a um fim; mas isso não é
possível no modo de produção capitalista, em razão da funcionalidade da
política social.
- Como são as políticas sociais em outros países?
Existe no mundo um sistema de proteção muito mais
desenvolvido do que no Brasil. Não é coisa de países periféricos ou
socialistas. É coisa de país capitalista de se gestar, de se constituir
enquanto país. Não é uma particularidade do Brasil. As lutas por direitos são
lutas históricas do mundo inteiro que atravessam a própria história do país.
Por exemplo, alguns sistemas de proteção que existem na Europa, sistemas mais
abrangentes, com políticas não fragmentadas, universalistas. Os estudiosos
apontam no sentido de que há necessidade de ampliar ainda mais a política
social, e não reduzi-la. Que todas as pessoas possam ter acesso a ela. Na
questão das cotas de algumas universidades públicas, seria mais coerente que as
pessoas não precisassem dessa forma de disputa como acontece hoje. Se todas as
pessoas tivessem acesso à educação, se não houvesse a redução desse direito à
educação de qualidade, que é universal, não haveria necessidade de cotas.
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