terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Por uma nova forma de ensinar


Idealizador da Escola da Ponte prega revolução no aprendizado e critica formação de professor no Brasil

O Educador português José Pacheco, ex-diretor da Escola da Ponte, onde não há provas nem divisão por séries: "É preciso uma ruptura, em busca de uma nova Escola"

Inovação. Alunos do Projeto Âncora, em Cotia (SP): não há turmas definidas, e o conteúdo é assimilado e compartilhado pelos estudantes entre si, no ambiente Escolar

Não existe um modelo padrão de Ensino. Cada Escola deve se organizar para atender a seus Alunos. Quem defende a ideia é o Educador José Pacheco que, por mais de 30 anos, dirigiu a inovadora Escola da Ponte, em Portugal, onde o aprendizado é pautado pela confiança entre estudante e Professor: não há salas de aula tradicionais, grade curricular ou provas. Os bons resultados da instituição dão a Pacheco autoridade para questionar o método de Ensino atual. Na era das redes sociais, ele defende o compartilhamento do conteúdo Escolar pelos Alunos, levando a uma construção coletiva do saber. O Educador também classifica como "miserável" a formação dos Professores no Brasil.

- Nada acontece de diferente quando a teoria antecede a prática. É preciso uma ruptura com os modelos convencionais, em busca de uma nova Escola, que se organize em torno dos valores que unem as pessoas atendidas. A Escola não é um edifício, mas um espaço social - comenta o português, que participará do Conecta, evento sobre novas tecnologias e Educação, que ocorre quarta e quinta-feira, no Rio.

Pacheco é um dos idealizadores da Escola da Ponte, na pequena Vila das Aves, a 30 quilômetros do Porto. Na instituição, os Alunos se agrupam de acordo com sua área de interesse. Não há divisão por séries. Monitorados por Professores, o estudante faz seu plano de metas baseado no conteúdo sugerido pelo Ministério da Educação. A metodologia ganhou fama global. Encantado, o escritor e Educador Rubem Alves escreveu trabalhos como "A Escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir" (2003). Cerca de cem instituições no Brasil mudaram para, de certa forma, seguir o exemplo.

O próprio Pacheco está envolvido numa iniciativa que segue essas premissas, em Cotia (SP). Com 440 Alunos, cujas famílias têm rendas de até três salários mínimos, o Projeto Âncora serve ao Pré-Escolar e ao Ensino fundamental, sem turmas definidas. O aprendizado se dá conforme o interesse dos Alunos, que assimilam o conteúdo e o compartilham no ambiente Escolar.

- É um trabalho de formiguinha. Na implantação do projeto, rejeitamos tudo que não interessa. Aulas e séries são um obstáculo para o crescimento humano - diz ele.

Os resultados, segundo Pacheco, são animadores. Alunos marcados pela exclusão recebem atenção que nunca tiveram. Em seis meses, crianças analfabetas aprenderam a ler, e os Professores embarcaram na novidade.

Mas o Educador se mostra preocupado com o quadro geral do Ensino no Brasil e no mundo. Na opinião dele, os métodos em voga estão obsoletos desde o fim do século XIX.



- Basta dizer que, no Brasil, esse tipo de Educação dá origem a 24 milhões de Analfabetos funcionais. Não adianta ser a sexta economia do mundo, quando se ocupa os últimos lugares em rankings de Educação - critica Pacheco, para quem o despreparo das Escolas fica latente diante de questões atuais como o bullying. - Muitas Escolas suspendem ou expulsam Alunos, instalam câmeras de segurança. Deveriam ser adotadas novas formas de diálogo.

Para resolver esse problema, diz ele, é essencial investir na formação de Educadores:

- A formação de Professores no Brasil, não hesito em dizer, é miserável. Parte de princípios errados, como aquele de que a teoria pode anteceder a prática. Não adianta colocar jovens na faculdade e enchê-los com teorias ultrapassadas. Eles perpetuarão esse modelo.

Pacheco diz que a renovação deve englobar a forma como as recentes tecnologias são aplicadas no Ensino. Em tempo de redes sociais, não basta apenas introduzir computadores e mudar o velho quadro-negro pelo monitor digital.

- Mesmo nos EUA e na Europa, o modelo convencional de Educação continua. As novas tecnologias contribuem para a mesmice, quando deveriam proporcionar o compartilhamento de conteúdo entre os Alunos. Se as Escolas entenderem isso, podem migrar de um modelo em que os estudantes são como papagaios repetindo a lição para um ambiente onde ocorra, de fato, a construção do saber - diz o Educador. - Os jovens precisam ser incentivados a reconstruir uma sociedade doente e usar as tecnologias para fazer isso criticamente. Noto que essas ferramentas contribuem para que os Alunos se tornem solitários. Isso é uma regressão.

Evento debaterá uso de tecnologias de forma crítica

Quando o assunto é tecnologia na Educação brasileira, os desafios são inúmeros. Boa parte deles estará em pauta quarta e quinta-feira, na segunda edição do Conecta, realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), no Centro de Convenções SulAmérica. Haverá palestras, oficinas e uma exposição com o que há de mais moderno em equipamentos para o Ensino.

- Queremos mobilizar os Educadores para o uso desses meios de forma crítica. A sociedade está mudando, e a tecnologia está diretamente envolvida nisso, influenciando o comportamento das pessoas e vice-versa. A Escola não pode ficar de fora, para não ser atropelada - explica o assessor de tecnologias educacionais do Sistema Firjan, Bruno Souza Gomes.

Segundo ele, um dos maiores imbróglios é a baixa qualidade da conexão de internet. A discussão terá destaque na programação, com a divulgação do relatório "Horizon Report", resultado de três meses de pesquisas feitas por 30 especialistas em tecnologia e Educação do Brasil.

O documento, diz Gomes, mostra, entre outros tópicos, como o serviço disponível no país está distante do praticado no restante do mundo. Segundo ele, de nada adianta o investimento em equipamentos de última geração se o Aluno não consegue acessar o conteúdo digital.

- Essa discussão tem que ser uma pauta efetiva do governo - avalia ele.

A pesquisa, de acordo com o especialista, também aponta a urgência de uma readequação do currículo Escolar em função dos novos meios. Ou seja, o Ensino contemporâneo precisa ser pensado também em função das possibilidades oferecidas. Parte dessa constatação se justifica pela demanda de mobilidade apresentada pelas novas gerações de Alunos.

- Os jovens querem aprender em qualquer lugar e momento. A tecnologia quebra a barreira da sala como único local de Ensino. Isso envolve todas as classes sociais.

Para uma visualização precisa da utilização desses instrumentos, o evento promove também a Expo Conecta: seis espaços vão mostrar instrumentos de alta tecnologia que podem ser introduzidos em Escolas de Ensino fundamental e profissionalizante. Entre os aparelhos que merecem destaque, está a caverna digital, espécie de cubo formado por telas que projetam ambientes, como uma plataforma de petróleo, a turbina de um avião e até o sistema solar.

O Conecta começa às 10h de quarta. Entre os palestrantes, há representantes de universidades, Escolas e organizações sem fins lucrativos, além de jornalistas. A palestra do Educador português José Pacheco, idealizador da Escola da Ponte, acontece às 9h de quinta-feira.

Fonte: O Globo (RJ) 19/11/2012

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