segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Sociedade do espetáculo: é preciso andar na contramão


entrevista com Rosane Borges, publicada na edição nº 432, novembro de 2012.
(Jornal Mundo Jovem)
Rosane Borges professora do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). rosanedasb@uol.com.br

“Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor!” Esse slogan não é mais exclusividade de circos e parques de diversão que animaram muitas gerações. Vivemos, hoje, na sociedade do espetáculo, das aparências e do consumismo. Assim como os jovens na década de 1960 diziam “não nos demoremos no espetáculo da contestação, mas passemos à contestação do espetáculo”, também hoje muitos jovens buscam ou precisam buscar alternativas de vida com sentido, para além das aparências.

• Como surgiu e o que revela o termo "sociedade do espetáculo"?

A sociedade do espetáculo foi um termo pensado por Guy Debord, num livro que assim se chama. Mas, na verdade, o tema vem desde o século 19, com toda a discussão da chamada "sociedade da sensação". O século 19 é importante na compreensão de tudo que chamamos hoje de visualização exacerbada, o conglomerado de mídias, porque foi o século em que os meios eletrônicos acabaram se firmando e a exploração do olhar se tornou importante. Daí o surgimento das vitrines, do cinema. Esse século é fundamental para pensarmos que houve um deslocamento da exploração das imagens em escala exponencial. Naquele momento, todas as inovações da comunicação começaram a sinalizar para essa espetacularização.

• A sociedade do espetáculo é também a sociedade do consumismo, em que tudo é mercadoria?

É pelo espetáculo que os desejos, as aspirações, os estilos de vida acabam sendo canalizados pelos códigos visuais, pela beleza. Então, a visualidade consegue explorar esse aspecto do bem-estar, da beleza, a partir dos ícones, que são visuais.

• Podemos afirmar, então, que existe hoje um contexto de espetacularização da vida e das relações?

Exatamente. Hoje, quando pensamos em comunicação e em mídia, invariavelmente, nós temos um processo de visibilidade que não garante a integridade do ser humano. Então eu diria que quando pensamos todas essas discussões, e não é nenhum exagero, o papel da religião, da família e das organizações sociais é fundamental, porque ele será o responsável por resgatar aquilo que a grande imprensa não está interessada em abordar e nem abranger. O problema é que temos hoje uma mídia comprometida apenas com os índices de mercado e com o dinheiro. Precisamos ter uma mídia mais ética, mais humana. Então é possível por meio de programas, propagandas, e isso infelizmente está ausente porque não há interesse da grande mídia, porque o que move seus interesses é o mercado.

• O que explica o sucesso de programas como os reality shows, que vendem como espetáculo a privacidade das pessoas?

Os reality shows são o ponto máximo de tudo isso que se tem aí. Eles são uma espécie de saturação de todo esse espetáculo. E, claro, de maneira negativa e perniciosa, porque há todo um ideal do eu, um ideal do que seja o ser humano, um indivíduo que vem sendo, inclusive, corrompido com esses reality shows.

• Por trás de tudo o que a mídia apresenta há um grande espetáculo?

Sim, porque hoje tudo que vivemos e os códigos visuais fazem parte da nossa vida. Então a tendência à espetacularização e essa exposição muito acentuada de imagens levam a que tudo vire um espetáculo. E isso é danoso, porque tem uma raiz violenta com o ser humano. O espetáculo não está, por exemplo, em consonância com a contemplação, que é um princípio e uma virtude de todos nós: contemplar, refletir, pensar.

• Existe uma relação do espetáculo com a violência juvenil?

O espetáculo faz com que nos identifiquemos com os códigos midiáticos a partir daquilo que mais engrandece, especialmente os sujeitos, os indivíduos. Então o jovem quando vai ao cinema ou quando joga videogame de filmes violentos, ele acaba se sentindo identificado naquelas projeções. A identificação que temos com esses ícones midiáticos é muito grande. E isso faz com que se atice cada vez mais a violência. Então você quer ser igual a determinado ator. A busca de afirmação nos jovens através da força, do poder e da ostentação é muito prejudicial. E isso é violento em sua raiz e também promove a violência frenética da velocidade, a paixão que os jovens têm pelos carros... Isso tudo faz parte de uma cultura espetacularizada.

• Em que medida as redes sociais contribuem para a espetacularização da vida?

As redes sociais têm, na verdade, um falso protagonismo do eu. E aí, o que as pessoas compartilham são informações de foro íntimo, que se tornam, numa escala superdimensionada, partilhada por uma rede de pessoas que supomos que são amigas. Então, essa valorização dos aspectos do privado e que passa também por uma subjetividade pressionada é o grande sintoma de que as redes sociais priorizam um eu que abdicou de pensar o espaço público. Embora vejamos nas redes sociais a convocação para movimentos públicos, porque elas servem para isso, se pegar os perfis dos jovens, grosso modo, a preocupação não se dá em torno daquilo que é interesse coletivo, mas muito mais em torno de aspirações individuais e muito simplistas.

• Como os rápidos avanços tecnológicos podem atrapalhar o relacionamento entre pais e filhos?

A internet, por exemplo, nos impõe um tempo veloz que não dá tempo para a reflexão, para a atenção, para a conversa familiar em casa, às vezes, o carinho para com os pais. Então temos hoje um desafio que é: como criar um outro universo relacional com o nosso semelhante, que não seja apenas através do e-mail, apenas a velocidade da internet? Porque isso vai criando disfunções no próprio sentido da comunicação, porque ela é vínculo, ela é reflexiva. A comunicação tem que ser também contemplativa; se ela não for isso, ela fica vazia de sentidos e vira apenas algo que responde a uma demanda tecnológica. Esses avanços, porém, são irreversíveis. A internet é maravilhosa. A tecnologia em si não é maléfica. O que é maléfico são os sentidos que a ela damos. Ora, se o sentido é cultural, se é um processo de construção, podemos desconstruir e construir um outro sentido para a comunicação.

• Temos como sair deste círculo? Quais são as alternativas?

É criando novas alternativas de resgatar o sentido do que achamos que foi perdido. Há um sentido que sempre achamos que foi perdido na nossa sociedade. E nós temos o papel de resgatar esse sentido, que é o sentido da vida, é o sentido, por exemplo, para os cristãos, o que Cristo nos ensinou. Assim, para reverter esse estado de coisas, podemos promover um resgate no sentido da comunicação a partir de algumas variáveis, a partir até mesmo do espaço doméstico. Costumamos dizer, por exemplo, que os jovens hoje têm uma vida autônoma, que muitas vezes os pais não sabem. Essa vida autônoma é garantida pelo computador nos quartos. É importante que a família integre um programa de comunicação, que monitore as crianças e os adolescentes, porque esses meios, essas ferramentas, muitas vezes educam muito mais do que os pais. E é fundamental que os pais estejam atentos para o que os filhos leem ou veem, escutam e participam, para o fato de que a comunicação seja colaborativa, para que os ideais, os valores não sejam os valores transmitidos pelos meios de comunicação e pela internet, que infelizmente é o que hoje influencia muito na formação dos nossos jovens.

• Uma saída dessa engrenagem a que estamos submetidos pode vir por relações mais horizontais, como na cultura do hip-hop, de manos e manas?

Existem muitos movimentos. O que nos conforta e nos dá esperança é que esse quadro desalentador não é o único. Evidentemente que ele tende a ser hegemônico, até pelo poder dos meios que recobrem todo o território nacional. Mas temos organizações, como o próprio movimento hip-hop, que conseguem mobilizar muitos jovens, sem o apoio das grandes mídias, e que têm outros códigos, inclusive de ser e estar no mundo. Esses movimentos têm um efeito didático muito grande, porque conseguem, de certa forma, andar na contramão, oferecer outro discurso e, aí, disputar nessa arena, que é muito complicada, outros modos de ideais e de manifestação cultural

Somos quem podemos ser


Como a visualidade acabou sendo central para a exploração dos desejos do ser humano e da sociedade, ter e aparentar ser alguma coisa ficou muito mais importante do que realmente você ser: ser cidadão, ser humano com valores. Porque o espetáculo leva a uma sociedade de aparências, em que os ícones do capitalismo, do dinheiro, investem pesadamente no narcisismo do ser humano, afastando as pessoas das discussões políticas. Então, canalizamos o que seria para debatermos publicamente como importante, o nosso ímpeto político acaba sendo canalizado para questões frívolas e individuais.

O modelo que os astros e as celebridades despertam nos jovens está muito relacionado com esse universo cultural que a sociedade do espetáculo acaba oferecendo. Temos hoje toda uma valorização de quem é famoso e uma tentativa de pessoas anônimas, especialmente de jovens, de querer ser o que aquelas pessoas são. Mas, na verdade, o que essas celebridades são, ou o que pensamos que elas são, nada mais é do que o resultado artificial de uma construção desse eu para alavancar produtos, vender mercadorias.

Quando normalmente vemos um artista na televisão e queremos ser ele, esse ele que vemos já é formatado e reconstruído pelos sistemas midiáticos. Muitas vezes acreditamos que as pessoas são como são, ou do ponto de vista físico ou da personalidade, e queremos segui-las. Mas elas já são esse produto, e isso tem um efeito muito danoso, porque essa busca pelo ideal, ou esse mimetismo do que tais pessoas fazem, do que elas gostam, isso causa algumas disfunções muito grandes.

Exemplo disso é a anorexia. Muitas meninas, porque não são celebridades, tentam acompanhar a busca do corpo perfeito. Esse é um grande sintoma da nossa sociedade, de como a busca por esse ideal cultural tem muito efeito. Anorexia e bulimia são problemas de saúde que afetam o corpo de jovens, principalmente meninas, em busca de um corpo perfeito que foi muito transmitido e vendido mesmo pelas celebridades.

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