sexta-feira, 23 de agosto de 2013

As Crianças e o Mito dos Contos de Fadas

Anne Marie Lucille
Ester Cartago

Por que tratamos nossas crianças como brinquedos?

Mitos
O Respeito começa quando consideramos que elas são capazes de feitos como nunca fomos
Por que o mundo das crianças está situado numa espécie de reino, o mais distante possível da nossa realidade, um reino repleto de fantasias, de coisas fáceis, de pessoas gentis, onde o bizarro é coisa inexistente, onde os problemas e dilemas humanos não são sequer mencionados, isso, não temos como saber.
Mas, sabemos que é assim, esse é o critério. É a prática comum desde incontáveis gerações. É a conduta aceita e autenticada pelos sistemas cognitivos de todas as nações, pelos especialistas em educação, pelos cientistas sociais.
E, naquele mundo, onde não existem doenças, todo mal é tratado como um vilão, que atua de fora para dentro do indivíduo, como se fosse uma entidade desagregada deste. E ali, a violência é retratada como uma coisa romântica, capaz ser resolvida pela simples presença de um super-herói, ou divindade, que, de repente, irá surgir do nada, ou sempre que for solicitado.
Um mundo utópico, abstrato, onde os sonhos se concretizam, onde apenas as coisas que dão certo são mencionadas. Um epicentro, onde a realidade é totalmente deixada de lado, onde o idealismo e fantasia dos chamados contos de fada, predomina.
Sobre os contos de fada, a parte que chega ao mundo ocidental, o nosso, têm origem na idade média. Foram criados pelos devaneios de alguns escritores, para entreter um público carente de sonhos, que viviam sufocados, encarcerados pela opressão dos costumes da época. Tratando-se, portanto, de uma deliberada concepção surreal, uma fuga à realidade, que logo, no imaginário de cada um, se tornaria tão real quanto o são as coisas concretas.
Eis a base de toda nossa educação, ao menos a ocidental, onde quer que estejamos, como crianças que somos. Se vivemos em um mundo de constantes desafios, onde os problemas e múltiplas atividades do nosso dia a dia preenchem todas as nossas horas de vigília, onde vivemos imersos em disputas e conflitos sem fim, afinal de contas, o que existe de concreto para nós, como objetivo de vida?
A verdade é que, não estamos no controle da situação, as circunstâncias sim. Somos regidos na íntegra, não pela nossa vontade e querer, mas pela necessidade constante de solucionar problemas. Resolver problemas, grandes ou pequenos, este é o nosso atual objetivo de vida. Não criamos nada disso, tudo foi criado antes de existirmos.
Se ensino para meu filho, que existe um mundo imaginário - para ele isso é coisa real - onde todos são capazes de, pela vontade, viverem qualquer tipo de sonho, que seja possível de se criar pelo pensamento, como espero que devam reagir, ao descobrirem mais tarde, sufocados pela competição da vida, que tudo não passara de uma grande ilusão, uma incompreensível mentira? 
 
O Respeito começa quando consideramos que elas são capazes de feitos como nunca fomos
Por incrível que possa parecer, irão ensinar a mesma coisa para seus filhos. Mas, como adultos, dentro de seu imaginário mais profundo, aquela ideia ainda permanecerá viva. Agora terá como amparo a força de suas crenças pessoais, especialmente aquelas de cunho religioso, que lhes asseguram, de fato, a existência daquele mundo repleto de fantasias, criado para servi-los.
Ocorre que, nossas crianças, quando crescidas, irão enfrentar problemas concretos, problemas que ainda não conseguimos resolver, e conhecê-los desde cedo, talvez, faculte-as a decidirem melhor, se desejam, permanecer com eles como companheiros inseparáveis. Ensinar para a vida, é mostrar-lhes, desde cedo, o que é o viver, suas facetas, seus conflitos ainda não resolvidos, o imenso e complexo problema no qual se tornou a aventura existencial do homem.
Para que uma criança seja capaz de resolver seus conflitos, que são os nossos atuais, precisam, desde cedo, aprenderem a conviver com eles. Tanto os conflitos quanto suas causas, tudo isso, são coisas que aprenderão conosco, assim como o ódio, idolatria, fanatismo, antipatia e empatia.
Se somos capazes de lhes ensinar ódio ou afeição, e também a cultivarem problemas e todas as disparidades e injustiças que já existem em nossos dias, como esperamos que haja uma transformação no mundo delas?
Educar não seria lhes ensinarmos como sair dessa imensa e complexa confusão que, embora não a tenhamos criado, somos fiéis multiplicadores? Será que somos capazes de viver sem conflitos e sem medos? Teremos, de fato, tal potencial?
Se temos esse potencial, ainda não fomos capazes de colocá-lo em prática. Se não somos capazes de mudar nada, de que forma essa transformação irá ocorrer no mundo dos nossos filhos, uma vez que eles herdarão tudo que psicologicamente agora somos, nossa incompetência, inclusive?
Se eles precisam de ajuda, acreditamos que nós precisamos ainda mais. Precisamos acordar, precisamos parar de sonhar, de acreditar que as fadas virão do seu reino, numa missão especial, com o objetivo de transformar, com seu encantamento, tudo que foi desarranjado por nós. Se acordarmos, temos chance de mudar. Despertos, temos chance de ensinar-lhes a construir, a partir da nossa mudança, a partir do alicerce que deixaremos para elas. 

As crianças precisam conhecer um pouco sobre a vida que terão pela frente. Precisam conhecer as pessoas, seus pontos fracos, suas possíveis falhas e limites. Precisam saber que suas mães, periodicamente, quando sofrem bruscas mudanças em seu humor, estão a passar por processos orgânicos naturais, que a moderna ciência chamou de Tensão Pré-menstrual.
Isso decerto evitaria um sem número de conflitos internos com seus filhos, que por não compreenderem essa brusca mudança de comportamento da mesma, logo tiram conclusões equivocadas, o que na maioria das vezes, acabam por afetar toda harmonia na convivência do grupo.
Precisam saber o que significa ficar velho, afinal de contas, com sorte, a maioria delas também terão que passar pela mesma condição, no futuro. Não se trata de um processo de escolha voluntária, mas uma certeza. Então, por que esse processo, nós escondemos delas, como se fora coisa inexistente?
Não seria uma forma lógica de, além de criarmos, entre jovens e idosos, um maior vínculo de respeito, também favorecermos uma maior aproximação, diante da clara indiferença dos mais jovens, em relação à velhice? E o mais importante, também seria uma forma de alerta, para a inevitável condição, que aguarda a maioria delas.
Educar para a vida contempla o lado teórico seguido do imprescindível exemplo prático. É a teática da vida, onde o conceito, se transforma em conteúdo, quando pode ser experienciado. Para que isso ocorra, o princípio da dúvida deve ser cultivado, e depois introduzido na grade cognitiva, tudo isso desde as primeiras séries.
Lembrem-se, a lavagem cerebral do mundo, com suas distorções e absurdos, começa cada vez mais cedo. Se nossos filhos não tiverem uma predisposição natural ao questionamento, não estiverem livres para duvidar, investigar e mudar, então, o destino de todos já está selado.

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