Anne
Marie Lucille
Ester Cartago
Ester Cartago
Por
que tratamos nossas crianças como brinquedos?
O Respeito começa quando consideramos que elas são capazes de feitos como nunca fomos
Por que o mundo das crianças
está situado numa espécie de reino, o mais distante possível da nossa realidade,
um reino repleto de fantasias, de coisas fáceis, de pessoas gentis, onde o
bizarro é coisa inexistente, onde os problemas e dilemas humanos não são sequer
mencionados, isso, não temos como saber.
Mas,
sabemos que é assim, esse é o critério. É a prática comum desde incontáveis
gerações. É a conduta aceita e autenticada pelos sistemas cognitivos de todas as
nações, pelos especialistas em educação, pelos cientistas sociais.
E, naquele
mundo, onde não existem doenças, todo mal é tratado como um vilão, que atua de
fora para dentro do indivíduo, como se fosse uma entidade desagregada deste. E
ali, a violência é retratada como uma coisa romântica, capaz ser resolvida pela
simples presença de um super-herói, ou divindade, que, de repente, irá surgir do
nada, ou sempre que for solicitado.
Um mundo
utópico, abstrato, onde os sonhos se concretizam, onde apenas as coisas que dão
certo são mencionadas. Um epicentro, onde a realidade é totalmente deixada de
lado, onde o idealismo e fantasia dos chamados contos de fada, predomina.
Sobre os
contos de fada, a parte que chega ao mundo ocidental, o nosso, têm origem na
idade média. Foram criados pelos devaneios de alguns escritores, para entreter
um público carente de sonhos, que viviam sufocados, encarcerados pela opressão
dos costumes da época. Tratando-se, portanto, de uma deliberada concepção
surreal, uma fuga à realidade, que logo, no imaginário de cada um, se tornaria
tão real quanto o são as coisas concretas.
Eis a base
de toda nossa educação, ao menos a ocidental, onde quer que estejamos, como
crianças que somos. Se vivemos em um mundo de constantes desafios, onde os
problemas e múltiplas atividades do nosso dia a dia preenchem todas as nossas
horas de vigília, onde vivemos imersos em disputas e conflitos sem fim, afinal
de contas, o que existe de concreto para nós, como objetivo de vida?
A verdade é
que, não estamos no controle da situação, as circunstâncias sim. Somos regidos
na íntegra, não pela nossa vontade e querer, mas pela necessidade constante de
solucionar problemas. Resolver problemas, grandes ou pequenos, este é o nosso
atual objetivo de vida. Não criamos nada disso, tudo foi criado antes de
existirmos.
Se ensino
para meu filho, que existe um mundo imaginário - para ele isso é coisa real -
onde todos são capazes de, pela vontade, viverem qualquer tipo de sonho, que
seja possível de se criar pelo pensamento, como espero que devam reagir, ao
descobrirem mais tarde, sufocados pela competição da vida, que tudo não passara
de uma grande ilusão, uma incompreensível mentira?
O Respeito começa quando
consideramos que elas são capazes de feitos como nunca fomos
Por incrível que possa
parecer, irão ensinar a mesma coisa para seus filhos. Mas, como adultos, dentro
de seu imaginário mais profundo, aquela ideia ainda permanecerá viva. Agora terá
como amparo a força de suas crenças pessoais, especialmente aquelas de cunho
religioso, que lhes asseguram, de fato, a existência daquele mundo repleto de
fantasias, criado para servi-los.
Ocorre que,
nossas crianças, quando crescidas, irão enfrentar problemas concretos, problemas
que ainda não conseguimos resolver, e conhecê-los desde cedo, talvez, faculte-as
a decidirem melhor, se desejam, permanecer com eles como companheiros
inseparáveis. Ensinar para a vida, é mostrar-lhes, desde cedo, o que é o viver,
suas facetas, seus conflitos ainda não resolvidos, o imenso e complexo problema
no qual se tornou a aventura existencial do homem.
Para que
uma criança seja capaz de resolver seus conflitos, que são os nossos atuais,
precisam, desde cedo, aprenderem a conviver com eles. Tanto os conflitos quanto
suas causas, tudo isso, são coisas que aprenderão conosco, assim como o ódio,
idolatria, fanatismo, antipatia e empatia.
Se somos
capazes de lhes ensinar ódio ou afeição, e também a cultivarem problemas e todas
as disparidades e injustiças que já existem em nossos dias, como esperamos que
haja uma transformação no mundo delas?
Educar não
seria lhes ensinarmos como sair dessa imensa e complexa confusão que, embora não
a tenhamos criado, somos fiéis multiplicadores? Será que somos capazes de viver
sem conflitos e sem medos? Teremos, de fato, tal potencial?
Se temos
esse potencial, ainda não fomos capazes de colocá-lo em prática. Se não somos
capazes de mudar nada, de que forma essa transformação irá ocorrer no mundo dos
nossos filhos, uma vez que eles herdarão tudo que psicologicamente agora somos,
nossa incompetência, inclusive?
Se eles
precisam de ajuda, acreditamos que nós precisamos ainda mais. Precisamos
acordar, precisamos parar de sonhar, de acreditar que as fadas virão do seu
reino, numa missão especial, com o objetivo de transformar, com seu
encantamento, tudo que foi desarranjado por nós. Se acordarmos, temos chance de
mudar. Despertos, temos chance de ensinar-lhes a construir, a partir da nossa
mudança, a partir do alicerce que deixaremos para elas.
As crianças precisam conhecer
um pouco sobre a vida que terão pela frente. Precisam conhecer as pessoas, seus
pontos fracos, suas possíveis falhas e limites. Precisam saber que suas mães,
periodicamente, quando sofrem bruscas mudanças em seu humor, estão a passar por
processos orgânicos naturais, que a moderna ciência chamou de Tensão
Pré-menstrual.
Isso
decerto evitaria um sem número de conflitos internos com seus filhos, que por
não compreenderem essa brusca mudança de comportamento da mesma, logo tiram
conclusões equivocadas, o que na maioria das vezes, acabam por afetar toda
harmonia na convivência do grupo.
Precisam
saber o que significa ficar velho, afinal de contas, com sorte, a maioria delas
também terão que passar pela mesma condição, no futuro. Não se trata de um
processo de escolha voluntária, mas uma certeza. Então, por que esse processo,
nós escondemos delas, como se fora coisa inexistente?
Não seria
uma forma lógica de, além de criarmos, entre jovens e idosos, um maior vínculo
de respeito, também favorecermos uma maior aproximação, diante da clara
indiferença dos mais jovens, em relação à velhice? E o mais importante, também
seria uma forma de alerta, para a inevitável condição, que aguarda a maioria
delas.
Educar para
a vida contempla o lado teórico seguido do imprescindível exemplo prático. É a
teática da vida, onde o conceito, se transforma em conteúdo, quando pode ser
experienciado. Para que isso ocorra, o princípio da dúvida deve ser cultivado, e
depois introduzido na grade cognitiva, tudo isso desde as primeiras séries.
Lembrem-se,
a lavagem cerebral do mundo, com suas distorções e absurdos, começa cada vez
mais cedo. Se nossos filhos não tiverem uma predisposição natural ao
questionamento, não estiverem livres para duvidar, investigar e mudar, então, o
destino de todos já está selado.
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