terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Grupos Escolares: uma lembrança prazerosa


 Grupos Escolares: uma lembrança prazerosa   

 

                                            Iza Aparecida Saliés

 

Como muitas meninas da minha época, estudei no antigo Grupo Escolar, fiz parte de uma geração que obedecia às exigências de uma escola preparada para ensinar a ordem e o progresso do país.

Pautada nesse pressuposto pedagógico da época, ou seja, de uma escola tradicional onde imperava a disciplina, a rigidez impecavelmente exigidas para as  alunas e alunos.

Então, aprendi obedecer, organizar e ser responsável pelos trabalhos, estudos, tarefas e sabatina, tudo isso, era cobrado rigorosamente pelas professoras e respaldadas pelas mães, em casa.

 Sem dúvida, que esses conceitos, acima citados,  foram fortemente sedimentados em minha vida, são ensinamentos que permanecem  latentes até hoje. Cabe ressaltar, que inegavelmente, também, contribuíram para a constituição da minha identidade  profissional, como também, deu sustentação à  trajetória pessoal.

A modernidade acha que esses pressupostos são  decadentes e ultrapassados, mas, confesso que sempre estou buscando referência nesses ensinamentos, mesmo conhecendo as atuais concepções teóricas sobre educação e ensino, defendidas pelo movimento pedagógico contemporâneo.

Grupo Escolar, escola, que sustentava sua finalidade social, na formação integral dos alunos, associando o conceito de educação e ensino, assim sendo, articular com muita propriedade e sincronia esses conceitos também com a aprendizagem.

No ensino dos chamados grupos escolares, o currículo de ensino era pautado na  perspectiva de um currículo com formatação enxuta, com conteúdos rigorosamente selecionados, e cobrados por parte da coordenação da escola, com acompanhamento sistemático do Planejamento com o Plano de Aula do professor.

Esse currículo atendia também, uma interface com a finalidade de preparar os alunos para a vida, preparando-os em valores sedimentados socialmente.  Sua função era  especialmente direcionada ás questões pedagógicas, ou seja, a de ensinar e de aprender.  O entendimento daquele momento era que, educar era competência da família, e a escola a finalidade de e ensinar e aprender. 

Cabe neste momento, ressaltar que os antigos grupos escolares dispunham de uma qualidade de ensino e aprendizagem,  inquestionável.

Como era obrigação dos pais educarem seus filhos, nós chegávamos para estudar, com a certeza de que  teríamos que comportar, exigiam bons modos, observavam o modo de andar, falar, ou seja, de portar-se, falar era impossível, pedir para ir ao banheiro?Pior ainda. Mesmo com todo esse rigor da escola, nós obedecíamos, rezávamos na cartilha do bom comportamento. 

Eu morava no Proto, bairro antigo da cidade de Cuiabá e os grupos escolares ficavam no centro, seu nome “Grupo Escolar Barão de Melgaço” funcionava onde hoje está a Biblioteca Púbica Estevan de Mendonça, prédio histórico, lembra os idos de 1945.

 Como o bairro era longe tinha que tomar lotação[1][i], a viagem era do porto à cidade, ou seja, ao centro, tomava o rumo Rua 13 de junho até chegar ao ponto final, em frente à loja Miglália [I1] ao lado do correio. Era um prazer fazer esse roteiro todos os dias, rotina que possibilitou uma infância divertida de brincadeiras.

A ida para a escola era puro prazer, momento de desfrutar do rico cardápio de pirulitos, picolés, balas, cacau, suco de saquinho e outras atrações que ficavam na porta do grupo escolar. O lanche hora do leite, do pão com manteiga, do bolo vendido na porta do colégio, a queimada, a amarelinha, as brigas, os acertos.  

Lembro também da hora do sino, da entrada, hora de cantar o hino, a entrada na sala de aula, sapato boneca, meias três quartas brancas, saias azuis e blusa branca, o uniforme impecável de limpo e ajeitado no corpo.

É inenarrável a dedicação das senhoras professoras mulheres dedicadas, deixavam seus lares para fazer o ofício de ensinar, nobres professoras como a Profª Adelaide Fortunato, Elizabeth Sena, Eneida Salla, brilhantes profissionais que ensinaram as primeiras letras e os conhecimentos elementares para o meu letramento escolar.

Ora eram professoras ora eram mães, apesar da rigidez e disciplina, componentes obrigatórios para a formação das escolas da época, exigências do sistema de ensino, ainda assim, agiam com muito carinho.   Professoras que contribuíram fortemente para minha formação são pessoas que até hoje relembro com muita nostalgia.

Chegávamos à escola, educados e comportados jamais poderíamos contestar a professora.  Como a formação familiar era rígida, então não havia estranhamento quanto ao comportamento que deveria ter na escola, assim, ficava fácil para a professora dominar os alunos, e mesmo assim aparecia de vez em quando, um aluno querendo fazer gracinha, sem muito progresso.

Nos bons tempos em que a escola era o espaço de respeito, considerado como o templo do saber, as professoras eram pessoas dotadas de boa vontade, dedicavam parte do seu tempo em ensinar o melhor, não importava a decoreba, não importava se a disciplina era rígida, importava sim, com a formação integral da criança.  

Assim foi o primário, mas o ginásio, esse sim, foi menos rígido, não só pelo fato de estar em outra etapa de ensino, como na década de 70 para 80 já estavam discutindo a escola nova, e em Cuiabá não foi diferente, pois a universidade federal esta sendo instalada na capital.               

Decorei muitos pontos, estudei muitas vezes na madrugada, tinha que memorizar rápido porque as sabatinas eram orais e escritas, tinha ainda as famosas dissertações dos pontos estudos e dos conteúdos que a professora dava do livro.

Certo dia a professora Irmã Teresinha Arruda fez uma prova onde tínhamos que falar tudo que sabíamos sobre a Roma Antiga, na prova tinha que escrever o ponto inteirinho sem esquecer um detalhe, descrever tudo que eu sabia sobre o tema sem esquecer se quer um item, não era fácil, mas sabíamos fazer com perfeição. 

Outra exigência da época era a caneta tinteiro, como sou canhota tinha muita dificuldade para escrever, pois enquanto escrevia de um lado o outro já estava borrado, e as professoras também tinham dificuldade para lidar comigo, ter aluno canhoto na sala de aula era um problema para a professora, é como se fosse trabalhar com aluno deficiente.

As professoras exigiam perfeição, o combate à rasura, o caderno perfeito, sem borrão, sem orelha, sem sujeira, sem rasgado, tudo tinha que ser impecável, eram cobranças que faziam parte da formação do aluno.

A escola da saudade, a do passado, a escola rígida, arbitrária às vezes, ia, contuidista, com curricular de ensino elaborado para atender uma minoria, parece não ter pecado nos seus atos, porque de fato respondia às necessidades da sociedade do seu tempo.

Essa escola do passado que hoje criticamos, pela rigidez, pela forma de ensinar, que os estudiosos da pedagogia denominaram de tradicional, por lidar com o ensino e a aprendizagem numa perspectiva dura, de cobrança, de disciplina de autoridade, ainda assim, com todos esses defeitos propiciou aos seus alunos uma formação escolar de qualidade pelas vias da escola pública.

Agora convivemos com a chamada escola publica para toda a escola que não pode chamar atenção do aluno, que não da conta dos conteúdos, que não da conta da formação de valores, não da conta da educação dos alunos, que não da conta da diversidade, que não da conta da pluralidade cultural, está ai, precisa mudar, mas, ainda não achou o seu rumo.

O modelo de escola que está posto nos dias atuais, precisa romper com essa fábrica de desigualdade, ocasionando em série a exclusão escolar, por meio dos subentendidos índices de evasão, repetência e defasagens idade/série e abandono, que são elevados, conhecidos pelo Sistema Educacional, porém com poucas perspectivas de solução imediata.

A dedicação das professoras e a credibilidade que elas inspiravam faziam delas, pessoas queridas, acolhedoras, de vez em quando passava mão nas nossas cabeças e dizia cuidado. Pouco a pouco elas iam desenvolvendo a difícil arte de ensinar com competência, seriedade e compromisso, isso se dava pelo fato de que elas eram autoridade máxima da sala de aula, sabiam ensinar, estavam sempre preparadas estudavam os conteúdos da aula, tinha respostas certas para os alunos.

               




[1] Transporte que era usado pelas pessoas na época, em geral era Comb.


 





Nenhum comentário:

Postar um comentário