terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O tempo do ba-be-bi-bo-bu ficou para trás


O tempo do ba-be-bi-bo-bu ficou para trás


 
Carilona Tarrui
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Deba­tes sobre a ­melhor ­maneira de alfa­be­ti­zar as crian­ças não são uma novi­dade dos nos­sos dias. "Por mais de um ­século, os esfor­ços de ­mudança das esco­las se con­cen­traram nessa ques­tão", diz Maria do Rosá­rio Longo Mor­tatti, pro­fes­sora livre-­docente da área de edu­ca­ção da Uni­ver­si­dade Esta­dual Pau­lista. Até o final do século 19, as esco­las cos­tu­ma­vam alfa­be­ti­zar ­usando os cha­ma­dos "méto­dos sin­té­ti­cos", que vão da "parte" para o "todo". O ­método alfa­bé­tico uti­liza as ­letras. O fônico, os sons cor­res­pon­den­tes às ­letras. O silá­bico, as síla­bas. Em um ­segundo momento, per­ce­beu-se que seria ­melhor uti­li­zar méto­dos ana­lí­ti­cos, que par­tem do todo. Pas­sou-se então a ensi­nar lei­tura e ­escrita a par­tir de pala­vras, sen­ten­ças ou his­to­rie­tas, que ­faziam mais sen­tido para as crian­ças, para só ­depois che­gar à aná­lise das par­tes: as ­letras. "Mui­tas esco­las mes­cla­ram os dois méto­dos, dando ori­gem ao ana­lí­tico-sin­té­tico ou vice-versa", diz Maria do Rosá­rio. A par­tir de 1980, porém, o uso des­ses méto­dos pas­sou a ser for­te­mente ques­tio­nado. "Nesse ­momento chega ao Bra­sil o pen­sa­mento cons­tru­ti­vista sobre a alfa­be­ti­za­ção, resul­tante das pes­qui­sas sobre a psi­co­gê­nese da lín­gua ­escrita, desen­vol­vi­das pela argen­tina Emí­lia Fer­reiro", ­explica Maria do Rosá­rio. As pes­qui­sas de Emí­lia muda­ram o foco de “como se ­ensina” para “como se ­aprende”. ­Parece pouco, mas essa ­mudança cau­sou uma revo­lu­ção.

 "Suas pes­qui­sas mos­tra­ram que as crian­ças criam hipó­te­ses pró­prias sobre a escrita, muito antes de serem auto­ri­za­das pela ­escola a apren­der. E que o ­ensino pre­cisa dia­lo­gar com essas hipó­te­ses", diz Telma Weisz, coor­de­na­dora do curso de espe­cia­li­za­ção em alfa­be­ti­za­ção, do Ins­ti­tuto Supe­rior de Edu­ca­ção Vera Cruz. Para o pen­sa­mento cons­tru­ti­vista, dei­xar crian­ças peque­nas escre­ve­rem o que qui­se­rem num papel ou lousa faz parte da alfa­be­ti­za­ção. Elas não pro­du­zem rabis­cos, ainda que ­pareça. O que estão ­fazendo é se apro­xi­mar da cul­tura ­escrita. "Não é neces­sá­rio levar o ba-be-bi-bo-bu para a sala, nem falar da foné­tica. A ­criança per­cebe tudo sozi­nha. Isso é o que Emí­lia mos­trou. Para apren­der a ler, o que você pre­cisa é pen­sar sobre a ­escrita. Esse é o ponto difí­cil para algu­mas pes­soas enten­de­rem", ­afirma Telma.

O pen­sa­mento cons­tru­ti­vista foi, gra­da­ti­va­mente, sendo dis­se­mi­nado entre os edu­ca­do­res nas esco­las bra­si­lei­ras. Mas a falta de um "método ­constru­ti­vis­ta" dei­xou os pro­fes­so­res per­di­dos. Eles enten­diam a teo­ria, mas se per­gun­ta­vam como fazer em sala de aula para tra­ba­lhar com essas hipó­te­ses dos alu­nos. "Com isso, às vezes sem ­admiti-lo, esco­las e pro­fes­so­res uni­ram, de for­mas pró­prias e muito dife­ren­tes, o que enten­diam da pers­pec­tiva cons­tru­ti­vista com os méto­dos antes uti­li­za­dos", diz Maria do Rosá­rio, que ­entende que não é pos­sí­vel pres­cin­dir de méto­dos, de um cami­nho, um pro­ce­di­mento.

Construtivismo: discurso e prática


Hoje, muitas ins­ti­tui­ções par­ti­cu­la­res dizem acre­di­tar no pen­sa­mento cons­tru­ti­vista. "Pra­ti­ca­mente não há esco­las que não se assu­mam cons­tru­ti­vis­tas", ­observa Fer­nando José de ­Almeida, ex-secre­tá­rio muni­ci­pal da Edu­ca­ção de São Paulo. "Só que isso não é real para ­grande parte delas, por­que, em mui­tos casos, o cons­tru­ti­vismo se tor­nou um dis­curso, mas não se cons­ti­tuiu em uma pra­tica", diz. Os colé­gios inte­gra­dos Domus Sapien­tiae e Mon­tes­sori Santa Tere­zi­nha, por exem­plo, ini­cial­mente usa­vam ape­nas o ­método ­fônico. "É uma téc­nica de deco­di­fi­ca­ção de sons ­criada no iní­cio de 1900. Com as pes­qui­sas de Emí­lia Fer­reiro, sabe­mos que a ­cri­ança está em con­tato com o mundo ­letrado desde cedo e que pre­ci­sa­mos tra­ba­lhar com isso, antes in­clu­sive de apre­sen­tar os sons. Valo­ri­za­mos mais do que antes a impor­tân­cia dos tex­tos, o tempo que ca­da aluno pre­cisa para ler e escre­ver", diz a coor­de­na­dora ­Solange ­Rodella. No colé­gio, desde peque­nas as crian­ças são esti­mu­la­das a ampliar o seu uni­verso de lei­tura, por meio de his­tó­rias, e a pen­sar sobre a cul­tura ­escrita. "Aos 6 anos, apre­sen­ta­mos gra­fe­mas e fone­mas às crian­ças", conta. ­Depois das ­vogais, elas apren­dem, por meio dos sons, o "PVR" e daí por ­diante. ­Entram, então, os dita­dos: a par­tir de um dese­nho, o aluno forma a pala­vra com letri­nhas de ­madeira. Após a cons­tru­ção das pala­vras, há o ­momento de auto-cor­re­ção, pois a ­criança tem a seu lado o ­modelo cor­reto. "Enten­de­mos que de nada ­adianta ter ­idéias e não saber ­expressá-las orto­gra­fi­ca­mente, assim como não há vali­dade em escre­ver cor­re­ta­mente, mas sem ­idéias", ­afirma ­So­lange. "Torna-se impos­sí­vel sepa­rar os dois". 

 

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