A avaliação nos limites da razão é o instigante título do livro que o francês Charles Hadji atualmente está escrevendo. "Tento mostrar como é possível escapar aos desvios e às perversões da grande tentação avaliativa que tomou conta nossa época e que fica evidente na insanidade das premiações e das classificações, na veneração dos indicadores e no desprezo das finalidades", adianta o professor emérito da Universidade Pierre Mendès-France Grenoble 2. Considerado um dos maiores estudiosos da avaliação na atualidade, Hadji desenvolve um trabalho de reflexão e de pesquisa metodológica sobre uma avaliação que, além da simples eficácia ou mesmo da equidade, está voltada para aquilo que ele chama de educatividade ou valor propriamente educativo (VPE) de toda ação com pretensão educativa. "Essa ação foi educativa?: eis a pergunta que em geral se esquece de fazer!", explica Hadji. Enquanto o novo livro não chega às livrarias, leia na entrevista a seguir algumas das ideias que têm pautado toda a sua obra: "É hora de a avaliação recobrar sua razão".
Muito além dos indicadores
Quais foram, na sua opinião, as principais as mudanças ocorridas na esfera educativa nestes últimos anos?
Correndo o risco de ser um pouco sucinto, visto que esta análise exigiria um trabalho sério, de ordem histórica, econômica e sociológica, eu destacaria cinco mudanças educativas importantes nos últimos 30 anos, referindo-me particularmente à situação da França: primeiro, a mudança do público das instituições de ensino, sobretudo nos níveis de ensino secundário e superior; segundo, a mudança nos comportamentos escolares em um contexto de dessacralização, no qual já não se atribui o mesmo prestígio à escola, e de dessantuarização, no qual a escola não é mais uma ilha, um refúgio calmo e protegido, ao abrigo dos sobressaltos e das tensões do mundo, sendo que a violência irrompeu nas próprias salas de aula; terceiro, a mudança nas condições de exercício do ofício de professor; quarto, as mudanças das expectativas em relação à escola, ou seja, em um clima de crise econômica e social, atribui-se a ela a responsabilidade de prevenir e de regular todos os problemas: de violência social, de competência técnica e econômica dos trabalhadores, de conflitos entre culturas e religiões e, ao mesmo tempo, manifesta-se em relação a ela desencanto, no melhor dos casos, e desprezo no pior deles. Finalmente, as mudanças nas tecnologias da informação e da comunicação.
Podemos dizer que as práticas avaliativas acompanharam essas mudanças?
Em relação a essas importantes transformações, as práticas de avaliação com certeza não evoluíram tão rápido nem de maneira tão satisfatória quanto seria necessário. É claro que não se deve esperar da avaliação que, como um cata-vento, siga todas as evoluções e se adapte a todas as mudanças do contexto, sob pena de perder seu espírito, isto é, de esquecer a especificidade dos serviços que ela pode e deve oferecer em razão de sua essência. É preciso lembrar, agora e sempre, que a avaliação serve para dizer se uma realidade é aceitável em face de determinadas expectativas, formular aquilo que chamei de "julgamento de aceitabilidade".
Qual é o impacto dessas mudanças
na avaliação escolar?
A maior heterogeneidade dos alunos criou algumas dificuldades de ordem didática e pedagógica: o que é preciso ensinar a esses alunos e como fazer isso de maneira eficaz? Progressivamente, impôs-se a ideia de centrar o ensino em um "patamar comum" de conhecimentos, de competências e inclusive de regras de comportamento, e a avaliação teria então como tarefa essencial apreciar sua construção. A necessidade de se centrar em noções essenciais, em aprendizagens fundamentais, caminhou logicamente a par da emergência e do desenvolvimento de uma corrente que se instalou em vários países francófonos (Quebec, Comunidade Francesa da Bélgica, cantão de Genebra): a da abordagem da avaliação pelas competências. Se uma "pedagogia da integração" dá ênfase às competências que todo aluno deve dominar, a avaliação das aquisições deve ser focalizada nas competências, que serão apreciadas em situações concretas e complexas. A necessidade de dar mais atenção à diversidade dos alunos, levando em conta a singularidade de seus percursos de aprendizagem, levou, aliás, ao desenvolvimento de ferramentas como o portfólio, coleção seletiva de trabalhos de um aluno que ilustra, por meio de suas realizações, os esforços e progressos feitos. Essa ferramenta de autoavaliação é considerada por alguns como uma alavanca para melhorar o ensino, podendo inclusive ser utilizada nas classes pré-escolares.
E em relação às mudanças no ambiente
escolar e na profissão docente?
As evoluções dos comportamentos (alunos mais difíceis) e o aumento da violência voltaram o foco para os estabelecimentos de ensino e para o "clima" que reina em cada um. Assim, desenvolveu-se uma corrente de pesquisa sociológica centrada na observação de eventuais "efeitos-estabelecimento", procurando determinar a parte do clima nesse efeito, ao mesmo tempo em que se multiplicavam as tentativas de avaliação, sejam externas (por especialistas), sejam internas (pelos atores do terreno), sejam mistas. As transformações do ofício de professor, que passa a ser "facilitador de aprendizagens" em um contexto mais difícil, provocaram inúmeros conflitos de ordem mais ideológica do que científica. Isso teve como efeito confundir a questão da avaliação "formativa" e lançar uma espécie de véu de ignorância sobre a pertinência fundamental da intenção de colocar as avaliações feitas durante a escolaridade a serviço das aprendizagens dos alunos.
A questão das expectativas em relação à escola que o senhor levanta parece ser um dos maiores desafios para a avaliação. O senhor concorda com isso?
A mudança das expectativas em relação à escola deveria ter conduzido a uma reflexão coletiva aprofundada sobre suas finalidades, o que não ocorreu verdadeiramente. Ora, a falta de especificação das finalidades torna qualquer priorização discutível (quais devem ser, de fato, as expectativas consideradas prioritárias?) e, em última análise, qualquer avaliação do sistema arriscada. É por isso que as avaliações nacionais de caráter global, assim como as avaliações internacionais das aquisições do tipo PISA, desenvolvem-se em um clima de conflito ideológico sobre a queda do nível ou os efeitos nefastos de centrar no aprendiz (na França) ou sobre o malefício da supressão das notas (na Suíça). Também nesse caso, a questão da avaliação não fica clara em certos debates que acompanham as evoluções recentes do cenário educativo. Um importante esforço de esclarecimento ainda precisa ser feito, tanto no que diz respeito às missões da escola quanto no que se refere aos usos da avaliação dessas missões.
E qual é o papel das novas tecnologias na avaliação?
Começa-se a constatar o desenvolvimento de práticas de avaliação que utilizam as novas tecnologias de forma apropriada, isto é, como uma ferramenta eficaz de coleta de informações sobre o trabalho dos alunos e sobre os seus resultados. Embora não seja da natureza dessas tecnologias transformar o ato de avaliação, elas podem melhorar consideravelmente a sua prática. Porém, como já observei, seu maior interesse é de ordem pedagógica.
Voltando à questão da diversidade, como
levar em conta as diferenças entre os alunos,
em particular nos seus ritmos, e ao mesmo tempo respeitar as exigências de rendimento?
Trata-se de uma questão de ordem didática e pedagógica: a avaliação aqui só é envolvida de maneira secundária, como auxiliar da tarefa de ensinar e de formar. O problema é gerir adequadamente a heterogeneidade dos alunos. Uma das respostas é o desenvolvimento de práticas de "pedagogia diferenciada". É no seio dessas práticas que a avaliação formativa encontra todo o seu sentido e toda a sua dimensão, orientando o professor sobre as suas escolhas (relativas à composição de grupos temporários de trabalho, à seleção de tipos e níveis de exercícios, à implementação de métodos específicos) e sobre os efeitos dessas escolhas. Podemos pensar então que essa diversificação dos "menus", dos ritmos, dos métodos, é o caminho mais apropriado para possibilitar que crianças de origens, motivações e competências diversas progridam no seu ritmo, mas em uma mesma estrutura educativa, na qual poderão avançar também na consciência de seu pertencimento a uma mesma "cidadania", no sentido de um patamar comum de competências de base − e isso até a conclusão do ensino fundamental obrigatório. Uma avaliação centrada nas competências é totalmente coerente com essa prática no âmbito de uma progressão educativa mais voltada para "aquilo que não se pode ignorar" do que para "aquilo que se deve saber". Assim, a uma orientação tradicional, que leva a ampliar os programas em excesso, segue-se uma orientação inovadora, que privilegia o essencial.
A maneira de pensar a avaliação oscila
segundo os paradigmas educativos. Haveria
tendências dominantes na avaliação escolar?
É preciso primeiramente identificar os "paradigmas" educativos existentes hoje. Poderíamos opor a educação tradicional ou tradicionalista (que privilegia a transmissão de um conteúdo a alunos mais passivos) à educação nova (caracterizada pela confiança na capacidade de desenvolvimento positivo da criança, que deve ser ativa). A educação tradicionalista teria hoje a cara da "escola republicana", daqueles que querem voltar aos métodos "que foram postos à prova no passado", um passado geralmente mítico e fantasioso! E a educação nova teria a cara de todos aqueles que preconizam uma pedagogia ativa, centrada no trabalho dos alunos. No primeiro caso, a avaliação escolar tem como principal objetivo medir a efetividade da transmissão dos saberes. No segundo caso, visa a apreciar a situação de cada aluno em cada um dos campos de desenvolvimento. No primeiro caso, poderíamos falar de avaliação administrativa institucional; no segundo, de avaliação pedagógica. As duas são necessárias em uma atividade educativa instituída. O problema seria que a necessidade de uma fizesse esquecer a da outra. Poderíamos acrescentar a esses dois paradigmas o da "pedagogia de domínio", oriunda dos trabalhos de Bloom e fundada na ideia de que todos os alunos serão capazes de aprender se lhes derem o tempo necessário conforme uma progressão organizada racionalmente. Nesse caso, a avaliação serve para verificar, ao final de cada unidade de ensino, o domínio das competências ensinadas, o que vai no mesmo sentido da avaliação centrada nas competências.
Quais mudanças na avaliação podem ser previstas para os próximos anos?
Não sendo adivinho, não me arriscarei (tal como em matéria de futebol, por exemplo) a fazer prognósticos que a realidade terá o prazer malévolo de desmentir amanhã! Contudo, duas coisas parecem-me mais ou menos certas: a primeira é que, em uma sociedade conturbada, na qual a exigência de resultados torna-se uma obsessão, a demanda de avaliação só tende a aumentar. A extensão do campo da avaliação nesse aspecto chega a ser impressionante hoje. A segunda é que, diante disso, deve-se procurar sempre manter um equilíbrio entre avaliação administrativa e avaliação a serviço dos públicos, tendo-se o cuidado para que a avaliação não se torne um instrumento de opressão a serviço de um poder tentado pelos abusos, mas também para que ela não deixe de lado suas exigências de pertinência e de objetividade. É por isso que será preciso voltar permanentemente ao fundamental, lembrando aquilo que dá sentido à atividade de avaliação: tentar verificar em que medida os objetivos considerados prioritários foram ou não atingidos. Isso sempre estará além da simples medida e do mero recurso a indicadores. Eis finalmente o prognóstico que me arrisco a fazer.
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quarta-feira, 2 de novembro de 2011
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