segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

'Anos finais do Ensino Fundamental precisam ser repensados', diz pesquisadora


Superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária critica a falta de políticas específicas para esses alunos

Fonte: iG
Nos últimos anos, as políticas e os programas de governos estaduais, municipais ou o federal se concentram na educação infantil, no ciclo da alfabetização ou no ensino médio. Mas a trajetória escolar que os une – os quatro últimos anos do ensino fundamental, chamados de anos finais ou fundamental II – tem sido constantemente esquecida.
Esse “esquecimento”, lembra a pedagoga Anna Helena Altenfelder, pode custar caro. Todo o investimento feito nas etapas iniciais pode se perder. “Se não encararmos o desafio de repensar o fundamental II, vamos perder esforços”, ela diz, categórica. Para ela, o país age como se a qualidade dos anos iniciais fosse naturalmente chegar aos anos finais.
Segundo ela, que é doutora em psicologia e superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), essa lógica está equivocada. “Os indicadores mostram o contrário, estamos perdendo as conquistas”, pondera.
A pesquisadora, que atua também como formadora de professores, conversou com o iG sobre o tema no Congresso “Educação: agenda de todos, prioridade nacional”, organizado pelo movimento Todos pela Educação.
Confira os principais trechos da entrevista:
iG: Como você avalia os anos finais do ensino fundamental no Brasil?
Anna Helena Altenfelder: Essa fase é conhecida como “o ciclo esquecido”. Um dos fatores é que ele está dividido entre as redes municipais e estaduais. Além disso, existem poucas pesquisas focadas no que chamamos de ensino fundamental II. O próprio Plano Nacional de Educação pouco se refere a metas específicas. Essa fase não é considerada nas suas especificidades, nem nas políticas nem nas pesquisas.
iG: Por que isso acontece?
Anna Helena: Talvez porque, no Brasil, historicamente, houve um esforço em olhar o início da trajetória e depois o ensino médio. Como se a qualidade dos anos finais do fundamental fosse uma decorrência de um bom início. Mas o que a gente observa nos indicadores é justamente o contrário: temos avanços nos anos iniciais e os perdemos nos finais. É difícil dizer por que isso acontece. Essa divisão entre as redes, que ainda não têm um sistema articulado, atrapalha. As redes municipais acabam focando os anos iniciais do fundamental e as estaduais, o ensino médio. O fundamental II não se torna prioridade de nenhuma. Além disso, essa é uma fase muito específica, que traz uma grande mudança na organização da escola. Os alunos deixam de ter um professor, uma referência única, uma rotina, e passam a ter cinco professores ou mais, muitas vezes sem nenhum tipo de orientação. Não é um problema só da rede pública. Essas especificidades não são consideradas.
iG: Se o país não encontrar saídas para solucionar essas dificuldades vai perder as melhorias de aprendizagem que conseguiu com essa geração?
Anna Helena: Eu não tenho dúvida disso. Se não encararmos o desafio de repensar o fundamental II, vamos perder esforços. Não adianta pensar no ensino médio. Há uma evasão muito grande nessa fase, o índice de distorção idade-série é alto, há muitos meninos atrasados e nós sabemos que o aluno em atraso hoje é o que vai abandonar a escola amanhã, porque ele se desmotiva. Há um número enorme de meninos que não chega ao ensino médio.
iG: Quais problemas, além do estranhamento da mudança, marcam essa fase?
Anna Helena: É preciso entender a especificidade dessa faixa etária. É uma fase de transição, em que os alunos começam a procurar mais autonomia, querem protagonismo, sentem que não são mais crianças e precisam ser reconhecidos assim. É um desafio para a escola entender como dialogar com esse jovem, que está inserido num mundo com as novas tecnologias, que tem outro ritmo e, certamente, outras formas de aprender. A escola tem de estabelecer um diálogo com a cultura, o interesse e as necessidades deles. É um grande desafio, mas a gente precisa pensar numa revisão curricular, na reorganização dos tempos e espaços da escola, que são marcados por aulas de 50 minutos, em que um professor entra e outro sai da sala, muda o assunto, não tem conversa. Isso não responde mais às necessidades deles.
iG: Existem soluções possíveis, de curto prazo, para resolver esses problemas?
Anna Helena: A polivalência de professores é uma medida fácil de ser tomada, que eu vejo com bons olhos. Seria o aluno ter o mesmo professor por mais tempo no 6º e no 7º anos e depois ir aumentando a quantidade de docentes. Mas isso demanda assessoria a esse professor, um projeto pedagógico bem feito. Outra coisa seria repensar a organização dos tempos e dos espaços, buscar a interdisciplinaridade por meio de projetos que possam dar um sentido mais comum e articulado. Essa é também uma fase em que os pais se distanciam da escola e a escola não tem o empenho para chamá-los. Pensar uma política para trazer as famílias para perto também é boa. Outra possibilidade é criar maneiras de usar as novas tecnologias como canal de vinculação com o mundo deles, que é de cultura digital.
iG: As avaliações e os processos seletivos têm influenciado de maneira negativa os anos finais do fundamental?
Anna Helena: Tenho observado empiricamente que a preocupação com o vestibular chega cada vez mais cedo. Acho que, no país, acontece uma inversão: nós pautamos o currículo pela avaliação. É um evento perverso, porque deveria ser o contrário. O exame deveria ser feito a partir do currículo que é comum para todos. Isso acaba atrapalhando oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento de habilidades e competências que seriam importantes, como descobrir novas coisas para atuar melhor no mundo e não para passar num exame.
iG: Como temos de lidar com o tema da reprovação, sempre tão controverso, nessa fase? É preciso reprovar nessa etapa?
Anna Helena: Há uma discussão que é anterior a reprovar ou não, que não é feita. De nada adianta você reprovar um aluno se você não acompanha o processo de aprendizagem dele e não toma medidas efetivas para que ele aprenda o que não conseguiu. Do mesmo jeito de que de nada adianta aprovar se também não é feito esse monitoramento da aprendizagem. A reprovação não é um instrumento que possibilite aprendizagem, nem nessa fase nem em nenhuma outra. É importante que eles continuem no curso da escola desde que haja planejamento e ações efetivas para ajudá-lo a aprender o que precisa.
 

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