Fonte: iG
Nos últimos anos, as políticas e os programas de governos estaduais,
municipais ou o federal se concentram na educação infantil, no ciclo da
alfabetização ou no ensino médio. Mas a trajetória escolar que os une – os
quatro últimos anos do ensino fundamental, chamados de anos finais ou
fundamental II – tem sido constantemente esquecida.
Esse “esquecimento”, lembra a pedagoga Anna Helena
Altenfelder, pode custar caro. Todo o investimento feito nas etapas iniciais
pode se perder. “Se não encararmos o desafio de repensar o fundamental II,
vamos perder esforços”, ela diz, categórica. Para ela, o país age como se a
qualidade dos anos iniciais fosse naturalmente chegar aos anos finais.
Segundo ela, que é doutora em psicologia e superintendente do
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec),
essa lógica está equivocada. “Os indicadores mostram o contrário, estamos
perdendo as conquistas”, pondera.
A pesquisadora, que atua também como formadora de
professores, conversou com o iG sobre o tema no Congresso “Educação: agenda de
todos, prioridade nacional”, organizado pelo movimento Todos pela Educação.
Confira os principais trechos da entrevista:
iG: Como você avalia os anos finais do ensino fundamental no
Brasil?
Anna Helena Altenfelder: Essa fase é conhecida como “o ciclo
esquecido”. Um dos fatores é que ele está dividido entre as redes municipais e
estaduais. Além disso, existem poucas pesquisas focadas no que chamamos de
ensino fundamental II. O próprio Plano Nacional de Educação pouco se refere a
metas específicas. Essa fase não é considerada nas suas especificidades, nem
nas políticas nem nas pesquisas.
iG: Por que isso acontece?
Anna Helena: Talvez porque, no Brasil, historicamente, houve
um esforço em olhar o início da trajetória e depois o ensino médio. Como se a
qualidade dos anos finais do fundamental fosse uma decorrência de um bom
início. Mas o que a gente observa nos indicadores é justamente o contrário:
temos avanços nos anos iniciais e os perdemos nos finais. É difícil dizer por
que isso acontece. Essa divisão entre as redes, que ainda não têm um sistema
articulado, atrapalha. As redes municipais acabam focando os anos iniciais do
fundamental e as estaduais, o ensino médio. O fundamental II não se torna
prioridade de nenhuma. Além disso, essa é uma fase muito específica, que traz
uma grande mudança na organização da escola. Os alunos deixam de ter um
professor, uma referência única, uma rotina, e passam a ter cinco professores
ou mais, muitas vezes sem nenhum tipo de orientação. Não é um problema só da
rede pública. Essas especificidades não são consideradas.
iG: Se o país não encontrar saídas para solucionar essas
dificuldades vai perder as melhorias de aprendizagem que conseguiu com essa
geração?
Anna Helena: Eu não tenho dúvida disso. Se não encararmos o
desafio de repensar o fundamental II, vamos perder esforços. Não adianta pensar
no ensino médio. Há uma evasão muito grande nessa fase, o índice de distorção
idade-série é alto, há muitos meninos atrasados e nós sabemos que o aluno em
atraso hoje é o que vai abandonar a escola amanhã, porque ele se desmotiva. Há
um número enorme de meninos que não chega ao ensino médio.
iG: Quais problemas, além do estranhamento da mudança, marcam
essa fase?
Anna Helena: É preciso entender a especificidade dessa faixa
etária. É uma fase de transição, em que os alunos começam a procurar mais
autonomia, querem protagonismo, sentem que não são mais crianças e precisam ser
reconhecidos assim. É um desafio para a escola entender como dialogar com esse
jovem, que está inserido num mundo com as novas tecnologias, que tem outro
ritmo e, certamente, outras formas de aprender. A escola tem de estabelecer um
diálogo com a cultura, o interesse e as necessidades deles. É um grande
desafio, mas a gente precisa pensar numa revisão curricular, na reorganização
dos tempos e espaços da escola, que são marcados por aulas de 50 minutos, em
que um professor entra e outro sai da sala, muda o assunto, não tem conversa.
Isso não responde mais às necessidades deles.
iG: Existem soluções possíveis, de curto prazo, para resolver
esses problemas?
Anna Helena: A polivalência de professores é uma medida fácil
de ser tomada, que eu vejo com bons olhos. Seria o aluno ter o mesmo professor
por mais tempo no 6º e no 7º anos e depois ir aumentando a quantidade de
docentes. Mas isso demanda assessoria a esse professor, um projeto pedagógico
bem feito. Outra coisa seria repensar a organização dos tempos e dos espaços,
buscar a interdisciplinaridade por meio de projetos que possam dar um sentido
mais comum e articulado. Essa é também uma fase em que os pais se distanciam da
escola e a escola não tem o empenho para chamá-los. Pensar uma política para
trazer as famílias para perto também é boa. Outra possibilidade é criar
maneiras de usar as novas tecnologias como canal de vinculação com o mundo
deles, que é de cultura digital.
iG: As avaliações e os processos seletivos têm influenciado
de maneira negativa os anos finais do fundamental?
Anna Helena: Tenho observado empiricamente que a preocupação
com o vestibular chega cada vez mais cedo. Acho que, no país, acontece uma
inversão: nós pautamos o currículo pela avaliação. É um evento perverso, porque
deveria ser o contrário. O exame deveria ser feito a partir do currículo que é
comum para todos. Isso acaba atrapalhando oportunidades de aprendizagem e de
desenvolvimento de habilidades e competências que seriam importantes, como
descobrir novas coisas para atuar melhor no mundo e não para passar num exame.
iG: Como temos de lidar com o tema da reprovação, sempre tão
controverso, nessa fase? É preciso reprovar nessa etapa?
Anna Helena: Há uma discussão que é anterior a reprovar ou
não, que não é feita. De nada adianta você reprovar um aluno se você não
acompanha o processo de aprendizagem dele e não toma medidas efetivas para que
ele aprenda o que não conseguiu. Do mesmo jeito de que de nada adianta aprovar
se também não é feito esse monitoramento da aprendizagem. A reprovação não é um
instrumento que possibilite aprendizagem, nem nessa fase nem em nenhuma outra.
É importante que eles continuem no curso da escola desde que haja planejamento
e ações efetivas para ajudá-lo a aprender o que precisa.
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