Especialistas
discutiram também sobre a formação de um sistema nacional de educação
Alexandre Ondir/TPE
Do Todos Pela Educação, em Brasília
O estabelecimento de padrões mínimos para a
Educação brasileira, incluindo o debate em torno da instituição de um currículo
nacional para o Ensino Fundamental e Médio, surgiu como o principal consenso da
terceira sessão do Congresso Educação: Agenda de Todos, Prioridade Nacional,
realizado em Brasília, nos dias 10 e 11 de setembro, na sede do Conselho
Nacional de Educação (CNE). A discussão envolveu especialistas para debater o
sistema educacional brasileiro e a articulação entre os entes da federação na
garantia de Educação de qualidade.
O secretário de Articulação com os Sistemas de
Ensino do Ministério da Educação (MEC), Binho Marques, afirmou que a Educação
brasileira precisa enfrentar o problema do currículo. Segundo ele, o ministro
Aloizio Mercadante tomou a questão como prioridade. “Será impossível avançarmos
na formação dos professores se não lidarmos com mais força com o debate do
currículo”, afirmou.
"Fazendo uma analogia
, o currículo deve ser
uma partitura e o professor, o maestro que irá conduzi-la. Ele pode fazer uma
sinfonia maravilhosa, mas pode desafinar também, caso não seja bem preparado”,
afirmou Zilma de Moraes, professora associada aposentada do Departamento de
Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo de Ribeirão Preto (USP-RP) e membro do Conselho Municipal de Educação de
São Paulo.
Cesar Callegari, secretário municipal de Educação
de São Paulo, também concordou que os direitos de aprendizagem das crianças
devem ser enunciados, mas que é preciso assegurar a diversidade. “O currículo
não pode ser uma lista de conteúdos ou de práticas encadeadas que não permitam
que certos objetivos sejam alcançados como um direito. O direito deve se
enunciar e as estratégias devem ser as mais diversas possíveis”, disse. “A
Educação é em essência um ato de criação por parte do educador e do educando. É
recriação o tempo todo. Diversidade é essencial ao processo.”
A autonomia também apareceu como tema na discussão
curricular. “Precisamos de um denominador comum. Autonomia e estratégia são
fundamentais mas não podemos prescindir de responsabilidade. Além disso, temos
que considerar a desigualdade”, disse Ricardo Henriques, superintendente
executivo do Instituto Unibanco.
Em vídeo gravado especialmente para o Congresso, o
filósofo e educador colombiano Bernardo Toro, definiu currículo como todo o
conjunto de experiências que o aluno viverá dentro da escola, desde a
programação do tempo e a definição dos espaços, passando pelo conteúdo, pelas
formas de reconhecimento dos avanços, a organização da aula e dos materiais.
“Tudo isso forma a criança”, afirma Toro. “A sociedade precisa entender que a
escola não é só um lugar para ensinar, mas um lugar para aprender. Se queremos
transformar a escola, temos de ter em mente duas coisas: 1) uma boa escola é
onde as crianças aprendem o que precisam, no momento em que têm que aprender;
2) a sociedade precisa estar segura do que quer que as crianças aprendam. Por
isso a importância da discussão sobre o currículo”, afirmou o filósofo.
Emiliana Vegas, chefe da Divisão de Educação do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, acredita que os
professores não têm orientação para saber o que devem priorizar. “Não é que
falte autonomia para os professores, falta saber no que focar ao olhar para os
conteúdos do currículo", pontuou. Trazendo a experiência internacional
para a sessão, Emiliana afirmou que em todos os países que alcançaram bons
resultados nas avaliações educacionais, há um misto entre o estabelecimento de
metas, processos de avaliação e de prestação de contas (accountability) e a
ênfase na definição de padrões curriculares e na valorização e formação dos
professores.
Equidade
A redução das desigualdades na Educação pública
brasileira também foi um tema bastante presente no debate. “Equidade não é
tratar todo mundo igual e sim chegar a um resultado adequado a cada um dos
envolvidos. A gente sabe o que fazer com a Educação brasileira, a gente só não
sabe como fazer”, relatou Eduardo Deschamps, secretário de Estado da Educação
de Santa Catarina.
Binho Marques, no entanto, destacou que o estabelecimento
de padrões mínimos é essencial para o processo. “Padrão mínimo é extremamente
importante para chegarmos à equidade", disse. Segundo ele, a ausência de
um sistema nacional de Educação contribui para agravar o quadro. “Nosso
problema é estrutural, de raiz. O Brasil nunca teve um sistema nacional de
Educação. Temos entes federados e não existe uma hierarquia entre eles.
Precisamos juntar todos esses problemas num só”, disse Binho. “Temos um Plano
Nacional de Educação tramitando, mas falta a sua aprovação. O plano dá dois
anos para instituir um sistema nacional de Educação no Brasil. Teremos um prazo
a cumprir.”
Universidade
Para Mozart Neves Ramos, membro da Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) e assessor do movimento
Todos Pela Educação, uma das chaves para a melhoria da Educação brasileira está
em reaproximar a universidade da Educação Básica. “Priorizou-se fortemente o
topo da Educação, o Ensino Superior, mas quem está cuidando da Educação
Básica?", questionou. “Se ela não voltar a se aproximar, não atingiremos a
meta 12 do PNE, que trata justamente do aumento da matrícula na Educação
Superior. A universidade hoje é guiada pelas políticas do próprio MEC e pelos
resultados das avaliações feitas pelo governo. No ambiente universitário, o
professor que cuida da Educação Básica é visto como professor de segunda
categoria.”
A deficiência na formação inicial de professores, a
cargo das universidades, pontuou a fala de praticamente todos os debatedores.
Regina Scarpa, coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita, acrescentou
sua preocupação com a formação de professores alfabetizadores. “É muito bom que
tenhamos um pacto nacional pela alfabetização, mas quem, na universidade, está
formando os formadores em alfabetização”, questionou. “Eles não estão sendo
formados dentro das universidades. Alfabetizar é uma tarefa complexa e cada
professor pega uma turma com 30, 35 alunos. E são essas mesmas universidades em
que eles se formaram que são chamadas para ajudar os professores em serviço no
Pnaic. Mas existe um gap. Precisamos corrigir a formação inicial”, disse.
Professor
O papel do professor na garantia de um sistema
nacional de qualidade também apareceu durante as falas dos participantes. Para
Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), os materiais de apoio ao
professor são importantes especialmente para aliviar a sensação de solidão que
os docentes sentem ao adentrar a sala de aula. “Mas esse material não pode ser
um guia que defina integralmente a maneira com o professor vai conduzir sua
aula. Deve ser um ponto de partida, um porto seguro de onde ele poderá partir
em caminhos próprios, por ele desenvolvidos”, afirmou Anna Helena.
Binho Marques destacou a importância da valorização
do professor e colocou a definição de plano de carreira docente como
prioridade. “É fundamental: o professor tem que ganhar bem e ter uma carreira
atraente. Somente assim vamos conseguir atrair os jovens para o magistério, profissão
que hoje quase não aparece na preferência dos estudantes do Ensino Médio”,
afirmou o secretário.
O congresso
A
realização do congresso é uma parceria do Todos Pela Educação com o CNE, a
Education Above All Foundation, Educate a Child, do Qatar, e o Instituto
Natura. A Associação Cidade Escola Aprendiz, o Educar para Crescer, o
Inspirare/Porvir e a Fundação Victor Civita são apoiadores do evento.
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