segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Discussão do currículo é prioritária no debate sobre Educação de qualidade

Especialistas discutiram também sobre a formação de um sistema nacional de educação
 
Alexandre Ondir/TPE
Do Todos Pela Educação, em Brasília

O estabelecimento de padrões mínimos para a Educação brasileira, incluindo o debate em torno da instituição de um currículo nacional para o Ensino Fundamental e Médio, surgiu como o principal consenso da terceira sessão do Congresso Educação: Agenda de Todos, Prioridade Nacional, realizado em Brasília, nos dias 10 e 11 de setembro, na sede do Conselho Nacional de Educação (CNE). A discussão envolveu especialistas para debater o sistema educacional brasileiro e a articulação entre os entes da federação na garantia de Educação de qualidade.

O secretário de Articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (MEC), Binho Marques, afirmou que a Educação brasileira precisa enfrentar o problema do currículo. Segundo ele, o ministro Aloizio Mercadante tomou a questão como prioridade. “Será impossível avançarmos na formação dos professores se não lidarmos com mais força com o debate do currículo”, afirmou.

"Fazendo uma analogia

, o currículo deve ser uma partitura e o professor, o maestro que irá conduzi-la. Ele pode fazer uma sinfonia maravilhosa, mas pode desafinar também, caso não seja bem preparado”, afirmou Zilma de Moraes, professora associada aposentada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (USP-RP) e membro do Conselho Municipal de Educação de São Paulo.

Cesar Callegari, secretário municipal de Educação de São Paulo, também concordou que os direitos de aprendizagem das crianças devem ser enunciados, mas que é preciso assegurar a diversidade. “O currículo não pode ser uma lista de conteúdos ou de práticas encadeadas que não permitam que certos objetivos sejam alcançados como um direito. O direito deve se enunciar e as estratégias devem ser as mais diversas possíveis”, disse. “A Educação é em essência um ato de criação por parte do educador e do educando. É recriação o tempo todo. Diversidade é essencial ao processo.”

A autonomia também apareceu como tema na discussão curricular. “Precisamos de um denominador comum. Autonomia e estratégia são fundamentais mas não podemos prescindir de responsabilidade. Além disso, temos que considerar a desigualdade”, disse Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco.

Em vídeo gravado especialmente para o Congresso, o filósofo e educador colombiano Bernardo Toro, definiu currículo como todo o conjunto de experiências que o aluno viverá dentro da escola, desde a programação do tempo e a definição dos espaços, passando pelo conteúdo, pelas formas de reconhecimento dos avanços, a organização da aula e dos materiais. “Tudo isso forma a criança”, afirma Toro. “A sociedade precisa entender que a escola não é só um lugar para ensinar, mas um lugar para aprender. Se queremos transformar a escola, temos de ter em mente duas coisas: 1) uma boa escola é onde as crianças aprendem o que precisam, no momento em que têm que aprender; 2) a sociedade precisa estar segura do que quer que as crianças aprendam. Por isso a importância da discussão sobre o currículo”, afirmou o filósofo.
Emiliana Vegas, chefe da Divisão de Educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, acredita que os professores não têm orientação para saber o que devem priorizar. “Não é que falte autonomia para os professores, falta saber no que focar ao olhar para os conteúdos do currículo", pontuou. Trazendo a experiência internacional para a sessão, Emiliana afirmou que em todos os países que alcançaram bons resultados nas avaliações educacionais, há um misto entre o estabelecimento de metas, processos de avaliação e de prestação de contas (accountability) e a ênfase na definição de padrões curriculares e na valorização e formação dos professores.

Equidade

A redução das desigualdades na Educação pública brasileira também foi um tema bastante presente no debate. “Equidade não é tratar todo mundo igual e sim chegar a um resultado adequado a cada um dos envolvidos. A gente sabe o que fazer com a Educação brasileira, a gente só não sabe como fazer”, relatou Eduardo Deschamps, secretário de Estado da Educação de Santa Catarina.

Binho Marques, no entanto, destacou que o estabelecimento de padrões mínimos é essencial para o processo. “Padrão mínimo é extremamente importante para chegarmos à equidade", disse. Segundo ele, a ausência de um sistema nacional de Educação contribui para agravar o quadro. “Nosso problema é estrutural, de raiz. O Brasil nunca teve um sistema nacional de Educação. Temos entes federados e não existe uma hierarquia entre eles. Precisamos juntar todos esses problemas num só”, disse Binho. “Temos um Plano Nacional de Educação tramitando, mas falta a sua aprovação. O plano dá dois anos para instituir um sistema nacional de Educação no Brasil. Teremos um prazo a cumprir.”

Universidade


Para Mozart Neves Ramos, membro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) e assessor do movimento Todos Pela Educação, uma das chaves para a melhoria da Educação brasileira está em reaproximar a universidade da Educação Básica. “Priorizou-se fortemente o topo da Educação, o Ensino Superior, mas quem está cuidando da Educação Básica?", questionou. “Se ela não voltar a se aproximar, não atingiremos a meta 12 do PNE, que trata justamente do aumento da matrícula na Educação Superior. A universidade hoje é guiada pelas políticas do próprio MEC e pelos resultados das avaliações feitas pelo governo. No ambiente universitário, o professor que cuida da Educação Básica é visto como professor de segunda categoria.”

A deficiência na formação inicial de professores, a cargo das universidades, pontuou a fala de praticamente todos os debatedores. Regina Scarpa, coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita, acrescentou sua preocupação com a formação de professores alfabetizadores. “É muito bom que tenhamos um pacto nacional pela alfabetização, mas quem, na universidade, está formando os formadores em alfabetização”, questionou. “Eles não estão sendo formados dentro das universidades. Alfabetizar é uma tarefa complexa e cada professor pega uma turma com 30, 35 alunos. E são essas mesmas universidades em que eles se formaram que são chamadas para ajudar os professores em serviço no Pnaic. Mas existe um gap. Precisamos corrigir a formação inicial”, disse.

Professor

O papel do professor na garantia de um sistema nacional de qualidade também apareceu durante as falas dos participantes. Para Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), os materiais de apoio ao professor são importantes especialmente para aliviar a sensação de solidão que os docentes sentem ao adentrar a sala de aula. “Mas esse material não pode ser um guia que defina integralmente a maneira com o professor vai conduzir sua aula. Deve ser um ponto de partida, um porto seguro de onde ele poderá partir em caminhos próprios, por ele desenvolvidos”, afirmou Anna Helena.

Binho Marques destacou a importância da valorização do professor e colocou a definição de plano de carreira docente como prioridade. “É fundamental: o professor tem que ganhar bem e ter uma carreira atraente. Somente assim vamos conseguir atrair os jovens para o magistério, profissão que hoje quase não aparece na preferência dos estudantes do Ensino Médio”, afirmou o secretário.

O congresso

A realização do congresso é uma parceria do Todos Pela Educação com o CNE, a Education Above All Foundation, Educate a Child, do Qatar, e o Instituto Natura. A Associação Cidade Escola Aprendiz, o Educar para Crescer, o Inspirare/Porvir e a Fundação Victor Civita são apoiadores do evento.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário