quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Mais tempo na escola sempre traz melhorias?

MÔNICA GOUVÊA
ESPECIAL PARA A FOLHA
 
O modelo educacional no Chile é considerado um dos melhores da América Latina, e uma de suas forças está em agir com base em dados.

Uma experiência importante foi relatada recentemente pelo professor Sergio Martinic, vice-diretor da Universidade Católica do Chile. Segundo Martinic, entre as mudanças ocorridas no sistema educacional chileno das últimas décadas está o estabelecimento de tempo integral para os alunos da escola pública.

A inovação teve como modelos as escolas da rede privada, bem como a tendência da literatura e dos organismos internacionais em relacionar melhoria da qualidade de ensino a maior tempo dos alunos na escola. Para os professores, o aumento da jornada foi positivo: trouxe acréscimo salarial e o benefício de poderem permanecer na mesma escola o dia todo.

Passados alguns anos, porém, não foi identificado avanço significativo na aprendizagem dos alunos, de forma que passou a ser questionada a hipótese de que maior tempo na escola, por si só, gera incremento da aprendizagem. Sabemos que muitos fatores influenciam o processo de ensino-aprendizagem, entre eles condições estruturais, capital cultural dos alunos etc, mas, segundo Martinic, "a qualidade educativa se dá na sala de aula, na relação entre professores e alunos".

Assim, foram iniciadas avaliações como esta, do Instituto Ceppe, para estudar o que acontecia nas salas de aula, e o que diferenciava um "bom professor" de um "mau professor".

A pesquisa comparativa da relação de ensino/aprendizagem professor-aluno incluiu diversas salas de aulas das séries finais dos ciclos 1 e 2 do ensino fundamental (5º e 9º anos) da rede pública chilena. Foram filmadas 30 mil aulas inteiras de matemática e língua espanhola, o que permitiu a análise minuciosa da gestão do tempo pelo professor, com softwares e metodologias específicas, para observar quanto dos 45 minutos era dedicado de fato ao desenvolvimento cognitivo dos alunos.

Os resultados revelaram que apenas 39% do tempo - menos da metade da aula - é gasto com o conteúdo instrucional. O restante é ocupado com avisos administrativos, questões disciplinares e intervenções de alunos não vinculadas ao conteúdo.

Além disso, os professores falam durante 52% do tempo, o que limita o espaço para a participação dos alunos com perguntas relativas ao conteúdo. Este modo de trabalhar reproduz o modelo de escola tradicional, na qual o "bom professor" é aquele que passa a maior parte do tempo expondo o conteúdo aos alunos.
Também se observou que a maioria dos professores tem como prática dedicar a maior parte do seu tempo ao grupo como um todo, e quase nenhum aos alunos que necessitam de atenção individualizada.

Apesar de o sistema educativo chileno estimular a participação, observou-se que os alunos perguntam pouco até a metade da aula, e o professor se mostra solícito em responder. No entanto, na última parte da aula, quando o número de perguntas dos alunos aumenta, o professor já não se interessa em estimular o debate.

A inferência foi a de que, provavelmente porque a maneira de gerenciar o tempo de aula continua a mesma, a instauração do período integral nas escolas públicas não melhorou a aprendizagem dos alunos.

O grande desafio não é apenas garantir a permanência dos alunos na escola, mas cuidar de como esse tempo será usado, trabalhado e compartilhado. É da qualidade desta gestão do tempo e das estratégias de ensino que depende o sucesso dos programas de escolas de tempo integral.

A implantação das escolas de tempo integral no Estado de São Paulo atrela as oito horas de permanência do professor na escola a dois objetivos: aprimorar a formação de profissionais para o desenvolvimento de metodologias, estratégias de ensino e de avaliação dos alunos; e ampliar as condições para o cumprimento do currículo, aumentando a oferta de diferentes abordagens pedagógicas.

Esta concepção revela uma preocupação com a qualidade da permanência dos alunos em tempo integral. Hoje o programa acontece em 69 escolas de ensino médio e séries finais do ensino fundamental. Além de formar professores para mais aulas e disciplinas, são dadas condições ao aluno de elaborar seu projeto de vida, o que tem sido muito bem visto e aceito por eles e seus pais.

No entanto, é preciso aguardar os resultados do Saresp e do Enem para avaliar o impacto deste trabalho na aprendizagem dos alunos, a exemplo do que tem sido feito pelos chilenos.

Mônica Gouvêa é socióloga e psicóloga, trabalha na área da Educação, na coordenação pedagógico-educacional e formação de profissionais da rede pública e privada.

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