sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Grupo étnico Kaingangue, identidade e atualização de seus traços culturais

Uma das definições de Grupo Étnico é que nele se partilham expressões culturais, formas e valores. No entanto, como lembra Manuela Carneiro da Cunha (1986), é preciso retirar desse conceito dois pressupostos: o de “tomar a cultura como característica primária, tendo em vista o fato contrário de que ela se trata de uma consequência da organização de um grupo étnico; e o de supor que a cultura compartilhada é obrigatoriamente ancestral”.

Nesse contexto, é importante lembrar, como diz a antropóloga, que a inadequação desses dois aspectos está no fato de que “se recorrermos a traços culturais para identificarmos grupos étnicos – língua, religião, técnicas, etc. – não poderíamos sequer afirmar que um povo qualquer é do mesmo grupo dos antepassados”, pois “um mesmo grupo étnico exibirá traços culturais diferentes, conforme a situação ecológica e social em que se encontra, [...] sem com isso perder sua identidade própria”.

Mesmo tendo em mente essas palavras esclarecedoras, quis constatar como isso acontece na prática. Então conversei com meu amigo Alcino Kakupry de Almeida, índio Kaingangue que vive com sua esposa Fátima Münfey Salvador e filhos em uma aldeia de 5,7 hectares localizada na zona urbana de Curitiba, chamada Kakanê Pãrã onde também moram Guaranis e Xetás.

Alcino explicou que as comunidades indígenas são diferentes no aspecto de suas tradições, crenças, valores, pois carregam “uma cultura diferente, mas são constituídas por seres humanos como os demais e querem se sentir tão cidadãos e cidadãs no Brasil, com o direito de ir e vir como as demais pessoas, pois são inteligentes como as outras pessoas”.
Então sofrem discriminações por morarem na cidade? Ele me disse que uma das formas de discriminação é a de alguém afirmar que “lugar de índio é na mata não na sociedade. Índio não pode andar de carro não pode dormir em colchão, não pode morar em casa de alvenaria. Mas os índios seriam bobos se mesmo existindo colchão insistissem em dormir em cascas de árvore, se continuassem a morar em cabana de palha, fácil para o não índio passar drogado ou alcoolizado e atear fogo, como já aconteceu muitas vezes. Por isso, trocamos a oca pela casa de alvenaria e a casca de árvore pelo colchão”, exemplo claro de que “a cultura muda enquanto a identidade étnica se mantém” (Cunha, 1986).

E como atualizam suas tradições diante de uma realidade tão diferente do passado? Uma das dificuldades do grupo étnico Kaingangue é o espaço para a prática de suas tradições e da sua transmissão para seus filhos e netos, principalmente quando se trata das plantas medicinais, pois “temos muito pouca terra, pedacinho pequeno de mato”, mas estamos tentando. Isso é exemplo de que embora os traços culturais de cada grupo étnico se modificam, dependendo do tempo e da localidade em que se encontram, a identidade do grupo continua.

Considerações - A sociedade tem o dever de oferecer espaços públicos, priorizando os grupos étnicos, pois necessitam de oportunidades para discussão, manifestação de suas culturas e comunicação de suas dificuldades de inserção na sociedade abrangente. No que se refere às comunidades indígenas, é importante lembrar que cada uma é diferente da outra, não podemos tratá-las como se fossem todas iguais.


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Jorge Antonio de Queiroz e Silva
queirozhistoria@uol.com.br
Historiador, palestrante e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

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