sexta-feira, 12 de julho de 2013

A ousadia dos jovens para construir o novo

Eentrevista com Priscila Casale, publicada na edição nº 433, fevereiro de 2013.


Priscila Casale da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES), São Paulo.
 
Mais uma vez a juventude é destacada como tema da Campanha da Fraternidade, como já havia sido em 1992. Desde aquela Campanha, talvez o que mais chame a atenção é a diversidade de jovens ou dos diferentes modos de ser jovem na contemporaneidade. Mas, se no início dos anos 1990, os “caras pintadas” saíam às ruas para se manifestar por ética e justiça na política, hoje a compreensão da juventude como sujeito de direitos é uma realidade que se afirma. É o que se conclui após a realização da 2ª Conferência Nacional de Juventude, conforme relata Priscila Casale, da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES), São Paulo.
  • Quais são as principais características dos jovens? As características da juventude sempre foram, e continuam sendo, de transformar, de fazer revolução, de apresentar novas opiniões e, em especial, de se mobilizar e mobilizar todo o povo em torno de uma causa. Primeiro, por uma característica quase que fisiológica, o jovem vive um período bastante complicado da vida. É um momento em que começamos a ter as nossas primeiras experiências. Há o conflito da transição da infância para a vida adulta, é quando nos deparamos com os nossos principais desafios; quando começamos a ter uma relação mais profunda com o mundo. É o momento em que conseguimos aprofundar nossa relação com o mundo e entender quem somos, quais são os nossos passos e qual é o nosso dever.
  • Quais são as principais dificuldades e os desafios da juventude? Por conta das características da juventude, é um período da vida bastante complicado, mas também maravilhoso: é quando começamos a contraditar a ordem das coisas, das regras da sociedade. Eu acredito que para o desenvolvimento do indivíduo na sua plenitude, e para o mundo, para os desafios que o mundo tem, para a história da humanidade como um todo, a juventude cumpre um papel fundamental. Quanto aos problemas que a juventude sofre, acho que são os mesmos que a sociedade no geral sofre. Porém acredito que na juventude os problemas têm mais peso. Infelizmente, por exemplo, o jovem ainda tem mais dificuldade de conseguir trabalho decente, em especial quando se trata de uma jovem mulher ou de um jovem negro, um jovem da periferia.
  • O que mudou no Brasil em relação aos direitos e às políticas públicas para os jovens? Se a pessoa idosa, a criança e o adolescente têm os seus direitos, agora estamos reconhecendo que a juventude é também um ser de direitos e tem que buscar esses direitos. E são direitos com a finalidade de que a juventude consiga sua autonomia, sua emancipação, que ela não fique sempre dependente de uma ação tutelada do Estado, mas que consiga vivenciar plenamente sua condição juvenil e se colocar no mundo. Além disso, avançamos no que se refere às políticas públicas para a juventude. Desde as conferências livres, nos estados e municípios, foi oportunizado à juventude falar, mandar seus relatórios e opinar na construção dessas políticas públicas. Nisso há um avanço muito grande de incluir o jovem, porque ouvimos o jovem, sabendo o que ele quer.
  • O que representa a educação para os jovens? A educação é a bandeira central da juventude. Sempre foi. Desde o Ensino Fundamental, o acesso à universidade, até a conclusão do Ensino Superior. No Brasil, hoje, vemos avanços consideráveis, mas infelizmente a educação no nosso país ainda não corresponde às necessidades que tem a juventude e muito menos às necessidades que tem o Brasil. A juventude, nesse contexto todo, sofre bastante. Mas acredito que, mobilizada como está e participando das conferências em todos em níveis, podemos dar passos largos para que a juventude tenha mais direitos e participe do desenvolvimento do país. Este inclusive foi o lema da Conferência Nacional de Juventude, realizada em dezembro de 2011. Acredito que não tem como conquistar direitos se não for a partir do desenvolvimento do país.
  • O que ainda falta na educação brasileira? Por um lado, foi universalizado o acesso nos primeiros níveis da educação. Não vemos problemas de vagas. Mas existe o problema de acesso a uma educação pública de qualidade, porque não existe. São raras as exceções. Os institutos federais de educação e as escolas privadas desenvolvem a educação para o indivíduo de fato como deve ser, com uma estrutura adequada, com biblioteca, laboratório, levando em consideração os avanços tecnológicos, com computador, enfim, com tudo que precisamos para nos relacionarmos com o mundo e o que precisamos de fato para aprender. Até porque na escola não é só a nossa vida acadêmica que está em questão, mas é a nossa formação enquanto cidadãos. Passamos muitos anos da nossa vida dentro da escola. É onde aprendemos a respeitar o nosso próximo, a nos relacionar com o outro, enfim, onde a gente cresce e se desenvolve! A família cumpre um papel muito importante, mas a escola é fundamental.
  • Então a escola não atende às necessidades dos jovens? Penso que a escola não atende às necessidades do processo acadêmico, que é ensinar o estudante de verdade, de ele sair do terceiro ano do Ensino Médio mais bem preparado. E também não atende às outras necessidades. Vemos a imprensa noticiando crimes cometidos nas escolas, como tráfico de drogas e a violência. O espaço da escola não deve abrigar esse tipo de coisa. Precisa ser completamente diferente. Se a educação não cumpre o papel que precisa cumprir, é óbvio que deixa espaço para que aconteçam essas outras coisas que não deveriam acontecer nas escolas. Então é necessário investimento em educação e é necessário que a educação cumpra de fato o papel, que é de dar a possibilidade para que a gente cresça, se desenvolva. O ensino básico deve ser a porta de entrada para o mundo do trabalho e, em especial, para o acesso à universidade. Não dá para as coisas continuarem desse jeito. O espaço que existe entre o ensino básico e a universidade é um abismo enorme. No Brasil, os estudantes, hoje, concluem o terceiro ano sem condições. Existem casos, inclusive, de estudantes concluírem o terceiro ano do Ensino Médio sem saber ler e escrever. Dados recentes do Ministério da Educação relatam que mais de 50% deles ficam abaixo da nota mínima, por exemplo, em Matemática. Mas a juventude está disposta a lutar, a somar forças junto ao poder público para mudar essa situação.
  • Que importância têm os jovens para a sociedade? Na história do nosso país, a juventude sempre foi protagonista dos movimentos que lutaram para conquistar alguma coisa. Não só para a juventude, mas para o povo brasileiro como um todo. Alguns exemplos disso são o direito à exploração do petróleo no nosso país, o papel que cumpriu para a redemocratização do Brasil na época da ditadura militar, o voto direto, o impeachment de um presidente da República corrupto, as lutas recentes contra as privatizações do governo Fernando Henrique, a luta pelo acesso à universidade. Como fruto dessas lutas conquistamos o Prouni, o Reuni etc. Então, concretamente no Brasil, a juventude cumpre um papel fundamental e tem se mobilizado bastante através das entidades estudantis, a UNE, a UBES e todas as outras entidades dos municípios, dos estados. Nos últimos anos, cumpriram um papel muito importante, especificamente em relação a essa questão da educação.
  • E quais são as perspectivas para o futuro? A luta ainda é ferrenha para que a gente consiga as conquistas em todas as instâncias, municípios, estados e no Brasil. Temos que garantir mais investimento e, a partir daí, contribuir para melhorar todo o processo pedagógico, o currículo e o que a escola deve ser. Concretamente, a juventude tem se mobilizado, em especial pelas entidades estudantis. Mas há também jovens participando ativamente em partidos políticos. É muito importante a juventude se envolver, tomar partido sobre as questões da sociedade. A Conferência Nacional de Juventude é o ponto de encontro de todas essas lutas da juventude em todo o país. Além do resultado concreto, o que mobilizou de jovens desde as conferências municipais foi muito expressivo. No município de São Paulo, por exemplo, existe a demanda do transporte. É um assunto que se debate numa conferência e a juventude vai se reunindo através de suas organizações para concretizar essa demanda. Assim, outras necessidades são levantadas em cada recanto do país. Outro exemplo é o Estatuto da Juventude, que aponta e garante direitos e conquistas para toda a juventude brasileira. E foi um debate que surgiu a partir da organização dos jovens brasileiros.

Jovem, esperança e compromisso

A participação da juventude, especialmente neste século 21, se faz importante pelas novas tendências que o mundo apresenta: as grandes transformações, as questões ambientais, as dificuldades do planeta com a economia. E isso traz muitas consequências para os jovens. Por isso, a juventude precisa lutar, porque só ela pode transformar esse tempo novo que se apresenta; a juventude precisa assumir o protagonismo desse século 21 e transformar a sociedade para que possamos responder às novas questões.

É uma juventude que tem sede de um país mais justo, do fim da corrupção, sede de um meio ambiente mais bem cuidado. Ao mesmo tempo, é uma juventude que não tem voz, que não tem uma formação política, como outras gerações tiveram. Mas é uma juventude sedenta e que busca a todo momento encontrar um espaço para poder transformar, ainda que isso seja muito difícil.
As escolhas principais da juventude devem ser com relação à vida, à defesa da vida. Eu, como jovem cristão e participante da Pastoral da Juventude, acredito que a proposta de Jesus é uma proposta de vida. Mas, independentemente do credo, da religião, essa proposta em defesa da vida, em defesa dos direitos humanos é a proposta central de uma juventude participante e ativa, que transforma a história.

Acho que a grande dificuldade de ser jovem hoje é um sistema econômico cada vez mais opressor, que não prioriza a democracia. E essas dificuldades são diferentes em cada lugar. Mas a grande dificuldade é exatamente a desigualdade, a pobreza, que não conseguimos resolver. A fome, a violência e, especialmente hoje, a questão da drogas, que tem destruído muitos sonhos da juventude por ausência do Estado, de políticas públicas.

Por outro lado, a grande riqueza de ser jovem é a esperança. O jovem tem esperança, tem compromisso, e o jovem quer transformar a sociedade. Mesmo que não tenhamos muitos resultados, temos jovens que gritam. E hoje é especialmente nas redes sociais onde essa juventude tem mostrado a cara com mais ênfase. Mesmo que os grandes meios sejam tão restritos a pequenos grupos, as redes sociais aparecem como um meio que o jovem usa para mostrar sua voz, sua riqueza, sua diversidade cultural.
Vinícius Borges Gomes Santo Antonio do Amparo, MG.

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