segunda-feira, 8 de julho de 2013

O papel social do profissional de educação

 

No documentário Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho, o escritor José Saramago conta uma das lições que aprendeu e norteou sua vida: “Para conhecer as coisas há que dar-lhes a volta, dar-lhes a volta toda”. A frase de Saramago cai como uma luva no que tange o olhar para o professor. Antes de qualquer conclusão, é preciso “dar a volta”, perceber o complexo conjunto de fatores atrelado à função do educador na sociedade contemporânea, levando em consideração o histórico que acompanha a educação no Brasil. No momento em que o País busca o desenvolvimento, o valor social do profissional torna-se tema de suma importância para um real amadurecimento socioeconômico.

Segundo especialistas, o educador tem sido cada vez mais orientado a cumprir tarefas, sem o embasamento de uma Pedagogia crítica. No entanto, por meio de atividades que envolvem a escola, a família e o aluno, existem professores que conseguem ultrapassar a linha demarcada da sala de aula, do quadro negro e do currículo preestabelecido por políticas educacionais. As iniciativas unem sensibilidade, paixão pela docência e o entendimento de que a atuação da escola deve estar alinhada com as demandas específicas de cada comunidade.
A pedagoga e pesquisadora Carmen Cunha Freitas diz que é notória a ideia de que o professor deveria ter mais liberdade, porém, segundo ela, este profissional tem ficado cada vez mais limitado, com pouca liberdade para planejar o trabalho e responder aos desafios lançados pela nova geração de alunos. “Para alcançar as demandas atuais de uma geração que não somente aprende, mas busca conhecimento, é preciso ter autonomia. No entanto, cada vez mais, o professor tem que cumprir regras de manuais nas salas de aula”, diz.

De acordo com Freitas, os movimentos sociais de educação defendem a atuação do professor intelectual, responsável pela concepção do seu trabalho. Já as políticas públicas educacionais tenderiam a formar profissionais que apenas cumprem medidas preestabelecidas. “O docente precisa ter liberdade para criar de acordo com a demanda da comunidade em que está inserido. O professor tem que ter capacidade teórica para construir esse tipo de trabalho. É exatamente esse papel que os movimentos defendem, o de um profissional que tenha a possibilidade de se envolver nas questões cotidianas dos alunos. Por isso, é importante ter autonomia e uma maior capacidade crítica para lidar com as questões da comunidade em que está inserido”.

Segundo o sociólogo Bruno Franques, para que o profissional de educação possa impactar a sociedade de maneira positiva é preciso ultrapassar os padrões, “assumir seu papel transformador e exercer criativamente a mediação entre o educando e o mundo, de maneira dialógica e verdadeira”. Com relação ao papel do educador como agente de mudanças, Bruno cita Paulo Freire: “ ‘A educação não muda o mundo. A educação muda as pessoas que mudarão o mundo’. No entanto, o potencial transformador do professor é, ao mesmo tempo, superestimado e limitado pela instituição escolar, já que esta não foi feita para mudar o mundo”.

Franques aponta, ainda, que a escola tende a tomar para si a prerrogativa da educação e, dessa maneira, a comunidade acaba sendo alijada do processo de responsabilidade educativa. “Toda essa carga vai pesar sobre os ombros dos profissionais do ensino, geralmente pouco preparados, mal remunerados, com baixa autoestima e extremamente cobrados. Não que a percepção do senso comum, que coloca na educação a esperança de mudança e êxito da sociedade, esteja de todo equivocada. O problema é focar a instituição escolar como sendo o único espaço destinado a essa missão e os professores como únicos responsáveis por tal homérica tarefa”, completa.
Confira a seguir exemplos de professores que contribuem para o desenvolvimento da comunidade em que atuam.

Educação inclusiva – Capão Bonito (SP)

Em agosto de 2012, na Escola Municipal Prof. Faustino Cesarino Barreto, localizada no município de Capão Bonito (SP), um grupo de professores sentiu a necessidade de mapear os alunos com deficiência intelectual para a criação de um projeto específico de desenvolvimento. Hoje, 40 dos 62 alunos identificados têm aulas específicas com uma professora e psicopedagoga, que trabalha desde dificuldades como o vestuário até questões que envolvem as tarefas diárias do aluno. “Existe a valorização do trabalho individual. Quando é necessário, a professora até acompanha as consultas médicas do aluno junto com seus pais. Desde o início do projeto, 21 alunos já tiveram as principais dificuldades superadas. Notamos um avanço significativo em menos de um ano. Com sua atuação diária, a professora Silvana Domingues da Costa faz a diferença na escola”, conta a diretora Margareth Ferreira Rodrigues.

De acordo com a diretora, a Secretaria Municipal de Educação de Capão Bonito também oferece apoio ao projeto e todos esses fatores tornam a ação eficaz. “A professora faz um trabalho excepcional e damos prioridade ao que ela precisa, inclusive financeiramente. Colocar o profissional na atividade sem o suporte não adianta. O forte aqui é a gestão participativa, todos estão envolvidos, desde o pessoal da limpeza até os membros da equipe gestora. Todos trabalham em prol dos alunos, sabem o que está acontecendo e estão engajados”, salienta.

Além dos muros da escola – Cidade Tiradentes (SP)

Justamente pela postura atenciosa adotada dentro e fora da escola, a professora Mariélcia Florêncio de Morais, marcou a vida de seus alunos durante o seu período de docência, em diversas escolas de regiões periféricas da região leste de São Paulo. “A professora Mariélcia realizava trabalhos específicos e práticos, o que não era comum nas escolas em que atuava. Os alunos faziam atividades com notícias jornalísticas nas áreas de Ciências e Tecnologia e ela motivava a participação de todos. Ela, que a princípio não era moradora do bairro, fez questão de se mudar, porque acreditava que essa seria a melhor maneira de se relacionar com a comunidade”, conta a diretora da Escola Estadual Profª Ruth Cabral Troncarelli, Beatriz Oliveira Silva, onde a professora lecionou por 16 anos.

Mariélcia foi responsável pelo laboratório da escola, pela realização anual da Feira de Ciências e por diversos projetos voltados aos jovens da comunidade. Após seu falecimento, em 2002, uma escola do distrito de Cidade Tiradentes (SP) recebeu o nome da professora, CEI Professora Mariélcia Florêncio de Morais. A ideia partiu dos colegas de trabalho da professora e o nome foi escolhido em votação pelos alunos da escola EMEF Saturnino Pereira, onde ela também foi docente.
Atitude cidadã – Catalão (GO)

Preocupada com o meio ambiente e com a ideia de mobilizar os alunos e a comunidade para a questão, a professora Kênia Mara da Costa criou o projeto Eu aprendi e vou ensinar: atitudes cidadãs de sustentabilidade, na Escola Municipal Patotinha, em Catalão (GO). Os alunos do primeiro ao quinto ano foram responsáveis pela elaboração da horta e, junto com as famílias, participaram das atividades de reeducação alimentar e elaboração de receitas saudáveis. “O projeto teve repercussão positiva, porque não ficou apenas dentro da escola. Chamamos os pais para participar e fomos às ruas para ensinar a comunidade. Quando o aluno está interagindo, também aprende com a comunidade. O mundo está aí para nos ajudar e também para aprender conosco. E o professor deve conduzir as atividades para que o conteúdo não fique só no livro, no caderno e na sala de aula. O professor é um agente mobilizador”, diz.

Para Kênia, o papel social do professor é importante e caracteriza a forma como ele vê as suas atividades. “O dia a dia pode levar o professor a seguir somente o que foi predeterminado. Mas, quando realmente existe a vontade de mobilizar, é possível fazer a diferença. Algumas vezes, os que estão na linha de frente da atividade ficam desmotivados. Ainda assim, existem maneiras de driblar todas essas questões e escolher vestir a camisa”, afirma.

Comunicar para transformar – Marechal Cândido Rondon (PR)

Na Escola Estadual Eron Domingues, em Marechal Cândido Rondon (PR), o projeto Aprender, Socializar e Agir para a Transformação Social, realizado pela professora Vera Beatriz Hoff Pagnussatti, teve início com a produção de textos dos alunos para o jornal da cidade e, agora, utiliza ferramentas da web, como blog e redes sociais. A iniciativa aproximou os alunos de temáticas sociais e tornou-se um caminho para o debate com a comunidade. “Percebo que os textos mediáticos estão muito presentes na vida dos alunos. Hoje, ao se perceber como referência, o aluno começa a ter uma preocupação com a escrita, com a forma de se colocar diante de uma situação. Há um cuidado muito maior com o que será lido pelos outros e isso vai para além da sala de aula”, conta.

Pagnussatti acredita que para a realização de atividades como essa, os professores precisam ir além da sua incumbência oficial e transmitir conhecimento e conteúdo de acordo com o potencial do aluno. “Temos que estar presentes e, ao mesmo tempo, querer ser agentes de transformação, contando com a agilidade dos nossos alunos, que estão cada vez mais atentos, principalmente a assuntos relacionados à tecnologia. É primordial entender a diferença entre aquilo que eu quero que ele aprenda e aquilo que ele precisa saber hoje. Cabe a cada um de nós instigar o estudante para que ele seja um agente de mudança da sua comunidade. O aluno entende melhor quando usamos a linguagem dele, peça fundamental de todo o processo de aprendizagem”, explica.
Pamella Indaiá/ Blog Educação

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