sexta-feira, 12 de julho de 2013

A participação dos religiosos no Estado Laico

Até que ponto as religiões devem intervir num Estado de Direito? É preciso amadurecer o debate sobre os assuntos que fazem parte do espaço democrático.

A discussão da PEC 99/2011, que acrescenta ao art. 103 da Constituição Federal (CF) um inciso sobre a capacidade postulatória das associações religiosas para propor ação de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a CF, foi assunto de várias rodas de conversa, salas de aula e redes sociais. De qualquer forma, um velho/novo debate (res)surgiu: até que ponto as religiões devem intervir num Estado de Direito? Antes de entrar nesse mérito, é necessário esclarecer alguns conceitos sobre a religião nos estados.

No Estado Religioso, uma determinada crença é a base para a elaboração das leis. Os países islâmicos do Oriente Médio são bons exemplos. Lá, mesmo os não muçulmanos precisam seguir leis e costumes islâmicos.

Já o Estado Ateu se opõe a qualquer manifestação religiosa, tornando proibida qualquer crença. Até a década de 1970, a China impedia qualquer prática religiosa em seu território. Hoje já existem manifestações de cunho religioso.

Ambos são dois extremos que ferem o conceito de liberdade religiosa trazido pela Declaração de Direitos Humanos de 1948. Qual é a saída?

Para respeitar esse direito, nasceu o Estado Laico. Afirmar que o Estado é laico é o mesmo que dizer que o Estado não tem uma religião, mas garante que seus cidadãos pratiquem ou não uma crença, qualquer crença: cristianismo, islamismo, religiões africanas, e tantas outras. As leis não podem se basear em nenhuma religião para que todas as outras sejam respeitadas.

E chega-se à questão de toda a polêmica: esta emenda à CF fere o Estado Laico? Os religiosos podem exercer sua cidadania enquanto religiosos?

Em busca de argumentos universais

Do ponto de vista democrático, a PEC 99/2011 em nada fere o Estado Democrático de Direito. Se as associações religiosas são reconhecidas pelo Estado para fins lícitos (art. 5º, inc. XVII) e não apresentam nenhuma irregularidade do ponto de vista legal, não há que se falar em ferir a democracia, tampouco a laicidade estatal. Como já dito, Estado Laico não é sinônimo de Estado Ateu. Garantir esse direito às associações religiosas é dar representação a milhares de pessoas que não fazem parte dos outros grupos que podem propor as referidas ações. E isso deve ser encarado como uma vitória da jovem democracia brasileira. Ampliar esse debate para outras pessoas é aumentar a participação cidadã no Brasil.
Por outro lado, as associações religiosas que recebem esse direito precisam entender que o debate nas instâncias legais não pode se basear exclusivamente na sua crença ou vontade. Algumas pessoas que representam estas associações estão utilizando a Bíblia para justificar a perseguição a minorias, como os homoafetivos e praticantes de religiões africanas.
É inadmissível como alguns religiosos usam a Bíblia de forma leviana para justificar seu ódio e perseguição a determinados grupos. Além de tudo demonstram uma conveniência sobre a Bíblia que chega a ser assustadora. O livro do Levítico que o diga. Sendo utilizado para justificar o ódio aos homoafetivos (cap. 18, v. 22), seu capítulo 25, que fala sobre o uso da terra, nunca foi mencionado para se pensar meios alternativos de distribuição da terra, a fim de que todos os cidadãos sejam beneficiados. Essas lideranças também demonstram pouco conhecimento de sua religião, suscitando muito mais ódio do que respeito aos diferentes.

É preciso amadurecer o debate dos religiosos (pastores, padres, bispos, leigos) sobre os assuntos que fazem parte do espaço democrático. O debate teológico se mostra mais adequado às igrejas. Ao debater qualquer assunto de interesse público, é preciso buscar um argumento universal, o que nenhuma religião apresenta, já que cada uma tem as suas verdades.

O que se quer dizer é que é justo, por exemplo, que as religiões sejam contra o divórcio dentro de suas práticas religiosas. São assuntos teológicos e só podem ser questionados em âmbito interno. Mas para impedir o divórcio dentro do mundo civil se fazem necessários outros argumentos além do religioso: argumentos sociais, científicos, culturais e, principalmente, legais. Trata-se de transformar um argumento religioso em um argumento universal, o que exige muito estudo e conhecimento de realidade para os religiosos.

Não se trata de questionar o direito de representação das associações religiosas, mas sim a utilização deste direito. Estão promovendo/ampliando o debate dentro do Estado Democrático ou querendo transformar o Brasil num país que professa uma determinada crença? E nós, participantes de grupos religiosos, como estamos ajudando na construção desse diálogo?
Mari Malheiros Militante da Pastoral da Juventude, estudante do curso de "Fé e Política" na diocese de Guarapuava/PR e advogada.

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