segunda-feira, 8 de julho de 2013

Déficits de aprendizagem na escola: sintoma ou reação?


Marcos Pereira dos Santos
 mestrepedago@yahoo.com.br
Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR) e professor Adjunto do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (CESCAGE/PR).

 

Para que se possa melhor compreender quais as possíveis causas dos déficits de aprendizagem na escola e como é possível solucionar ou, ao menos, minimizar esse problema através de algumas medidas de intervenção multiprofissional, faz-se profícuo, inicialmente, apresentar algumas diferenças conceituais existentes entre os termos “ensinagem” e “aprendizagem”; uma vez que se referem a práticas educacionais notadamente distintas, mesmo possuindo certo nível de proximidade em alguns aspectos.

De modo geral, pode-se dizer que “ensinagem” diz respeito a uma ação de ensino da qual resulta a aprendizagem dos alunos na escola, superando a simples transmissão dos conteúdos curriculares por parte do professor de uma determinada disciplina; pois é sabido que na aula tradicional, que se resume apenas na exposição oral de tópicos de conteúdos de ensino, somente há garantia da referida exposição, de modo que nada se pode afirmar com total segurança acerca da apreensão dos conteúdos por parte dos educandos.

Visando a superação dessa exposição verbal, como única forma didático-metodológica de abordar os conteúdos curriculares em sala de aula, é que se inserem, pois, as estratégias de ensinagem. Nesse processo, a ação de ensinar está diretamente relacionada ao ato de apreender, tendo como meta principal a apropriação tanto dos conteúdos de ensino quanto do itinerário subjacente à mesma. As orientações didático-pedagógicas e metodológicas não se referem exclusivamente a “passos” que devem ser seguidos, mas a “momentos” a serem construídos pelos sujeitos em ação, respeitando sempre o movimento do pensamento dos mesmos. Diferentemente dos “passos”, que devem acontecer um após o outro, os “momentos” não se dão de forma estanque, mas fazendo parte integrante do processo de pensamento dos alunos para a ocorrência de aprendizagem.
Nesse sentido, o fenômeno da “aprendizagem”, por sua vez, é bastante complexo; visto que ocorre no cotidiano e em qualquer idade, desde o início da vida e perdura até a morte dos sujeitos sociais. Em linhas gerais, aprendizagem pode ser conceitualmente definida como uma mudança de comportamento, mais ou menos duradoura, demonstrada por uma pessoa e que provém de algum tipo de treinamento por ela realizado (repetições, exercícios, práticas, observações e experiências).
Todavia, não é qualquer modificação comportamental que pode ser considerada aprendizagem. É importante excluir desse contexto, por exemplo, as mudanças decorrentes de maturação biológica e as relativamente passageiras provenientes de ocasionais alterações fisiológicas e motivacionais. Na escola, a aprendizagem configura-se como tema central na atividade do professor, estando, portanto, umbilicalmente veiculada à ação de ensinar. A aprendizagem, grosso modo, não se transmite por hereditariedade; pois corresponde a um processo dinâmico, pessoal, gradual, cumulativo, integrativo e “continuum”.

Com base nos dados empíricos coletados junto a pedagogos, professores e alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, participantes da pesquisa de campo, para a elaboração e posterior publicação do livro de nossa autoria intitulado “Dificuldades de aprendizagem na escola: um tratamento psicopedagógico” (SANTOS, 2012), bem como em estudos realizados recentemente na área da Psicologia da Aprendizagem e da Psicopedagogia Clínica e Escolar, e ainda em relatos de estudantes de diferentes cursos de bacharelado e licenciatura nos quais temos lecionado nos últimos cinco anos; pode-se assegurar que as principais dificuldades de aprendizagem (doravante DAs) comumente apresentadas pelos alunos da Educação Básica escolar, das redes pública e privada de ensino, estão relacionadas tanto a questões de ordem geral (desatenção, hiperatividade, lentidão de pensamento e raciocínio lógico entre outras) quanto a fatores de cunho específico (dislexia, dislalia – leitura, disgrafia e disortografia – escrita e discalculia – dificuldade em realizar cálculos matemáticos etc.; estando esta última geralmente associada à incapacidade de operar com números – acalculia). Entretanto, vale ressaltar ainda que as dificuldades gerais e específicas de aprendizagem estão, direta ou indiretamente, associadas a um espectro de viés multidimensional (aspectos orgânicos, físicos, psicossomáticos, sensoriais, perceptivos, neurológicos, emocionais, cognitivos, afetivos, sociais, familiares e didático-pedagógicos) que deve ser significativamente considerado.

Assim sendo, em casos de identificação de alguma dificuldade geral ou específica de aprendizagem, faz-se extremamente urgente e necessário que sejam adotadas certas medidas de intervenção (mediação) por parte da colaboração conjunta de uma equipe multiprofissional, a qual envolve a participação direta da família secular do aluno com dificuldade de aprendizagem (oferta de apoio, incentivo, amor, estímulo, atenção, carinho, afeto, harmonia e acolhimento); de psicólogos clínicos e/ou psicopedagogos escolares (assessoramento ativo na proposição de diferentes atividades de cunho terapêutico, didático-pedagógico e metodológico, e até mesmo encaminhamento médico, se necessário); e dos agentes educacionais da escola (pedagogo, psicopedagogo, gestor escolar, supervisor e orientador educacional, coordenador pedagógico e professores em geral), responsabilizando-se pela formulação e aplicação de diversas técnicas e estratégias didático-metodológicas de ensino que possam, de alguma forma, contribuir para uma aprendizagem significativa e satisfatória por parte dos educandos em sala de aula. Todavia, torna-se profícuo também levar em consideração a individualidade (limitações e possibilidades) de cada aluno, a tipologia e as possíveis causas das dificuldades de aprendizagem em foco; bem como as condições estruturais, materiais e financeiras de cada escola nesse contexto.

Trata-se, em suma, de uma problemática com elevado nível de complexidade e seriedade, uma vez que acarreta inúmeros transtornos na vida escolar e social dos estudantes. Buscar o auxílio de diferentes metodologias educacionais que levem os educandos a solucionar ou, ao menos, minimizar as dificuldades de aprendizagem apresentadas é tarefa precípua de todos os professores; os quais necessitam estar, via de regra, devidamente assessorados pelas equipes de coordenação pedagógica e pelos serviços de atendimento psicopedagógico existentes nas escolas onde lecionam. É um trabalho árduo e gradativo; porém, possível e extremamente necessário.

Não há dúvida que déficits de aprendizagem sempre existirão na escola, em todos os níveis e modalidades de ensino. Contudo, refletir criticamente acerca dessas questões torna-se imprescindível; pois é preciso aniquilar, de uma vez por todas, pensamentos e práticas correntes entre educadores e educandos onde “se você finge que ensina, eu finjo que aprendo”, título de uma obra clássica de Hamilton Werneck (1992), seja a resposta aos muitos ranços e desafios concernentes à educação escolar no Brasil contemporâneo.

Educação é algo sério e de importância capital para a formação da personalidade humana, o desenvolvimento intelectual e o pensamento crítico-reflexivo dos sujeitos sociais; bem como para a construção de uma sociedade, de um país e de um mundo cada vez mais humano, justo, fraterno, ético e equânime em termos de direitos e deveres, saberes e fazeres. A hora de mudar é agora. Então, comecemos pela escola, pelos alunos com déficits de aprendizagem e por nós mesmos.

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