Helena Singer
Nas últimas semanas o Brasil se comoveu com o assassinato de 12 crianças por um sofredor mental em uma escola do Rio Janeiro (RJ). A causa da tragédia foi, sem dúvida, o acesso fácil às armas em nosso país. Mas, as justificativas dadas pelo homicida para seus atos vêm suscitando intensos debates. Em cartas e vídeos, Wellington atribui sua atitude à opressão que lhe foi impingida por colegas em seus tempos de escola, vários anos atrás.
Daí que um assunto que há algum tempo preocupa educadores e gestores de educação tenha saído do âmbito das revistas especializadas para ganhar as primeiras páginas e mobilizar setores da sociedade que não costumam se interessar pela área.
Um destes foi o Promotor de Justiça da Infância e Juventude do Estado de São Paulo, que lançou um anteprojeto de lei prevendo pena de até quatro anos de reclusão, pagamento de multa ou internação na Fundação Casa para quem cometer bullying. Ou seja, o Promotor reagiu à elevação do tema à categoria de questão nacional na lógica do sistema penal: individualização da culpa e punição.
No ano passado, o Conselho Nacional de Justiça já havia lançado uma cartilha em que o fenômeno do bullying é explicado por: ausência de limites, modelo social voltado para a conquista do status, dificuldades familiares e perversidade das personalidades envolvidas. A mesma cartilha indica que a responsabilidade da escola, nestes casos, é acionar pais, Conselho Tutelar ou até mesmo a polícia. Já encontramos ali, portanto, a lógica penal em movimento: análise dos conflitos a partir da culpabilização das condutas e busca de sua resolução em instituições externas a eles.
Acontece que a lógica penal não combina com educação. Aí estão as prisões e os elevadíssimos índices de reincidência criminal para nos lembrar disso. Se em um ambiente escolar são persistentes os atos de violência física ou psicológica praticados para intimidar ou agredir um ou mais estudantes, isso significa que a escola não tem um bom projeto pedagógico.
Em uma escola sem um projeto pedagógico construído por todos, as pessoas não têm clareza sobre o que estão fazendo ali. O ambiente físico não promove a socialização saudável e processos colaborativos de construção de conhecimento, mas provavelmente é regido por sinetas que fragmentam o tempo, corredores desagradáveis e carteiras que enfileiram os estudantes de forma que eles se relacionem mais com a nuca do colega da frente do que com os olhos de todos. O conhecimento não é construído de forma significativa, a partir da experiência e das inquietações dos estudantes, mas segue apostilas em ordem seriada e homogênea e é medido por notas que mais estimulam a competição. A atitude da equipe escolar possivelmente não é acolhedora, o que impede a criação de vínculos entre adultos e crianças, e, portanto, a confiança necessária para garantir aos estudantes a segurança de compartilhar com seus educadores dificuldades vividas com os colegas ou mesmo com a família. Em uma escola sem um projeto pedagógico claro, a gestão dos tempos, espaços, recursos e pessoas, provavelmente, é feita de forma centralizada, autoritária e hierárquica, desresponsabilizando a maior parte da sua comunidade pelos cuidados com os bens comuns e o bem-estar de todos.
Em uma escola com um bom projeto pedagógico, pais, Conselho Tutelar, Vara da Infância e Juventude e outras organizações que compõem a rede sociopedagógica não são vistos como agências para as quais se encaminham os problemas, mas como parceiros constantes, que auxiliam na integração da escola com a comunidade, tornando a primeira uma referência local de conduta e construção de conhecimento.
Portanto, se os atos de violência estão crescendo nas escolas brasileiras, como atesta uma pesquisa do IBGE também apresentada no ano passado, é preciso olhar para elas, para os fatores que estão causando um esvaziamento da razão de ser desta instituição, e propor formas de mobilização social para a reinvenção da escola em nosso país.
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