João Luís de Almeida Machado Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).
Sonhos e Frustrações da Burguesia
Martin Scorsese é um dos maiores cineastas norte-americanos de todos os tempos. Poucos se atrevem a duvidar disso. Muitos assinariam uma afirmação como essa sem qualquer receio. Sua maior virtude? Sem dúvida alguma reside na ousadia. Como cineasta tanto pelo virtuosismo e esmero que percebemos com clareza em praticamente todos os seus filmes quanto pelos temas fortes e estimulantes. Mesmo em filmes considerados “menores” em sua filmografia nota-se essa grandeza e genialidade. É o caso, por exemplo, da adaptação da obra de Edith Wharton, “A Época da Inocência”, para o cinema.
Tanto no filme como no livro há uma forte crítica a burguesia nova-iorquina do século XIX, mais especificamente as pessoas dessa camada social que comandavam a cidade naquele período. Os maiores focos de contrariedade referem-se ao fato de que essa classe social, responsável pela destituição da nobreza do poder político e das esferas de maior status social na Europa, fez-se refém da mesma ao adotar modelos e padrões de comportamento típicos da época em que barões, condes, viscondes e duques davam as cartas no mundo.
Ostentavam abertamente sua riqueza em grandes banquetes e recepções, durante suas aparições nos espetáculos teatrais e óperas, em suas mansões luxuosas e decoradas numa tentativa de repetir padrões reconhecidos em chateaus e palácios europeus. As roupas, se não seguiam os mesmos padrões do século anterior (quando a nobreza prevalecia política e socialmente), também eram utilizadas para demonstrar autoridade e requinte, por isso, eram comuns as sedas e veludos, as estolas de peles, as cartolas e os casacos vistosos.
Se não praticavam o ócio, tão comum aos nobres europeus, os burgueses norte-americanos se davam o direito de relaxar em seus jardins ou casas de campo, praticar esportes em grandes clubes (apenas para que seus iguais pudessem vê-los e comentar a respeito de suas virtudes atléticas e sua boa saúde financeira) ou viajar pelo mundo, especialmente, pela Europa.
Além disso, mantinham uma fachada de felicidade e realização tanto no ambiente familiar quanto no profissional, quando muitas vezes, isso não era condizente com a realidade que estavam vivendo. Era necessário fazer um jogo de cena que iludisse os demais componentes dessa “corte” contemporânea para que ninguém pudesse notar fracassos pessoais ou empresariais. Pura hipocrisia...
O Filme
Madame Olenska (Michelle Pfeiffer) é uma mulher separada que retorna da Europa e se estabelece em Nova Iorque para reatar seus laços familiares. A sociedade da época (século XIX) não a recebe bem, apesar de reconhecer que ela tinha motivos para ter se afastado de seu marido, um nobre europeu.
No período de volta de Madame Olenska, sua prima, a doce e ingênua May (Winona Ryder) estava prestes a se casar com Newland Archer (Daniel Day-Lewis), um promissor advogado, proveniente de importante e abastada família local.
Newland foi, entretanto, escolhido para cuidar da separação de Madame Olenska. Por esse motivo, passa a encontrá-la com grande freqüência. Isso acabou gerando uma grande proximidade entre os dois, que se tornou um tórrido romance.
Como reagiria a conservadora sociedade local ao relacionamento entre Olenska e Newland? A situação era ainda mais constrangedora partindo-se do fato de Madame Olenska ser prima de May, noiva e futura esposa de Newland. As coisas pioravam ainda mais se levarmos em conta o perfil da mulher traída, considerada ingênua, elegante e terna.
Fotografia e figurinos memoráveis compondo com a qualidade reconhecida da direção de Martin Scorsese e com a atuação impecável do trio de atores principais, Daniel Day-Lewis, Michelle Pfeiffer e Winona Ryder (indicada ao Oscar e vencedora do Globo de Ouro de melhor atriz por esse papel) tornaram esse filme um grande sucesso, digno de ser visto e revisto.
Aos Professores
1- A utilização de romances de época como ponto de apoio para a compreensão de diferentes períodos históricos é fundamental. Edith Wharton, Machado de Assis, Charles Dickens, Émile Zola ou Aluísio Azevedo podem referendar a visão de uma determinada época ou tempo a partir de suas descrições do cotidiano. Passamos, inclusive, a ter uma noção mais clara de como seria viver em realidades como as mostradas em suas obras. É de valor inestimável que haja uma cooperação e um trabalho conjunto e coordenado entre as áreas de literatura e história.
2- Para muitos estudantes do Ensino Médio e das séries finais do Ensino Fundamental não é muito clara a diferença entre os períodos Moderno e Contemporâneo da história. O uso de filmes como “A Época da Inocência”, onde existem semelhanças muito grandes entre o modo de vida da burguesia e da nobreza pode afirmar as semelhanças e coincidências (quanto ao modo de se vestir, a etiqueta, os ambientes, o requinte e o luxo,...), mas deve também, estimular uma reflexão quanto às diferenças e os motivos que nos levam a caracterizar tais épocas a partir de diferentes denominações (Moderna e Contemporânea).
3- É possível traçar paralelos entre o período retratado no filme (final do século XIX, nos Estados Unidos), onde se mostra a forma como vivia a burguesia de então com o modo como vivemos atualmente? Partindo do princípio que também vivemos dentro de uma sociedade burguesa, teoricamente essa comparação pode ser realizada. Como poderíamos fazer isso? Que tal propor aos estudantes um levantamento de dados quanto aos hábitos, relacionamentos entre as pessoas, formas de se vestir, moradias, festas e jantares apresentados no filme de Scorsese e nos tempos atuais?
4- O título do filme “A Época da Inocência” pode fazer com que iniciemos uma discussão com os estudantes quanto ao sentido do termo “inocência” no contexto da história de Edith Wharton. Pode-se perguntar, por exemplo, se há inocentes na história? Quais as qualidades dos personagens caracterizados ou entendidos como inocentes? A sociedade nova-iorquina do filme como um todo, age de forma “inocente” ou procura medir suas ações de forma calculada antes de realizá-las? A fria recepção da sociedade nova-iorquina a Madame Olenska contradiz o título do filme, não concordam? O astuto e culto advogado Newland Archer tinha uma real compreensão de tudo o que se passava a seu redor? A doce e ingênua May foi enganada durante a história e jamais chegou a saber o que realmente estava acontecendo entre Archer e Olenska?
Ficha Técnica
A Época da Inocência
(The Age of Innocence)
País/Ano de produção:- EUA, 1993
Duração/Gênero:- 130 min., Drama
Direção de Martin Scorsese
Roteiro de Martin Scorsese e Jay Cocks
baseado na obra de Edith Wharton
Elenco:- Daniel Day-Lewis, Michelle Pfeiffer, Winona Ryder, Jonathan Pryce,
Geraldine Chaplin, Robert Sean Leonard, Richard E. Grant, Mary Beth Hurt.
domingo, 21 de agosto de 2011
Filme : A Época da Inocência
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